Os cem mil casos, a insanidade e o Centrão

Bolsonaro fala em golpe e ataca democracia para tentar esconder as negociações com o setor mais fisiológico da “velha política”. Leia também: governo resiste a pagar os R$ 600; agrava-se colapso das UTIs

Arte: Maíra Mathias
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INSENSATOS E CRUÉIS

Na mesma data em que o Brasil ultrapassou a marca dos cem mil casos de infecção pelo novo coronavírus, o Palácio do Planalto foi cenário de mais uma aglomeração de bolsonaristas reunidos contra o Congresso e pelo fechamento do Supremo. Ao mesmo tempo em que se comemorava o Dia Mundial da Liberdade de Expressão, os apoiadores de Jair Bolsonaro agrediram com socos, chutes, rasteiras e empurrões profissionais da imprensa que cobriam o ato. No momento em que ultrapassamos a Alemanha e nos tornamos o sétimo colocado no ranking dos países com mais mortes por covid-19, com 7.025 óbitos registrados, as campanhas de desinformação sobre a doença entraram em um novo patamar e espalham boatos de que os enterros acontecem com caixões vazios. Ontem, o presidente da nação, que é também quem preside a nau dos insensatos e cruéis, dobrou sua aposta no caos social e voltou a ameaçar a democracia brasileira. Enquanto as duas figuras se sobrepuserem, estaremos condenados a essa sucessão de absurdos e violências em um ‘Dia da Marmota’ que se torna mais perigoso a cada repetição. 

“Tenho certeza de uma coisa, nós temos o povo ao nosso lado, nós temos as Forças Armadas ao lado do povo, pela lei, pela ordem, pela democracia, e pela liberdade. E o mais importante, temos Deus conosco”, disse Bolsonaro em uma transmissão ao vivo gravada da rampa do Planalto no momento da manifestação. “Peço a Deus que não tenhamos problemas essa semana. Chegamos no limite, não tem mais conversa, daqui pra frente, não só exigiremos, faremos cumprir a Constituição, ela será cumprida a qualquer preço, e ela tem dupla mão”, acrescentou. “Chega de interferência, não vamos mais admitir interferência, acabou a paciência”, ameaçou. 

Na semana passada, o ministro Luís Roberto Barroso suspendeu, a pedido do PT, a ordem do Ministério das Relações Exteriores que expulsava 34 diplomatas venezuelanos do Brasil. E, na esteira das denúncias de Sergio Moro, o ministro do STF Alexandre de Moraes barrou, a pedido do PDT, a nomeação de Alexandre Ramagem para a direção da Polícia Federal. Segundo um auxiliar direto do presidente ouvido pela Folha, Bolsonaro estaria avaliando “chutar o pau da barraca” e renomear Ramagem. A mesma fonte afirmou que está nos planos a substituição do general Edson Leal Pujol do comando do Exército. Já o Estadão ouviu militares que reclamaram das declarações de Jair Bolsonaro que fazem pressão sobre os outros poderes da República, especialmente contra o STF. De toda forma, ainda não fica claro até que ponto os militares estão dispostos a apoiar Bolsonaro.

Ontem, Bolsonaro voltou a fazer pouco das mortes – “infelizmente, muitos perderão suas vidas” –, a defender o fim do isolamento social – “o Brasil como um todo reclama volta ao trabalho” – e a se isentar da responsabilidade pela crise econômica: “Essa destruição de empregos irresponsável por parte de alguns governadores é inadmissível”, disse. No carro de som, os bolsonaristas tocaram a música “Brasil”, de Cazuza.

No Dia do Trabalhador, uma carreata de apoiadores de Jair Bolsonaro estacionou na frente do hospital de campanha do Ibirapuera, em São Paulo. O repórter Fausto Salvadori, da Ponte Jornalismo, filmou o carro de som da manifestação tocando “Que País é Esse”, do Legião Urbana, no volume máximo em frente à unidade de saúde. Ao UOL, o porta-voz do movimento de empresários que convocou a carreata pelo fim da quarentena que aconteceu no dia anterior, quinta-feira (30), respondeu que defende a volta ao trabalho, mas não “acha justo” que o grupo seja responsabilizado pelo aumento das mortes causadas pela livre circulação de vírus e pessoas. “Vivemos em um país livre e cada um deve defender o que acha justo, sem responsabilização”, disse Michel David, dono da Tecelagem Jolitex.

Mais uma amostra do bolsonarismo foi dada no feriado, desta vez em Brasília. Na Praça dos Três Poderes, um grupo de enfermeiros exercia seu direito à manifestação. Vestidos de jalecos brancos e usando máscaras de proteção, faziam um protesto silencioso e ordenado por melhores condições de trabalho e pela manutenção do isolamento social quando foram abordados por um grupo de apoiadores do presidente. Vestidos de verde e amarelo, os bolsonaristas chamaram os profissionais de saúde de “sem vergonhas”, “analfabetos funcionais” e “covardes”. Um homem chegou a agredir fisicamente uma enfermeira. Os bolsonaristas registraram a violência em vídeo. Nas redes sociais, inventaram que os enfermeiros eram, na verdade, moradores de rua que foram convencidos a usar jalecos brancos “para se passar por médicos”. No vídeo, aparece ainda outra ameaça gritada por um homem: “Vocês vão ser varridos, esquerdopatas. Vocês vão perder. Nós vamos varrer vocês dessa nação”.  Três pessoas do grupo já foram identificadas e serão processadas na Justiça pelo Conselho Regional de Enfermagem do Distrito Federal. 

CENTRÃO PRA DEBAIXO DO TAPETE

Ontem, do alto do carro de som, uma apoiadora de Jair Bolsonaro acusou Sergio Moro de ser “aliado ao Centrão”. Enquanto isso, o presidente – objeto de tanta defesa e admiração – está na reta final da distribuição de cargos para o grupo de partidos fisiológicos que detém cerca de 200 dos 513 deputados federais. Foi divulgado por líderes do centrão, e confirmado por fontes do governo, que Bolsonaro ameaçou de demissão pelo menos dois ministros que resistiam em ceder cargos. Uma das áreas prometidas é a secretaria de vigilância do Ministério da Saúde. Vai para o PL de Valdemar Costa Neto, investigado no mensalão e na Lava Jato.

Estadão fez um levantamento que mostra a extensão das negociações. O comando do Ministério da Ciência, Tecnologia e Comunicações deve ir para o PSD de Gilberto Kassab, que também quer a presidência dos Correios. Estão na mesa superintendências do Ibama e do Incra nos estados, diretorias de agências reguladoras, presidência de estatais como Infraero e Valec… A lista é longa

E já garante blindagem a Bolsonaro. Procurados pela Folha para comentar a manifestação de ontem e as agressões a enfermeiros e jornalistas, os líderes do Centrão minimizaram os episódios. “Um domingo como outro qualquer”, um respondeu. 

“Depois de incentivar o povo a ir para rua para protestar contra os interesses escusos do Congresso, Bolsonaro chamou líderes do Centrão para ouvir quais são seus interesses”, observa João Filho no Intercept. E continua: “Bolsonaro está repassando para o Centrão cargos de segundo e terceiro escalão de secretarias estratégicas, que serão distribuídos pelas lideranças partidárias. O Centrão aceitou a oferta e logo saiu em defesa do presidente no Congresso, rejeitando uma possível abertura de processo de impeachment contra ele. (…) Para salvar o seu pescoço, Bolsonaro recorre aos métodos que até duas semanas atrás ele mesmo considerava ter sido responsável por levar o país ao fundo do poço. Mesmo tendo recorrido à velha politicagem para que o mandato possa chegar ao final, a narrativa antissistema de Bolsonaro permanecerá de pé. É ela quem mantém a tropa bolsonarista unida.”

DEPOIMENTO DE MORO

O outro motor oculto do discurso inflamado feito por Jair Bolsonaro ontem é o depoimento de mais de oito horas dado pelo ex-ministro Sergio Moro à Polícia Federal. Aconteceu no sábado, em Curitiba. Não se sabe qual seu potencial destrutivo, só que o ex-ministro reiterou acusações sobre interferência do presidente na PF e citou como prova inclusive um vídeo. Seria uma reunião do conselho de ministros que foi gravada em 22 de abril, na qual Bolsonaro teria ameaçado demitir Moro caso ele não concordasse com a substituição do superintendente da PF no Rio de Janeiro. Além disso, o ex-juiz teria disponibilizado o conteúdo das conversas travadas nos últimos 15 dias que esteve à frente do Ministério da Justiça (período no qual, obviamente, Moro já calculava sua saída do governo). Ele teria justificado a falta de diálogos antigos pelo medo de ser hackeado. 

A propósito: na Globo News, Ciro Gomes fez uma boa síntese da situação do ex-juiz. “Moro passou um ano e quatro meses na luz difusa do abajur lilás, e só depois percebeu que estava cercado de prostitutas.”

RADICALIZAÇÃO À AMERICANA

Entre os cartazes segurados pelos manifestantes ontem, havia um que defendia “armas para cidadãos de bem”. Diante do prédio do STF, eles – que defendem o fechamento da Corte –, gritaram: “vamos invadir”. É de se perguntar o que poderia acontecer no Brasil caso o porte de armas tivesse sido liberado, como queria o decreto assinado por Jair Bolsonaro há exatamente um ano. Ainda mais diante das notícias que chegam dos Estados Unidos, país cuja bandeira recebeu grande destaque na rampa do Planalto. 

No Dia do Trabalhador, seis homens fortemente armados invadiram a sede dos poderes Executivo e Legislativo do estado de Michigan. O “protesto” pedia o fim do isolamento social decretado pela governadora democrata Gretchen Whitmer. Michigan é um dos estados mais afetados pelo novo coronavírus, e já soma mais de 41 mil casos e quase quatro mil mortes. Carreatas contra a quarentena vem acontecendo por lá e em outros cantos do país, patrocinadas por grupos ligados a empresários

Por aqui, parte dos bolsonaristas montaram no sábado acampamento no gramado em frente ao Congresso Nacional. As fotos das barracas foram divulgadas pela deputada Bia Kicis. Chamou atenção o fato de todas serem exatamente iguais. No Twitter, a atriz Maria Bopp destacou outra curiosa coincidência: o modelo visto em Brasília é vendido na loja Havan, do empresário bolsonarista Luciano Hang.  

O DRAMA DAS FILAS

Jair Bolsonaro e seu governo vem produzindo, propositalmente ou não, também um outro tipo de aglomeração, em frente às agências da Caixa Econômica Federal pela população em busca do auxílio emergencial de R$ 600. As filas gigantescas tem sido registradas nas últimas semanas em todo o país. O banco público anunciou que iria funcionar parcialmente no sábado para tentar desafogar o atendimento. Uma agência em Vila Velha, no Espírito Santo, não abriu. O fato despertou revolta em pessoas que foram até o local em busca do benefício. Depois de dar de cara com a porta, alguns homens colocaram fogo em entulhos, bloqueando a rua.

O Partido dos Trabalhadores ingressou no STF com uma ação pedindo que o governo pague imediatamente o benefício. Já são 96 milhões de inscritos, mas só 50 milhões foram pagos. Há 33 milhões com problemas no cadastro. O PT afirma que critérios como apresentação do CPF e comprovação de renda estão dificultando o acesso ao auxílio, criando as filas que se tornam focos de contágio do coronavírus. E denuncia que o próprio governo vem sabotando o pagamento – fato ligado por vários analistas à campanha presidencial contra o isolamento social. Afinal, sem dinheiro as pessoas não tem como permanecer em casa.

“TALVEZ TENHA PEGADO”

O prazo para divulgação dos exames feitos por Jair Bolsonaro que atestam se o presidente foi ou não contaminado pelo novo coronavírus vencia no sábado. A Advocacia Geral da União recorreu ao TRF-3 e conseguiu que a desembargadora plantonista  Mônica Nobre suspendesse a divulgação dos testes por cinco dias, prazo que o relator do caso no tribunal terá para analisar o caso. Horas depois, o presidente do TRF-3, desembargador Mairan Maia, entrou no circuito. Ao analisar um outro recurso da AGU, ele sustentou a obrigação de divulgação dos exames. A essa altura, Bolsonaro já abandonou a negativa veemente de que não se contaminou. “Eu talvez já tenha pegado esse vírus no passado, talvez, e nem senti”, declarou na quinta-feira, em entrevista à rádio Guaíba. 

MUDANÇAS NADA SUTIS

Quando se trata de transparência, muita coisa mudou com a entrada de Nelson Teich no comando do Ministério da Saúde. Não exatamente na subnotificação dos casos de covid-19, que já era um desastre, mas na própria divulgação dos dados. Na Folha, a repórter Natália Cancian chama a atenção para os detalhes, que vão muito além do abandono do colete do SUS usado pela equipe do antecessor Luiz Henrique Mandetta.

As entrevistas ao lado da equipe técnica, antes diárias, rarearam e ficaram mais curtas. A ênfase passou a ser nos “dados positivos” da covid-19 no Brasil, se é que se pode chamá-los assim – a equipe fala mais no total de pacientes recuperados e compara o país com outros em situação pior (enquanto os há). Também foram retirados os dados que alertavam para o avanço da doença, como a classificação de estados e capitais em parâmetros de ‘emergência’, ‘atenção’ e ‘alerta’. Não se apresenta mais a evolução de mortes por faixa etária e fatores de risco (os dados vinham mostrando um aumento nas mortes de pessoas jovens e sem tais fatores).

Pesquisadores em busca de dados sobre a pandemia no país passam por maus bocados. Não só porque as informações são escassas, mas também porque as que existem não estão integralmente disponíveis. A base de notificações do Ministério tem acesso restrito a secretarias municipais de saúde e à Fiocruz. “É uma decisão que, para mim, parece estritamente política. Por que não liberar os dados para todos?”, questiona, n’O Globo, o professor de Matemática Aplicada da Universidade Federal do ABC Renato Coutinho, integrante do Observatório Covid-19 BR. A Lei de Acesso à Informação pode garantir o acesso, mas o prazo de 20 dias torna insustentável seu uso para acompanhar as curvas da doença.

O ministro continuapisando com cuidado no terreno do isolamento social. Não critica Bolsonaro, mas ao mesmo tempo diz que não dá para flexibilizar nada com os casos e mortes subindo. A promessa era de que a nova diretriz para reabertura seria anunciada esta semana; segundo a Pasta, o documento já está pronto mas não vai ser  apresentado pois é preciso “cautela”: “Ela tem que ser utilizada de uma forma correta (…). Nesse momento, onde temos os grandes centros urbanos brasileiros ainda em uma fase de ascensão da curva, não é o momento adequado de se colocar isso. Se não vai criar uma expectativa na própria população”, disse Denizar Vianna, antes secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos e agora assessor de Teich. Vamos ver.

Ainda na quinta-feira, Teich afirmou já ter decidido a equipe que comporia o Ministério, mas ainda não apresentou os nomes. De acordo com ele, falta a chancela do governo. Dois militares já entraram: além do novo número dois da Pasta, o general Pazuello, há o coronel Antonio Elcio Franco Filho, nomeado secretário-executivo adjunto.

Em tempo: em sua primeira viagem oficial, o ministro chegou ontem a Manaus, anunciando a contratação temporária de 267 profissionais de saúde para o estado. Deveriam ser mais. Antes, a Pasta havia falado em 581 profissionais, mas ainda não houve explicações sobre a redução.

FILA ÚNICA

Maio vai ser um mês crítico. Já vimos os leitos públicos de UTI se esgotando no Amazonas e no Ceará, e a situação está perto disso em estados como Maranhão e Pernambuco. Pessoas estão morrendo na fila, por não conseguirem ter acesso aos equipamentos necessários para seguirem respirando. E vai piorar. Até o meio do ano, mais de metade dos estados podem ficar sem unidades intensivas no SUS.

Mas ao mesmo tempo ainda há hospitais privados com leitos ociosos. Países como Espanha, Irlanda do Norte, França, Itália e Austrália decidiram que, em uma pandemia, todos os recursos disponíveis devem ser esgotados para que se salve o maior número de vidas possível. Essas nações lançaram mão de uma importante estratégia: a unificação da gestão de leitos públicos e privados. No Brasil, essa proposta está prevista pela Constituição, é demandada pela campanha Leitos Para Todos e na quinta-feira um projeto de lei nesse sentido foi protocolado pelo PSOL. Para entender como funciona o esquema, a editora do Outra Saúde Maíra Mathias conversou com Leonardo Mattos, pesquisador do Instituto de Estudos de Saúde Coletiva da UFRJ e membro do Leitos para Todos. Ouça aqui.

Porém… Se a tendência da covid-19 no Brasil continuar como está, vão faltar até mesmo UTIs privadas. Segundo projeções de uma ferramenta criada por pesquisadores da UFMG e alimentada com os dados oficiais, no fim de junho a maior parte dos estados vai estar com suas unidades intensivas públicas e particulares lotadas.

ATÉ NA PANDEMIA

“Vejo essa situação como uma situação de traição desses governadores”, disse, em vídeo, o presidente do Conselho Federal de Medicina Mauro Ribeiro. A ‘traição’, no caso, é o pedido de governadores do Nordeste para que o governo autorize a atuação de médicos formados no exterior, mesmo sem revalidação de diplomas, durante a pandemia. A solicitação foi encaminhada em abril e, considerando que faltam médicos na maior crise sanitária do século, parece razoável. Não para Ribeiro. De acordo com ele, há 54 mil acadêmicos de medicina e três mil residentes que se voluntariaram para prestar atendimento sob supervisão. “O que esses governadores tinham que fazer, ao invés de ficar fazendo política barata, baseada em argumentos mentirosos, era garantir para os médicos, para os enfermeiros, para os técnicos de enfermagem, para os fisioterapeutas, para o pessoal da limpeza, para todos que nesse momento estão nos hospitais enfrentando essa pandemia, garantir EPIs que deem o mínimo de segurança para que esses profissionais possam atuar”, diz. É claro que uma coisa – garantir EPIs – não deveria excluir a outra – garantir contratações. Para ontem.

SOCORRO

O Senado aprovou no sábado, por 79 votos a 1, um projeto de R$ 120 bilhões para socorrer estados e municípios. Do montante, R$ 60 bilhões vão ser repassados diretamente aos governos, sendo R$ 10 bilhões para o combate ao coronavírus e R$ 50 bilhões para uso livre, para compensar perdas na arrecadação de ICMS e ISS. Os outros R$ 60 bilhões virão pela suspensão de pagamentos de dívidas com bancos públicos e renegociação com bancos privados e organismos internacionais. É uma proposta diferente daquela escrita pela Câmara – que, como vimos, havia desagradado ao governo federal pela falta de ‘contrapartidas’. A contrapartida encampada pelo Senado é o congelamento dos salários de servidores por 18 meses. O novo texto foi escrito pelo presidente da Casa Davi Alcolumbre junto com a equipe econômica do governo.

GIRO NOS ESTADOS

Chegou o lockdown no Maranhão, que já tem 100% de ocupação nas UTIs da região metropolitana. A medida não vem por obra do governador Flavio Dino (PcdoB) – que havia prometido decretá-la quando a a taxa chegasse a 80% –, mas por determinação da Justiça. O confinamento começa amanhã, deve durar dez dias e vale para a capital e mais três municípios.

Em Manaus, não é preciso mais lembrar que a situação é caótica, porque a as imagens das valas comuns e dos hospitais falam por si. Mesmo assim, o governador do Amazonas Wilson Lima (PSC), anunciou na quinta-feira um plano de reabertura escalonada do comércio, começando daqui a dez dias. É que, de acordo com ele, um estudo encomendado pelo governo estima que Manaus já está no pico do contágio (não sabemos com base em quê, já que os números são subnotificados) e que os registros vão começar a cair no dia 11. Pois é.

Aliás… Também na quinta, a assembleia legislativa do estado autorizou o andamento de dois pedidos de impeachment de Lima e de seu vice, Carlos Almeida.

Mesmo sem plano oficialcerca de 50 mil trabalhadores da Zona Franca de Manaus voltaram às atividades nas fábricas na semana passada, e outros 35 mil retornarão ao polo industrial nos próximos 20 dias, segundo o UOL. O isolamento na cidade tem ficado perto de 40% e não seria nada mau cogitar o lockdown, mas o prefeito Arthur Virgilio (PSDB) diz que não pensa nisso. “Daria um quebra-quebra brutal. É uma determinação que ultrapassaria as minhas prerrogativas, mas eu não aconselharia o lockdown“, afirmou à Globo News.

Segundo o Ministérioda Saúde, o próximo local crítico deve ser Santa Catarina. Sim, aquele mesmo estado que decidiu reabrir o comeŕcio e as igrejas no dia 13. Na última semana, o número de casos quase dobrou e a avaliação é a de que o número de mortes vai começar a aumentar.

No Pará, as mortes por covid-19 quadruplicaram na última semana, e a ocupação nos leitos de UTI já superou os 90%.

Em Roraima, o governador Antônio Denarium (PSL) exonerou o secretaŕio de saúde Francisco Monteiro Neto após uma polêmica envolvendo a compra de respiradores da China. Foram pagos R$ 6 milhões de forma antecipada, o que não é permitido. Assumiu um coronel do Exército, Olivan Pereira Melo Júnior.

A mortalidade por covid-19 entre jovens e adultos está aumentando em São Paulo. No início de abril, óbitos nessas faixas etárias eram 14% do total. Agora, são 26%. O número de mortes cresceu 128% em dez dias em todo o estado.

Na capital do Rio93% dos leitos de UTI e 91% dos de enfermaria do SUS estão ocupados. A fila de pacientes aguardando por unidades de terapia intensiva chegou a 369 no sábado. Já se começam a ver cenas de corpos acumulados do lado de fora de necrotérios dos hospitais. Enquanto isso, nos hospitais federais do Rio há leitos vazios sob alegação de falta de pessoal. O Ministério da Saúde foi intimado pela Justiça a trocar a direção de uma dessas unidades, o Hospital Federal de Bonsucesso, por uma acusação de omissão durante a pandemia. Lá, dos 177 leitos para pacientes de covid-19, só 17 estão ocupados.

NADA SERÁ COMO ANTES

Sem vacina, sem remédio e sem saber tudo o que há para se saber sobre o SARS-CoV-2 e a covid-19, não dá para prever nada com exatidão. Mas numa coisa os cientistas que se debruçam sobre o novo coronavírus concordam: não vai haver vida normal tão cedo. Uma análise divulgada por pesquisadores da Universiade de Minnesota, nos EUA, apresenta três cenários para o hemisfério Norte, observando que padrões semelhantes podem ser observados no Sul.

Em um desases futuros possíveis, há esta primeira onda monstruosa que estamos vivendo, seguida por mini-ondas de surtos menores a cada poucos meses. Entre uma e outra onda, espaços com poucos (mas não zero) casos. No segundo cenário, a onda atual termina e é seguida por outra pior e mais duradoura depois que as medidas de isolamento são mais relaxadas do que deveriam. Em seguida, as coisas se acalmam, e são perturbadas apenas por uma onda ocasional bem menor (foi o que aconteceu com a gripe espanhola). No terceiro cenário há surtos de covid-19 praticamente iguais em tamanho e intensidade até o fim de 2022, caso uma vacina tenha sido descoberta. Caso contrário, isso segue acontecendo até que mais da metade da população tenha sido infectada.

Os pesquisadores reconhecem que não dá para prever qual dos futuros hipotéticos tem mais chance de se concretizar, porque ainda há muitas perguntas sem resposta. Não se sabe como temperatura e umidade interferem na transmissão, quantas pessoas foram infectadas no mundo todo, quanto tempo dura a imunidade que elas adquirem etc. Nem o impacto das estratégias de isolamento foi medido: sabemos que elas impedem a transmissão no geral, mas não o quanto cada medida individualmente funciona. De todo modo, nos três casos, a ameaça só acaba quando se chega na imunidade de rebanho, se não houver uma vacina. Como o mundo está longe desse nível de imunidade, o vírus vai continuar encontrando potenciais vítimas por muito, muito tempo.

E se não houver vacina tão cedo? Ninguém gosta de pensar nessa possibilidade, mas ela existe, e não é pequena. A matéria da CNN lembra dos vírus HIV e dengue, que há décadas quebram a cabeça dos pesquisadores. Um plano B – como o tratamento com antivirias que transformou portadores de HIV em doentes crônicos – já está no radar para a covid-19, e vários remédios estão sendo testados nesse sentido.  Mas tratamentos não impedem que ocorram infecções, ou seja, a pandemia poderia diminuir, mas a doença ficaria conosco por anos, como apontam os três cenários acima. Nesse caso, especialistas indicam que os governos precisam implementar novas maneiras de viver e interagir para que o mundo ganhe tempo enquanto as pesquisas com vacinas continuam.

Medidas muito restritasde isolamento não são sustentáveis por longos períodos. Mas, depois que a primeira onda acabar, o novo normal deve envolver trabalho remoto sempre que possível, escritórios com horários alternativos, pessoas que se autoisolam ao menor espirro e programas massivos de testes para identificar novos surtos, com monitoramento extensivo e vigilância nos locais de trabalho. Como você já deve imaginar, as medidas são muito mais difíceis em regiões pobres. Quando ficar confirmado que a transmissão é mínima, eventos esportivos e aglomerações em geral poderiam voltar, mas sempre com avaliação contínua. 

Por tudo isso, é claro que o melhor futuro é aquele em que se desenvolve uma vacina segura e eficaz o quanto antes. “O sarampo é o ‘exemplo perfeito’. Antes da disseminação das vacinas, todos os anos de 2 a 3 milhões de pessoas pegavam sarampo, e isso também seria verdade para o coronavírus”, diz à reportagem Paul Offit, co-inventor da vacina contra o rotavírus.

Mesmo assim, os desafios seriam imensos. Afinal, não basta descobrir e fabricar a vacina, tem que universalizar sua aplicação. Tratando só do caso dos EUA, a matéria do New York Times dá uma ideia da dificuldade: “Estamos pensando na vacina, mas e se os frascos em que ela estiver armazenada ou os êmbolos nas seringas se tornarem a restrição?” indaga Prashant Yadav, que estuda cadeias de suprimentos de saúde no Center for Global Development em Washington. Os fabricantes de dispositivos médicos precisam aumentar seus estoques ou encontrar cadeias de suprimentos alternativas, mas tudo precisa de planejamento. E, segundo a matéria, para conseguir produzir mais 300 milhões de seringas (tamanho da população dos EUA) um fabricante pode levar até 18 meses. Mais uma vez: não seria arriscado apostar que os países mais ricos terão condições de se proteger mais rápido.

NÃO SÃO VÍRUS ATIVOS

Tem causado grande preocupação a notícia de que pacientes que tiveram alta voltaram a testar positivo para coronavírus na Coreia do Sul. Ontem, a líder técnica da Organização Mundial da Saúde, Maria van Kerkhove, disse à BBC que não se trata de vírus ativos: os testes estão reagindo com células mortas que emergem da cicatrização dos pulmões. “Não é reinfecção, nem reativação“, garantiu. É uma ótima notícia.

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