As inconsistências no anúncio de Doria

Coronavac não demonstrou 98% de eficácia; testes estão em andamento

.

Este texto faz parte da nossa newsletter do dia 24 de setembro. Leia a edição inteira.
Para receber a news toda manhã em seu e-mail, de graça, clique aqui.

Ontem, por um momento, pareceu que todos os nossos problemas estavam resolvidos. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), começou sua coletiva de imprensa anunciando estudos na China que atestaram a segurança da vacina CoronaVac. Lá, 50 mil pessoas receberam o imunizante em caráter emergencial e só 5,3% apresentaram efeitos adversos, em geral leves. A notícia é boa, mas veio atopelada na fala de Doria por outra: de acordo com ele, “além de segura, a CoronaVac está se mostrando altamente eficiente“, apresentando eficácia de 98% – e, já na segunda quinzena de dezembro, vai começar a ser distribuída à população, segundo critérios de prioridade. No Twitter, Doria publicou um vídeo com um grande banner fixo que diz: “Estudos clínicos comprovam eficiência da vacina CoronaVac”.

Só que isso não é verdade. A pesquisadora da UFRGS Mellanie Fontes-Dutra, que atua na Rede Análise Covid-19, explica: os 98% se referem à soroconversão em um grupo específico de voluntários com mais de 60 anos. A soroconversão, que já tinha sido verificada nas fases 1 e 2, diz respeito à resposta imunológica –  à produção de anticorpos – mas sem necessariamente capacidade de proteger contra a doença. Aliás, quase ninguém tem a expectativa de uma eficácia de 98%: a OMS tem falado em 50% como um limiar necessário para garantir o controle da pandemia. E, para comprovar a eficácia da CoronaVac, só mesmo com a fase 3. Que está em andamento, como se sabe. O governo diz que até dezembro vai haver um estoque de seis milhões de doses. Se, até lá, a fase 3 tiver sido concluída e o imunizante tiver sido aprovado pela Anvisa, elas poderão ser distribuídas. 

Enquanto isso, a Johnson & Johnson anunciou que acaba de entrar nos estágios finais dos ensaios clínicos com sua vacina experimental, desenvolvida pela Janssen Pharmaceuticals (uma divisão da empresa) e pelo NIH (os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos). Essa vacina pode não estar tão adiantada nos testes quanto outras, mas tem uma grande vantagem: a ideia é que funcione em dose única. Além disso, ela não precisa ser mantida congelada (como as da Moderna e da Pfizer), o que simplifica imensamente a logística de distribuição. A fase 3 vai envolver 60 mil voluntários em vários países. Espera-se que os resultados cheguem até o fim deste ano, e a empresa planeja fabricar um bilhão de doses no ano que vem. Destas, cem milhões estão reservadas para os EUA.

Sem publicidade ou patrocínio, dependemos de você. Faça parte do nosso grupo de apoiadores e ajude a manter nossa voz livre e plural: apoia.se/outraspalavras

Leia Também: