Censura na OMS: o caso do relatório italiano

Documento sobre resposta da Itália à pandemia chegou a ser publicado, mas foi retirado do ar e enterrado no dia seguinte. Entenda o porquê

Foto: Andrea Albanese / Pixabay
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“Você precisa corrigir o texto imediatamente (…) Não me atrapalhe com isso. Implorei que você me deixasse ler o rascunho antes de imprimir… Droga… Agora estou bloqueando tudo”. A mensagem é uma das muitas que vieram a público nas últimas duas semanas graças ao trabalho investigativo de um programa de televisão italiano e, agora, repercutem com força no contexto internacional. Ela foi escrita por Ranieri Guerra, diretor-geral de Iniciativas Estratégicas da OMS – ex-funcionário de alto escalão do Ministério da Saúde da Itália – e é uma das muitas provas que surgiram de que ele atuou para censurar um relatório independente, encomendado pela organização, sobre a resposta do governo italiano na pandemia.

As coisas são ainda mais feias porque o relatório, elaborado por um time de especialistas, apontou como ponto fraco dessa resposta o fato de o governo não ter atualizado seu plano nacional de preparação para pandemias, que era de 2006. Acontece que essa responsabilidade esteve sob as costas do próprio Guerra entre 2014 e 2017, quando ele ocupou a direção do Departamento de Prevenção do ministério. Isso porque o braço europeu da OMS pediu a todos os países que atualizassem o documento, em 2013.

Do ponto de vista institucional, o caso revela um erro sem precedentes, já que apesar de ser comum a contratação de pessoas que trabalharam em variados governos, a OMS sempre estabeleceu um muro entre as atividades relacionadas ao país de origem dos funcionários, conta o site Health Policy Watch.

Os fatos que agora vêm à tona aconteceram em maio. No texto que abre essa nota, Guerra avisa ao oficial da OMS responsável por coordenar a equipe que fez o relatório, Francesco Zambon, que vai barrar o texto junto à cientista-chefe da organização, Soumya Swaminathan. O relatório “Um desafio sem precedentes – a primeira resposta da Itália a covid-19” chegou a ser publicado no site do escritório europeu da OMS, mas foi retirado apenas um dia depois. E enterrado. 

O contexto da crise talvez importe mais do que tudo. Além de não estabelecer um muro entre o ex-diretor do ministério italiano e seu país de origem, a OMS tinha acabado de receber uma doação voluntária do governo da Itália de 10 milhões de euros. Agora, com a direção da organização se vendo às voltas com o pedido dos países-membros para investigar as origens da pandemia na China – e com o governo chinês, por enquanto, não dando sequer autorização para que o grupo de cientistas escolhidos para fazer o relatório ponha os pés no país – o caso de censura coloca ainda mais pressão sobre a organização.  

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