Covid: como pode ser o quarto ano da pandemia

Mortes caíram 66% em doze meses, mas há duas incógnitas à vista: o fim da política chinesa que salvou milhões de vidas e uma nova subvariante nos EUA. No Brasil, ministério da Saúde tentará reverter aumento da hesitação vacinal

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O mundo ainda está em pandemia, mas a virada de ano para 2023 se deu em um cenário mais favorável do que em janeiro de 2022. Embora não haja “espaço para complacência”, como destacou editorial recente da revista Nature, o número de mortes diárias hoje é quase três vezes menor que no início de janeiro de 2022, e os casos eram mais de cinco vezes maiores naquele que foi o período de ascensão da variante ômicron da covid-19. Pouco antes do natal, o diretor da Organização Mundial da Saúde estava otimista e via a luz no fim do túnel da pandemia. Mas algumas notícias despontaram durante o período de festas que levantaram algumas preocupações. Voltaremos a viver novas fases de explosão da covid?

O fato de mais relevância foi o fim da política de covid zero na China, em dezembro. Aconteceu após uma onda de protestos contra as restrições duras impostas aos cidadãos. As medidas de isolamento social rígido, controle de movimentação e testagem em massa foram responsáveis por salvar milhões de vidas de chineses. Apenas como comparação breve, se as mortes tivessem ocorrido na mesma proporção que no Brasil, a covid teria levado 4,5 milhões de pessoas na China, em dois anos e meio. Foram pouquíssimos óbitos, comparativamente – pouco mais de 5,3 mil. Mas a covid zero parece ter chegado a um limite. 

O problema é que a população chinesa, protegida por tanto tempo, está mais suscetível a novas infecções pelas cepas predominantes da covid – e uma nova onda de casos e hospitalizações começou assim que caíram as restrições. Projeções temerosas estimaram que, com a abertura das atividades econômicas e sociais e das fronteiras, 1 milhão de chineses podem morrer neste ano. Mas isso pode ser evitado com a propagação das doses de reforço da vacina, mostram os estudos. As informações divulgadas não são claras, e há indícios de que o governo chinês tenha alterado os parâmetros para registro de mortes por covid. Mas autoridades indicam que a nova onda de infecções já chegou ao seu auge e deve começar a cair em breve. Até agora não parecem ter surgido novas variantes que possam preocupar os outros continentes. 

Há outro ponto de atenção que também surgiu nas últimas semanas: o aparecimento, primeiro em Nova York, de uma subvariante “bisneta” da ômicron. Ela chamou a atenção de cientistas que analisam os dados de norte-americanos por seu rápido crescimento entre as cepas responsáveis pela covid no país, especialmente na populosa região Nordeste – onde estão Nova York, Boston e Washington, por exemplo. Ela parece estar se tornando a subvariante dominante no país, dobrando o alcance a cada semana. É chamada de variante XBB.1.5, filha da XBB que rodou a Ásia nos últimos meses de 2022, mas com uma capacidade mais robusta de evadir os anticorpos, segundo matéria publicada na Nature. No Brasil, foi detectada pela primeira vez em 5/1, no interior de São Paulo. Ainda é cedo, segundo os pesquisadores, para avaliar se causará estrago extra ou se apenas substituirá a variante que predominava. Mas, ao menos até agora, não parece causar doença mais grave. O problema é, como sempre, que seu espalhamento descontrolado pode gerar novas mutações preocupantes.

Se chegamos a esse momento de relativa tranquilidade, foi somente graças às vacinas – mesmo com grande desigualdade na distribuição internacional. A efetividade dos imunizantes parece estar fortalecendo a confiança global em relação a eles. A chamada hesitação vacinal, o medo que as pessoas sentem de que os imunizantes sejam prejudiciais a elas individualmente, costuma ser um problema maior em países ricos. Mas, segundo estudo publicado na Nature Medicine, conduzido pelo Instituto Global de Saúde de Barcelona (ISGlobal), essa desconfiança está caindo. Os dados foram extraídos de 23 países que representam cerca de 60% da população mundial.

O problema é que, no Brasil (e em mais sete países), a hesitação aumentou em 2022, na contramão da maior parte do globo. Estamos entre os países que mais aceitam vacinas. Mas, em um ano, a proporção das pessoas que confiam nelas caiu 3,3% – enquanto aumentava 5,2% globalmente. Também cresceu, no Brasil, o medo de vacinar as crianças: os que hesitam em imunizar seus filhos passaram de 8,7% para 13,6% em 2022. Isso pode explicar a baixa adesão à vacinação de pessoas de até 12 anos por aqui. E mais um dado alarmante apareceu no estudo: 79,5% dos brasileiros entrevistados tomaram ivermectina, medicamento sem comprovação de eficácia, para tratar os sintomas de covid.

Por sorte, os ventos do obscurantismo e da negação da ciência estão mudando. Nísia Trindade, a nova ministra da Saúde, indica com frequência a importância da retomada do Plano Nacional de Imunizações em sua gestão. É preciso corrigir urgentemente a situação brasileira em relação às vacinas, inclusive a da covid. Mesmo tendo alta aceitação no país, a distribuição das doses de reforço patina: cerca de 69 milhões de pessoas ainda não tomaram a chamada terceira dose. Mais de 30 milhões também não tomaram a dose de atualização, ou quarta dose, que é oferecida a todos com mais de 40 anos. 

Em entrevista à Folha, a nova secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente do ministério da Saúde, Ethel Maciel, detalhou como será a vacinação contra covid nos próximos meses. A vacina contra covid deverá ser tomada anualmente. “A ideia é que a campanha siga os mesmos grupos prioritários da gripe, que são os mais vulneráveis, como os profissionais de saúde, imunossuprimidos, idosos. A princípio, será uma dose de reforço com a vacina bivalente”, afirma, indicando que a pasta já se prepara para corrigir os desfalques da gestão anterior. O déficit na vacinação infantil também está sendo corrigido com a compra de 2,6 milhões de doses da Coronavac destinadas a esse público, além de uma tentativa de adiantar a aquisição de vacinas da Pfizer que deveriam chegar até o fim do mês.

Editorial da revista Nature sublinhou, mais uma vez, a necessidade de reforçar os sistemas de saúde pública globais, para evitar novas catástrofes como a da covid. E é preciso que a resposta global seja menos desigual do que o que aconteceu na pandemia que começou em 2020. Em maio, a Organização Mundial da Saúde deve apresentar um relatório de progresso sobre as deliberações para a formação de um instrumento internacional – algo como um tratado – para preparação e resposta a pandemias. Em suma, a revista científica alerta que ainda é preciso atenção para o desenvolvimento da covid.

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