Burnout: sequela da covid não reconhecida pela Justiça

Em 2020 o Brasil registrou um recorde de 289.677 concessões de afastamento do trabalho por transtornos mentais. Mas a lei não vê o “burnout” – esgotamento comum na pandemia – como razão para proteger o trabalhador

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A Organização Mundial da Saúde já alertava em 2018 para uma epidemia de transtornos mentais, como ansiedade e depressão, e que elas seriam uma das maiores causas de invalidade laboral. Dois anos mais tarde, com a chegada da pandemia, a previsão se concretizou. Segundo o Ministério do Trabalho e Previdência, o Brasil registrou 289.677 concessões de afastamentos por transtornos mentais em 2020 – 29% a mais do que o registrado em 2019, e a maior alta já registrada no país. Mas houve outro problema na pandemia, o estresse no trabalho, que é o famigerado transtorno de burnout. Mas a Justiça brasileira não considera o burnout fator suficiente para culpar empresas. Ainda que associado à ocupação, já que ele demanda fatores individuais além de ambiente hostil e cobranças.

É uma situação difícil, já que dividir a vida em diferentes compartimentos, por causa da pandemia, tornou-se um fardo para muitos – sem contar a insegurança pelo contágio da covid. Um artigo, publicado ontem no JOTA, busca dar mais esclarecimentos. Ele lembra que, em fevereiro deste ano, a condição entrou na nova classificação internacional de doenças e problemas associados à saúde (CID-11). No entanto, “O fato de constar na CID não significa que o burnout seja doença. Para dar uma ideia, problemas como sedentarismo, pobreza ou ameaça de perda de emprego estão na mesma categoria. Então, do ponto de vista da CID-11, dizer que há um diagnóstico de burnout é o mesmo que dizer que há um diagnóstico de pobreza ou sedentarismo; identifica uma situação, não uma doença”, explica Daniel Barros, psiquiatra forense do Instituto de Psiquiatria (IPq), do Hospital das Clínicas da USP.

A matéria buscou casos concretos em que a tentativa de provar uma doença profissional na Justiça foi frustrada. “Pela própria definição, o burnout sempre terá relação com o trabalho. Já se pensarmos ‘ter sido culpa do trabalho’, é possível negar o nexo”. Na Justiça, portanto, situações vivenciadas no trabalho não precisam ser a única causa para que se considere uma doença ocupacional subsequente ao burnout. “Em uma síndrome como o burnout, os sinais são menos específicos do que em uma doença. Ainda assim, é um sofrimento. Mas com o trabalho em home office pode ser mais difícil pesar as demandas que geraram o problema”, diz a psicóloga Miryam Maziero, integrante do Grupo de Saúde Mental e Psiquiatria do Trabalho, ligado ao Hospital das Clínicas.

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