Cai a máscara de Mandetta

Antes visto como “técnico” pela velha mídia, ministro da Saúde defende o adiamento das eleições municipais para evitar “politização”, lembrando: “sou político”. Leia também: Bolsonaro entra em colisão direta com governadores

Isac Nóbrega / PR
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Por Maíra Mathias e Raquel Torres

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NADA TÉCNICO

Luiz Henrique Mandetta tem sido visto como um ministro “técnico” por boa parte da imprensa. O jornalista Breno Costa, que examina o Diário Oficial da União na tentativa de cobrir o governo Jair Bolsonaro a partir do que a administração faz para evitar as armadilhas impostas pelo o que o governo diz, notou que assim que conseguiu dispensa para licitações, o titular do Ministério da Saúde se envolveu numa encalacrada: a empresa que ganhou foi a maior doadora de campanhas suas à Câmara dos Deputados. Pois ontem, Mandetta mostrou que é mesmo político: defendeu o adiamento das eleições municipais de 2020. E o motivo dado não foi nada técnico. Segundo o ministro, é preciso “evitar a politização”… do pleito político. A preocupação, obviamente, é o vaticínio das urnas à resposta dos governos no combate à epidemia brasileira de covid-19. 

“Todo mundo vai querer fazer ação política. Eu sou político, eu sou político, não esqueçam disso”, sugeriu o próprio ministro. Detalhe: Mandetta resolver apresentar a proposta não de forma organizada em uma coletiva de imprensa, como as que têm acontecido quase diariamente na sede do Ministério da Saúde para apresentação de protocolos, atualização de números, etc. Mas de forma intempestiva em uma videoconferência transmitida via Facebook pela Frente Nacional de Prefeitos (FNP), em resposta a um pedido de descentralização de recursos, como se a ideia tivesse acabado de lhe ocorrer. “Está na hora de o Congresso olhar e falar assim ó: ‘Adia, faz um mandato tampão desses vereadores e prefeitos'”, afirmou. A seu lado, estava Jair Bolsonaro – que tem razões de sobra para se preocupar com as eleições que se aproximam.

Não demorou muito para que alguém, no caso o presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ), apontasse uma contradição essencial na proposta de Mandetta, caso esta fosse técnica. “O problema da eleição tem de ser tratado em agosto, não agora. Se a curva do ministro [em relação à epidemia] estiver certa, quando a gente chegar em agosto nós vamos ter condições de organizar esse assunto“, afirmou. A curva a que Maia se refere é a epidemiológica. Mandetta tem dito que o pico de casos no Brasil acontecerá entre abril e junho, com estabilização a partir de julho. A propaganda na TV e rádio, por exemplo, só começa em 16 de agosto. E o pleito que elegerá prefeitos e vereadores está marcado para o primeiro domingo de outubro, data definida pela Constituição que, portanto, só pode ser mudada via PEC pelo Congresso Nacional.

A questão é que, aparentemente, o germe dessa ideia vem de lá. E Mandetta, político que é, pegou carona – certamente não sem o aval de Bolsonaro. Notáveis do centrão como Paulinho da Força (Solidariedade) e Welligton Roberto (PL) dizem temer que eventos e corpo a corpo não possam ser realizados nesta campanha. O líder do Podemos na Câmara, Léo Moraes, chegou a aventar que as eleições municipais fossem unificadas com as gerais num distante 2022. E um questionamento foi enviado pelo deputado Glaustin Fokus (PSC) ao Tribunal Superior Eleitoral sobre a possibilidade de adiar a data-limite para filiação a um partido político por conta do novo coronavírus. Ao que parece, os políticos querem esperar o desenrolar da crise para abandonar os barcos certos. 

O ministro Luís Roberto Barroso, que assume o TSE a partir de maio, garantiu que, até o momento, não há razão para se cogitar o adiamento do pleito. A cúpula do Congresso também é contra: segundo a colunista Monica Bergamo, a ideia é considerada uma “temeridade”, pois abre precedente do qual os parlamentares “podem se arrepender no futuro”.

ESTADO DE SÍTIO

Colocar um assunto sério em pauta a partir da sua negação. Essa foi a tática adotada por Jair Bolsonaro para colocar no horizonte de possibilidades a decretação de um estado de sítio no Brasil, quando são suspensas as garantias constitucionais de sigilo de comunicações, liberdade de imprensa e de reunião. Na sexta (20), ele afirmou para jornalistas que ainda não está “no radar”. E continuou, numa linha de raciocínio ameaçadora: “Até porque isso, para decretar, é relativamente fácil de fazer uma medida legislativa para o Congresso Nacional”. Mas, na sequência, ele negou e negou a necessidade da extremíssima medida. 

Folha lembra que o estado de sítio teria um efeito orçamentário, ao dispensar o governo federal de obedecer ao limite do déficit nas contas públicas em 2020, passando por cima de mecanismo da Lei de Responsabilidade Fiscal. É de se espantar se naturalize que o preço a pagar pela obediência às regras fiscais possa ser a liberdade da sociedade brasileira.

Em tempo: a OAB considera o estado de sitia nas atuais circunstâncias inconstitucional. A Ordem afirmou, em nota, que o pânico e o temor que a população sente em relação ao coronavírus não podem “ser explorados para autorizar medidas repressivas e abusivas que fragilizem direitos e garantias constitucionais”.

DISPUTA COM GOVERNADORES

E Bolsonaro entrou de vez em rota de colisão com governadores. Na sexta, o presidente assinou uma medida provisória que centraliza no governo federal a decisão final sobre o fechamento de estradas e aeroportos. Assim, caberia à Anvisa respaldar medidas que estão sendo tomadas nos estados. É o caso do Rio de Janeiro, onde o governador Wilson Witzel (PSC) solicitou na quinta (19) que agências que regulam o transporte terrestre e a aviação suspendessem a chegada de voos e veículos vindos de estados onde havia confirmação de casos da covid-19. 

No fim de semana, a crise se agravou. No sábado, Bolsonaro chamou o governador de São Paulo João Doria de “lunático”. “Esses governadores, poucos, que me criticam o tempo todo, dizem que não tenho liderança. Digo a esses governadores: as eleições de 2022 estão muito longe ainda para vocês partirem para esse tipo de ataque, para esse tipo de comportamento de desgaste infundado em cima do chefe do Executivo federal”, afirmou para a CNN Brasil. Ontem o presidente voltou à carga: “Brevemente, o povo saberá que foi enganado por esses governadores e por grande parte da mídia nessa questão do coronavírus”. Entrevistado pela TV Record, emissora aliada ao governo, ele continuou: “Espero que não venham me culpar lá na frente pela quantidade de milhões e milhões de desempregados na minha pessoa”.

Bolsonaro voltou a usar a palavra “fantasia” para descrever o cenário brasileiro. “Estamos fazendo contato direto com os prefeitos, porque é lá que o povo vive e não na fantasia de alguns governadores. Já temos um problema. Os governadores são verdadeiros exterminadores de emprego. Essa é uma crise muito pior do que o próprio coronavírus vem causando no Brasil”, disse, respondendo a dúvida sobre o que o governo federal vem fazendo para evitar desabastecimento de alimentos nas cidades.

Hoje, o Consórcio de Integração Sul e Sudeste, que reúne governadores, se reúne. Deve sair uma resposta às declarações de Bolsonaro

IMITANDO TRUMP

O presidente brasileiro demonstrou, novamente, a influência que Donald Trump exerce sobre ele. Na quinta, como destacamos aqui, o presidente dos Estados Unidos declarou de maneira espalhafatosa que o tratamento com hidroxicloroquina, medicamento usado para doenças como malária e lúpus, havia sido aprovado pela agência reguladora de lá (FDA) e era uma droga “muito poderosa” contra o coronavírus. A FDA desmentiu Trump, negando que tivesse aprovado o uso do remédio contra a covid-19.

No sábado, Jair Bolsonaro resolveu imitar Trump. Em vídeo publicado nas redes sociais afirmou que pesquisadores do Hospital Albert Einstein iniciaram testes com cloroquina para tratamento da covid-19. E anunciou: “Agora há pouco, me reuni com o senhor ministro da Defesa, onde decidimos que o laboratório químico e farmacêutico do Exército deve, imediatamente, ampliar a sua produção desse medicamento”. Segundo ele, a Anvisa vai proibir a exportação do medicamento. Nas redes sociais, um post da agência reguladora indicava na sexta (20) que o medicamento ainda não tinha eficácia comprovada, desestimulando a população a comprar o remédio, sob risco de afetar quem realmente precisa dele para sobreviver. Mas de forma absolutamente irresponsável, Bolsonaro termina o vídeo vinculando o fim da epidemia brasileira ao medicamento cuja eficácia ainda não comprovada: “Tenhamos fé que brevemente ficaremos livres desse vírus.”

Detalhe: autoridades nigerianas divulgaram na sexta que a hidroxicloroquina havia causado intoxicação em pelo menos duas pessoas que usaram a droga por conta própria. O governo afirma que desde a declaração de Trump houve uma corrida às farmácias em busca do medicamento. “Nos últimos dias, temos visto muitas mensagens nas redes sociais sobre a cloroquina ser a cura para o coronavírus”, destacou uma autoridade local. 

OS MAIS RICOS REPROVAM

Depois de evidências como panelas batendo em bairros de classe média alta, chegam alguns números que demonstram que Jair Bolsonaro está perdendo apoio graças à forma como tem lidado com a epidemia. O Datafolha ouviu 1.558 pessoas entre os dias 18 e 20 de março. A pesquisa revelou que embora ainda mantenha 35% de aprovação sobre sua conduta na crise sanitária, o presidente perdeu apoio entre os mais ricos e escolarizados, importantíssimo nicho do seu eleitorado. Para quem tem nível superior, a reprovação chega a 52%. Entre os mais ricos, fica em 51% – quando a média geral é de 33%.   
O instituto de pesquisa perguntou se Bolsonaro agiu mal ao apertar a mão de manifestantes nos atos do dia 15. Este é o caso para 88% dos mais ricos. O número cai para 68% quando contabilizados todos os entrevistados. Também questionou se as pessoas concordavam com a frase do presidente de haver histeria em relação ao coronavírus. E 68% dos que têm ensino superior discordam de Bolsonaro, número que também superou a média de 54%. 

Bolsonaro vai bem pior do que governadores na avaliação da população sobre a resposta a covid-19. Como dissemos, ele tem 35% de aprovação, mas os chefes estaduais receberam 54%. E o Ministério da Saúde, 55%. A pesquisa indica que a população apoia respostas mais duras na contenção da propagação do vírus: 92% concordam com a suspensão de aulas, 94% aprovam a proibição de viagens internacionais e 91% são favoráveis à interrupção nos campeonatos de futebol do país. E 73% aprovam quarentena.

Para parlamentares e integrantes da cúpula do Judiciário ouvidos pela colunista Camila Mattoso, da Folha, a crise do coronavírus já é considerada um “divisor de águas” para Bolsonaro, que perdeu poder e governança. “Além da sua condução até agora ter sido vexatória, a percepção é de que os principais pilares de sustentação de Bolsonaro, a polarização com o PT e a melhora da economia, desmoronaram. O alerta de desembarque já soou entre aliados de ocasião”, escreveu.

ATÉ A XP DISCORDA

Ontem, o governo publicou a medida provisória que altera as regras trabalhista enquanto durar o estado de calamidade pública provocado pela covid-19. E, diferente do que havia sido anunciado pelo ministro da Economia Paulo Guedes, não há previsão de reduzir jornada e salário em 50%. Por outro lado, a MP autoriza a suspensão do contrato de trabalho por até quatro meses. Durante esse período, o patrão não paga salário. Pois é… Resta ao empregado a manutenção de benefícios, como plano de saúde, e a obrigação de assistir a curso de qualificação online que – o que, francamente, não faz o menor sentido num momento como este (inclusive pedagógico, pois feito à toque de caixa).

Enquanto isso, nos EUA, o Congresso pode votar hoje um pacote de socorro à população e aos negócios de US$ 1,8 trilhão. Sim, trilhão. A maior parte dos adultos norte-americanos receberão do governo o valor de US$ 1,2 mil e cada criança o valor de US$ 500. Um total de US$ 350 bilhões poderão ser direcionados em ajuda direta a pequenos negócios. Contudo, não há ainda o número suficiente de votos no Senado, e a última contagem dava empate de 47 contra e 47 a favor. O Partido Democrata refuta e já está sendo acusado de jogar com a vida da população e a economia do país.

Por aqui – e de olho no desenrolar dos acontecimentos nos EUA –, o empresariado ultraliberal já pede uma saída desenvolvimentista para a crise. O presidente da XP Investimentos defendeu em conversa transmitida ao vivo com empresários a criação de um plano Marshall. “O que temos até agora de estímulos é uma gota no oceano. Tem de ser um plano de verdade, os números são assustadores, o buraco é muito mais embaixo”, disse Guilherme Benchimol que, baseado nas projeções do governo norte-americano sobre o risco do desemprego lá saltar de 3% para 30%, adaptou a projeção para o Brasil, dizendo que se hoje há mais de dez milhões de desempregados, a crise pode deixar o país com um saldo de 40 milhões sem emprego. “O risco é aumento de pessoas passando fome e no número de assassinatos nos próximos meses”, apelou. André Street, fundador da construtora MRV resumiu: “Sou liberal, mas é preciso medidas de apoio à economia”. 

MANDETTADAS

Temos visto por aqui o quanto medidas de isolamento são fundamentais para achatar a curva de transmissão do coronavírus, e o quanto isso é importante – até mandatório – para permitir que os sistemas de saúde não entrem em colapso. Pois ontem o ministro Luiz Henrique Mandetta disse, em coletiva, que a quarentena pode ter que ser interrompida “um pouco” no Brasil.

Ele argumenta que “ninguém aguenta permanecer parado full time“: “Para duas (semanas), libera um pouco para as pessoas, deixa as pessoas se reorganizarem. Vamos ter que ir assim”. Curiosamente, a declaração vem junto com o acirramento da situação entre Bolsonaro e os governos estaduais, que comentamos acima.

Até o momento, há um bilhão de pessoas confinadas no mundo. É verdade que manter o isolamento das pessoas até que seja descoberta uma vacina (algo que pode levar anos) é uma perspectiva desoladora. Alguns pesquisadores começam até a defender a ideia de uma quarentena ‘light‘. Seria um “ataque cirúrgico“, como defende David Katz, diretor do Centro de Prevenção e Pesquisa da Universidade de Yale. Referindo-se ao preocupante caso dos EUA, ele afirma que o país já perdeu o timing de responder como a China e a Coreia do Sul, que atuaram com força desde que foram identificados os primeiros casos. “Estamos seguindo o rastro da Itália”, resume. E diz que as consequências disso – para a saúde mental, para a economia e para a própria saúde pública – podem ser muito graves.

Para ele, se os esforços fossem direcionados para proteger preferencialmente os idosos, que têm mais risco de morrer, “haveria recursos para mantê-los em casa, fornecer-lhes os serviços e testes de coronavírus necessários e direcionar nosso sistema médico para os cuidados precoces. (…) Isso não pode ser feito de acordo com as políticas atuais, pois espalhamos nossos relativamente poucos kits de teste por toda a população, que se torna ainda mais ansiosa porque a sociedade fechou”. Com a tal abordagem cirúrgica “a grande maioria das pessoas desenvolveria infecções leves por coronavírus, enquanto os recursos médicos poderiam se concentrar naqueles que estavam gravemente doentes. Uma vez que a população em geral fosse exposta e, se infectada, se recuperasse e ganhasse imunidade natural, o risco para os mais vulneráveis ​​cairia dramaticamente”. A ideia seria usar uma estratégia de isolamento de toda a população apenas por duas semanas.

Um cenário esperançoso, mas… Parece um pouco com o que o Reino Unido pretendia fazer, antes de as projeções se tornarem alarmantes e de a população se opor radicalmente. Um problema é que, embora jovens morram menos, isso não significa que não precisem de hospitalização. Nos EUA, 38% das pessoas que precisaram têm menos de 55 anos.

E sequer parece ser dessa estratégia que Mandetta está falando. Primeiro, porque não temos a população inteira isolada por duas semanas. Nem perto disso. Na maior parte do país, basta uma rápida olhada pela janela para constatar a vida seguindo normalmente – e não é o próprio ministro quem critica as ações das prefeituras que colocam medidas mais rígidas de isolamento? Em segundo lugar, é um desafio logístico hercúleo descobrir idosos para isolá-los em meio a cidades que funcionam normalmente. Em terceiro… Teríamos testes suficientes para isso?

A CURVA BRASILEIRA

Estamos com 1.546 casos confirmados e 25 mortes. O vírus já está em todos os estados e, na sexta, uma portaria declarou que o país inteiro está oficialmente com transmissão comunitária, quando há casos impossíveis de identificar a origem. O que os números oficiais não mostram? O único jeito de saber exatamente a quantidade verdadeira de infectados seria testar a população inteira. Uma conta baseada na pesquisa da Science, sobre a qual já comentamos aqui, estima que o número de casos pode ser entre 5 e 30 vezes maior que a contagem oficial. Ou seja, pode ser que já tenhamos 27 mil contaminados.

A reportagem do UOL afirma que nesses casos a tomada de decisões passa a ser feita com base no cenário de transmissão comunitária, e não exatamente no número de casos. E explica como funciona a estimativa por amostragem e hospitais sentinela – que, segundo o Ministério, está sendo feita. O infectologista do Hospital Emílio Ribas, Natanael Adiwardana, diz que a restrição de testes a um determinado grupo é uma estratégia de vigilância epidemiológica usada quando não se sabe mais a origem das contaminações. Aí os casos graves são os únicos contabilizados, e são criados hospitais sentinelas onde são feitos testes em pacientes considerados não graves; a partir do resultado daquele grupo, é determinado, por dados estatísticos, qual é a média de contaminação da população.

Em tempo: ontem a OMS publicou um guia com orientações para testagem em cenários de contaminação diferentes. Para locais com transmissão comunitária, diz que é necessário de fato priorizar casos graves e profissionais de saúde quando há recursos limitados. Em áreas sem circulação, o objetivo continua sendo testar todos os casos suspeitos.

Mas fica a pergunta: qual é a estimativa da média de contaminação da população calculada até agora pelo Ministério?

Em São Paulo, as autoridades preveem que, até o fim da epidemia, 20% da população seja infectada. São 9 milhões de pessoas. E, segundo o El País, internamente o estado trabalha com projeções ainda piores, com até 60% das pessoas contaminadas. Os estádios do Pacaembu e do Anhembi vão receber estrutura para atender doentes. Serão 200 e 1,8 mil leitos, respectivamente. No Rio, o governador Wilzon Witzel disse na sexta que o sistema de saúde vai entrar em colapso daqui a duas semanas.

ENFIM, CHEGANDO

No sábado, secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Wanderson de Oliveira, anunciou que a Pasta está comprando um volume “significativo” de testes e que até a semana que vem serão distribuídos cinco milhões aos estados. “Nas próximas semanas” – quando o número de casos pode ter explodido –, o número chegará a 10 milhões, segundo ele. O secretário afirmou ainda que o Brasil não sabe quantos testes já foram realizados…

Os kits comprados são os de testes rápidos, cujo resultado sai em alguns minutos. De início, vão ser priorizados os profissionais de saúde, especialmente os que estão afastados em função de sintomas. E vai haver também o esquema de teste drive-thru, implementado na Coreia do Sul e mais tarde em outros países, como os EUA. A ideia da Pasta é fazer entre 30 mil e 50 mil testes por dia.

Quem vai fornecer esses kits é uma empresa chinesa. E, na coletiva de ontem, o ministro deu uma piorada na tensão diplomática entre Brasil e China provocada por Eduardo Bolsonaro na semana passada. Antes, Mandetta havia se referido ao país de modo cordial, agradecendo pela cooperação. Agora, em sua apresentação “menos técnica” desde o início da crise, ele mudou o tom, sugerindo que a China não tenha contado a história do coronavírus com transparência. “Parece que o que nos mostraram é bem diferente do que nós estamos vendo acontecer aí nos estados norte-americanos e nós estamos observando isso no mundo ocidental. Ou temos um organismo que se comporta bem diferente, ou é um vírus bem diferente ou é uma história que será narrada pela ciência ocidental”, lançou o ministro, com certa ironia, e afirmando que só agora, “no mundo livre”, as informações circulam aos “borbotões”.

Se no início da epidemia na China a falta de transparência foi mesmo apontada como um problema por cidadãos de lá e por analistas de fora, o fato é que essa mudança no “comportamento” do vírus se deve claramente a uma diferença de como os países estão lidando com ele. A China parou tudo muito antes que o coronavírus se espalhasse pra valer, ao mesmo tempo em que testava e isolava os casos confirmados e suspeitos – e ainda assim, com uma resposta rápida e drástica, não pôde evitar 80 mil contaminações.

Quanto aos respiradores, essenciais para tratar os casos graves, a situação continua nebulosa. Mandetta disse que há duas fabricantes brasileiras, e que os equipamentos passarão a ser produzidos por outras empresas e por universidades. Mas em que termos e em que quantidades, não foi dito.

O ISOLAMENTO IMPOSSÍVEL

A prefeitura do Rio de Janeiro confirmou o primeiro caso de covid-19 na Cidade de Deus, dando início à temida disseminação do vírus em favelas – e há casos suspeitos em várias outras. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, órgão do MPF, pediu que o Ministério da Saúde informe até amanhã as medidas adotadas para fazer essa prevenção e para atender à população de favelas e periferias.

Os moradores não vão esperar sentados. Segundo O Globocomunidades adotam medidas preventivas por conta própria. Em algumas, foram criados gabinetes de crise para alertar moradores e estão sendo boladas diferentes estratégias, como instalação de faixas, orientações via carros de som e veiculação de vídeos sobre a importância de lavar as mãos e de evitar sair de casa. Mas a saída está longe de ser individual. Em muitas casas, falta água. Em algumas regiões, unidades de saúde não têm médicos.

Tem ainda a realidade de famílias inteiras que vivem em um único cômodo. E situações surreais, como a relatada na Folha. Uma moradora do Beco do Índio (Rio) tem sintomas, recebeu máscara no posto de saúde e orientação para isolamento. Além da dificuldade de ficar de fato isolada na comunidade, tem mais uma: a empresa de call center onde ela é atendente exige que ela pegue dois ônibus para levar o atestado pessoalmente ao escritório – onde, por sinal, 150 funcionários seguem trabalhando em uma sala fechada. Imaginem quantos casos assim não estão acontecendo. Pelo Censo 2010, 20% dos cariocas vivem em favelas. O problema foi tratado até pelo Washington Post.

NO JUDICIÁRIO

Ontem, o ministro do STF Alexandre de Moraes determinou a transferência de R$ 1,6 bilhão do dinheiro recuperado pela Lava Jato para o SUS por conta do coronavírus. Era um recurso previsto para a educação, mas Abraham Weintraub não tinha dado destinação a ele, porque a pasta não tinha nenhum projeto…

Moraes também determinou a suspensão por seis meses das dívidas do estado de São Paulo com a União, e todo o dinheiro precisa ir para o combate à covid-19.

Ea ministra Rosa Weber solicitou que a AGU apresente em 30 dias dados sobre o impacto do teto de gastos nesse enfrentamento ao vírus. Foi depois que o PSOL solicitou celeridade na avaliação da sua ADI que contesta a Emenda 95, pedindo que sejam remanejados os recursos perdidos para ações contra a doença.

A ESTRANHA VACINAÇÃO SEM FILAS

Começa hoje a vacinação contra gripe e, na primeira fase, que dura até o dia 16, serão contemplados idosos e profissionais de saúde. Mas não era para os idosos ficarem em casa, se resguardando da possibilidade de contaminação pelo coronavírus? Se a imunização de idosos pudesse ser feita em domicílio em 100% dos casos seria bom, mas mandá-los em massa às unidades de saúde parece uma péssima ideia. “Não formem fila indiana. Deem um espaçamento”, pede Mandetta. Bem seguro… 

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