Como redes sociais devastam a saúde mental das meninas

Crescem sensivelmente, nos EUA, casos de depressão, ansiedade e suicídios de adolescentes, relacionados ao uso do Instagram e Facebook. Há sinais de que o mesmo se dá no Brasil. Artigo defende regulamentação pública das redes

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A lógica das redes sociais pode estar prejudicando concretamente a saúde mental de milhões de adolescentes, em especial as meninas. Um artigo do psicólogo social norte-americano Jonathan Haidt, publicado na revista The Atlantic, dá novos contornos a esta hipótese grave, suscitada desde o surgimento, há algumas semanas, dos chamados Facebook Papers. O texto baseia-se no fato de que a depressão, a ansiedade e os suicídios – ou tentativas – em adolescentes nos Estados Unidos aumentaram significativamente desde a proliferação das redes sociais, por volta de 2010. Adverte: não é mais possível esperar para que as evidências se tornem mais concretas. É preciso agir já.

Sua hipótese apoia-se em numerosos estudos que analisaram a associação entre o uso de redes sociais e sintomas depressivos, sensação de isolamento, desordens psíquicas diversas, diminuição de bem-estar, entre outros sintomas. E uma das plataformas parece ser a mais prejudicial: o Instagram. Rede social de poucas palavras, que privilegia imagens e selfies e as expõe ao escrutínio de seguidores por meio de curtidas, parece feita sob medida para amplificar as distorções de imagens, em especial das meninas (os rapazes também fazem uso intenso de celulares, explica a matéria, mas seu foco se dirige mais aos games).

Um experimento com meninas confirmou essas observações: foram divididas em três grupos, um para usar Instagram, outro o Facebook e o terceiro jogaria um jogo simples. Concluiu-se que “aquelas que usaram o Instagram, e não o Facebook, mostraram diminuição da satisfação com o corpo, diminuição do afeto positivo e aumento do afeto negativo”. Esse abuso de redes sociais tem provocado, nos EUA – e também no Reino Unido e Canadá, países usados para comparação da análise de Haidt – um forte aumento de episódios de depressão nas mulheres de 9 a 17 anos, de 2010 para cá. 

Para efeito de comparação, e com base na mesma mesma ponderação do autor do artigo original, Outra Saúde buscou dados parecidos sobre uso de redes sociais e depressão no Brasil. Embora estejamos bastante atrás dos Estados Unidos em termos de acesso à internet, o país já chegou a 152 milhões de usuários, em 2020. Cerca de 45% da população passa mais de uma hora por dia em redes sociais. Entre os adolescentes o uso também é abrangente: 89% de jovens entre 9 e 17 anos era usuária de internet, em 2019 – antes da pandemia. E é possível perceber se estão sendo afetados pelo uso intenso de redes sociais? Como argumenta Haidt, essa conclusão é difícil de ser tirada, mas há ao menos dois dados que corroboram com sua hipótese: entre 2014 e 2019, o número de suicídios no Brasil aumentou em 28%; procedimentos ambulatoriais no SUS em jovens (15 a 29 anos) com depressão cresceram 115% entre 2015 e 2018.

A matéria combate, ainda, a ideia de que esse problema social pode ser resolvido com um controle individual do tempo de uso das redes – como se elas fossem algo bom por princípio, mas cujo abuso deve ser combatido. O problema, como mostram os vazamentos recentes de documentos do Facebook, é que suas redes são maleficentes por design. E o que fazer, então? Um primeiro passo está em regulamentar as redes sociais. Um projeto que está sendo discutido nos EUA exige que o Facebook permita que pesquisas acadêmicas acessem seus dados – até hoje mantidos em segredo pela empresa. Aprimorar os direitos aos dados pessoais de crianças. Lutar para aumentar a “maioridade digital” para 16 anos – no lugar dos 13, estabelecidos pelas plataformas. Em suma, não dar permissão irrestrita a empresas que lucram com a saúde mental e põe em risco até as democracias.

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