Terapias genéticas e celulares: Brasil já tem regras
Anvisa aprova normas para o tratamentos que envolvem modificação no DNA ou manipulação de células. País pode tornar-se referência na América Latina. Leia também: Jogos Olímpicos em tempos de coronavírus
Publicado 19/02/2020 às 08:56 - Atualizado 19/02/2020 às 11:48

Por Maíra Mathias e Raquel Torres
MAIS:
Esta é a edição do dia 19 de fevereiro da  nossa newsletter diária: um resumo interpretado das principais notícias  sobre saúde do dia. Para recebê-la toda manhã em seu e-mail, é só clicar aqui. Não custa nada. 
ANTES DE TUDO…
 Um anúncio: hoje o Outra Saúde completa dois anos, mas  parece que já passou muito mais tempo. Com as mais de 500 edições da  newsletter enviadas, e ainda com as dezenas de reportagens e entrevistas  publicadas, temos acompanhado e discutido uma infinidade de pautas  relacionadas ao direito à saúde no Brasil e no mundo.
Quando começamos, a saúde no Brasil vivia um mau  momento: era o último ano do governo Temer; a emenda do Teto dos Gastos  já estava em vigor; a precarização do trabalho — que, desnecessário dizer, afeta a saúde física e mental das pessoas —  avançara a passos largos; e a maior proposta do governo na área da  saúde era que todos tivessem acesso a planos populares. Após as  conturbadas eleições presidenciais, sabíamos que o ruim haveria de  piorar. Ao longo do ano passado, debatemos eventos como a derrocada do  Mais Médicos, a reforma da Previdência e cortes de verbas em áreas  essenciais como educação e meio ambiente, tudo isso coroado e agravado  por um conservadorismo que afeta desde as políticas sobre drogas até a  prevenção de infecções sexualmente transmissíveis.
No mais, temos acompanhado duas emergências globais de  saúde pública surgidas nesse período; tratamos de problemas enfrentados  por outros países em seus sistemas de saúde; falamos de doenças  negligenciadas e crônicas, de pesquisas sobre novos tratamentos e  remédios; de conflitos de interesse na atividade da indústria  farmacêutica e até das movimentações das gigantes do ramo da tecnologia  nesse mercado. Temos ampliado o tempo todo a gama de veículos que fazem  parte do nosso radar para que possamos, cada vez mais, diversificar os  temas abordados e trazer para cá a realidade de outros países.
Obrigada a vocês que estão conosco nessa jornada lendo o  que a gente escreve, corrigindo quando a gente erra, levando nossas  discussões para seus ambientes de trabalho e pesquisa.
E também queremos, finalmente, entender melhor quem são  vocês: seus interesses, sua relação com a saúde, o que apreciam no  nosso trabalho e o que acham que poderia melhorar. Assim, podemos  planejar nossos passos para este próximo ano com base no que vocês acham  bacana e no que esperam ver mais. Pedimos então que vocês gastem uns minutinhos preenchendo este formulário. Vai ser mais rápido do que ler a news 🙂
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NOVAS REGRAS
 O Brasil tem, desde ontem, um marco regulatório para terapias genéticas e  celulares – aquelas que envolvem técnicas de modificação do DNA ou  manipulação de células. As regras foram aprovadas pela Anvisa, que  comemorou dizendo que o país deve se tornar referência na América Latina  por ter, agora, bases definidas para o desenvolvimento e registro  desses produtos de alta tecnologia. O texto seguiu modelos de  regulamentação já aprovados na Europa e nos EUA e passou por uma  consulta pública, aberta no ano passado. Experimentalmente, essas  terapias já vinham sendo feitas. É o caso daquela, desenvolvida pela  USP, que salvou um paciente terminal de câncer, e que comentamos no ano  passado. Mas, agora, elas poderão ser comercializadas após análise da  agência reguladora. A Anvisa ponderou, contudo, que muitas dessas  terapias ainda estão em fase de experimentação. 
De acordo com apuração da Folha, a agência monitora atualmente oito estudos clínicos  com terapias gênicas e celulares avançadas. Outros três estão em fase  inicial de análise para autorização da agência. Além disso, dois  produtos já tiveram pedidos de registro protocolados, mas faltava a  aprovação das regras para que a análise pudesse ocorrer. Um deles é  indicado para tratamento de distrofia de retina hereditária, e outro é  para distrofia muscular espinhal. Para receber o aval, empresas devem  apresentar dossiês com dados de segurança, qualidade e eficácia, assim  como ocorre para medicamentos em geral.
DESCOMPASSO
 Falamos ontem aqui das dúvidas que cercam as emendas parlamentares pelo  viés da fiscalização. Pois indo para a ponta da destinação, parece que  as coisas estão longe de pacificadas entre Planalto e Congresso. Ontem, o  ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto  Heleno, foi flagrado pelas câmeras no meio de uma conversa acalorada com  os titulares da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, e da  Economia, Paulo Guedes. Disse a eles no meio da solenidade de posse do  general Braga Netto na Casa Civil: “Nós não podemos aceitar esses caras chantagearem a gente o tempo todo. Foda-se.”  Os “caras”, no caso, são os deputados federais e senadores. E o objeto  da chantagem seria o controle da execução das emendas parlamentares no  Orçamento.  
De acordo com O Globo, há um racha no Planalto  em relação ao acordo que havia sido feito entre o governo e os  presidentes da Câmara e Senado. Heleno, que é o principal conselheiro de  Bolsonaro, e Guedes não concordam com os termos negociados por Luiz  Eduardo Ramos, que dava aos parlamentares o direito de indicar a ordem  da execução das emendas, em troca de uma manobra que descarimbasse R$  10,5 bilhões em emendas como verbas disponíveis aos ministérios. A  discussão iniciada por Heleno continuou em uma reunião ministerial no  Alvorada, sem conclusões públicas ainda.
ALIÁS
 O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse  ontem que o projeto enviado pelo governo para liberar a exploração em  terras indígenas “não terá por parte da Câmara a urgência que alguns gostariam“.  A proposta foi enviada por Bolsonaro no início do mês e o governo  tem buscado apoio para tornar possível sua votação. “Vamos aguardar,  deixar do lado da Mesa, para que no momento adequado a gente trate esse  debate com todo cuidado do mundo. Podemos abrir o debate, sem o projeto,  para ver como e por que regulamentar a exploração de mineração em terra  indígena. O constituinte tratou dessa possibilidade de mineração em  terra indígena. Podemos debater, mas tratar desse tema sema um cuidado  muito grande é muito difícil, porque sabemos que o tema do meio ambiente  na Amazônia, para o Brasil, é decisivo”, sinalizou Maia.
O EX-MISSIONÁRIO NA FUNAI
 O pastor Ricardo Lopes Dias, indicado para “proteger” povos isolados na  Funai, já foi missionário evangélico no Vale do Japari (no Amazonas) por  uma década, “convertendo comunidades e dividindo aldeias”, segundo a Repórter Brasil.  O matsés, que vivem no Javari, fizeram uma carta de repúdio à sua  nomeação. “Não queremos novos abusos”, escrevem. A organização onde  Lopes Dias trabalhava – a Novas Tribos, que mudou o nome para Ethnos360  -, foi acusada de trabalho escravo, exploração sexual, tráfico de crianças indígenas e de levar doenças a aldeias.  “No final da década de 1980, missionários da organização chegaram ao  povo zo’é no Pará. O contato foi tão catastrófico que eles foram  expulsos pela Funai do território. Uma equipe do órgão enviada à região  constatou que ao menos 37 indígenas (um quarto da população) foram  mortos por doenças respiratórias após contato com os evangélicos”, conta  a reportagem.
OLIMPÍADAS E RÚSSIA
 Está ligado o alerta no Japão, onde está prevista a realização dos Jogos  Olímpicos daqui a cinco meses. A Organização Mundial da Saúde não  recomenda alterá-lo por conta do surto do novo coronavírus e o Comitê  Olímpico Internacional mantém a previsão, mas a matéria da Piauíconta como o evento já está minado,  mesmo que não esteja desmarcado. Governos africanos já acenam com  restrições à participação de seus atletas. Hotéis que até o mês passado  tinham poucas vagas e diárias infladas já têm vagas sobrando, e por  preços abaixo da tabela. Na população local, há uma evidente preocupação  em não enfrentar aglomerações: os antes superlotados vagões de metrô  agora circulam vazios, e grandes empresas estão se baseando em trabalho  remoto.
Mas há outro país que está tomando decisões bastante radicais relacionadas ao surto de Covid-19. Ontem, a Rússia anunciou simplesmente a proibição da entrada de cidadãos chineses no país.  Antes, já havia fechado a fronteira com a China. O Executivo russo  justificou a decisão “devido à deterioração da situação epidemiológica  na China e à chegada contínua de cidadãos” daquele país à Rússia. O  governo não especificou quanto tempo durará a suspensão, assinada pelo  primeiro-ministro Mikhail Mishustin. O veto entra em vigor amanhã, e não  afetará os viajantes em trânsito.
Enquanto isso, as mortes na China ultrapassaram a casa das duas mil. A Comissão Nacional de Saúde informou que o número chegou a 2.004,  em meio a 74.185 infectados. Do total de pacientes, 11.977 tem estado  de saúde considerado grave enquanto outros 14.376 se curaram da doença. E  um estudo publicado no Chinese Journal of Epidemiology analisou  72.314 casos confirmados, suspeitos, diagnosticados clinicamente e  assintomáticos do novo coronavírus naquele país até 11 de fevereiro. A taxa de mortalidade encontrada foi de 2,3%. Ainda segundo os pesquisadores, 80% dos infectados apresenta sintomas leves.
Ontem, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom  Ghebreyesus, concedeu mais uma coletiva de imprensa. Informou que a  Organização já contabiliza 92 casos de transmissão entre humanos registrados fora da China em 12 países. São, no total, 804 infecções confirmadas em 25 países. A Opas anunciou um total de 23 casos confirmados nas Américas, todos eles nos EUA (15) e no Canadá (8).
Por aqui, subiu de três para cinco o número de casos sob suspeita  de infecção pelo novo coronavírus – sendo quatro casos investigados em  São Paulo e um no Rio Grande do Sul. Todos os pacientes estiveram na  China, mas nenhum deles na cidade de Wuhan, epicentro da doença. 
NOVA DEFINIÇÃO
 Se não quer garantir os direitos humanos, mude-os: é o que Donald Trump  que fazer, segundo a apuração do jornalista Jamil Chade, do UOL. Há meses o presidente dos EUA vem costurando uma redefinição do que são direitos humanos,  num processo que, de acordo com o secretário de Estado Mike Pompeo,  pode se estender além das fronteiras nacionais. Em meados do ano  passado, a Casa Branca criou a ‘Comissão sobre Direitos Inalienáveis’,  cujos membros ganharam mandato para redefinir esses direitos. Para  especialistas (e, convenhamos, para não especialistas também) está claro  que o foco nos “inalienáveis” é uma tentativa de restringir os direitos  que os governos precisam proteger.
No meio dessa história, entra o governo brasileiro.  Ainda de acordo com Chade, tanto o Itamaraty como o Ministério da  Mulher, da Família e dos Direitos Humanos passaram a acompanhar o tema  “com grande interesse” e o governo já enviou representantes para  reuniões da Comissão em Washington. No caso do Ministério, a enviada foi  a secretária nacional da Família do governo, Angela Gandra Martin, que  chegou a ter uma reunião individual com Mary Ann Gledon, a pessoa  escolhida pelos EUA para liderar o processo  — e que traz no currículo fortes reações contrárias aos direitos reprodutivos e ao casamento homoafetivo.
Procurado pela reportagem, o Itamaraty disse que os  trabalhos “poderão ser úteis para o Brasil”. Já o Ministério dos  Direitos Humanos afirmou que se trata de uma iniciativa “interna” dos  EUA, mas que o governo “vê oportuna a necessidade de aprofundar neles  para melhor compreensão diante de variadas mudanças,  maior respeito a soberania dos Estados…”
O episódio foi citado ontem na Câmara dos Deputados, onde se lançou  Observatório Parlamentar da Revisão Periódica Universal da ONU, um  mecanismo que analisa a situação dos direitos humanos nos  países-membros.
PELAS RUAS MEXICANAS
 No México, dois crimes recentes fizeram  crescer as manifestações contra os altos índices de assassinatos de  mulheres e contra a violência de gênero no país. Ingrid Escamilla foi mutilada pelo companheiro e teve imagens de seu corpo divulgadas em tabloides pelo país; e o corpo de uma menina de apenas sete anos,  desaparecida havia seis dias, foi encontrado no fim de semana em sacos  de lixo e com sinais de tortura. Muitos dos protestos se voltam para  cobrar respostas do presidente López Obrador, que já recebeu algumas  manifestantes. Sua reação, contudo, não está sendo das mais felizes.   Ele atribuiu o crimes contra a criança a uma degradação progressiva devido ao modelo neoliberal, e pediu às feministas, “com todo respeito, que não nos pintem as portas, as paredes”. 
EUTANÁSIA
 O parlamento português decide amanhã se legaliza a eutanásia no país.  Estão em discussão cinco projetos de lei que estabelecem a prerrogativa  da morte assistida aos portugueses e aos residentes no país, maiores de  idade com doenças incuráveis e em fase de sofrimento duradouro e  insuportável. De acordo com O Globo, os partidos que propuseram  os PLs – Socialista, Bloco de Esquerda, Pessoas Animais Natureza,  Partido Ecologista os Verdes e Iniciativa Liberal – têm a maioria dos votos para aprovar uma nova legislação sobre o tema.  As propostas determinam que o paciente terá de fazer o pedido de forma  consciente e lúcida, com exceção para pessoas com transtornos mentais.  Cada caso terá de ser avaliado por dois médicos. 
NOS OUVIDOS
 Ontem o Cebes divulgou o começo de uma nova temporada da sua radionovela, a ComunicaSUS.  No primeiro ‘capítulo’, três agentes comunitárias de saúde identificam  onde o SUS está presente. No ano passado a entidade já havia lançado dez  episódios tratando, entre outros temas, da perda de direitos sociais.  
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