Após prisão, o que Roberto Dias ainda pode revelar?
Seu depoimento reforçou necessidade de investigar atuação de militares nas negociações por vacinas. Segundo Omar Aziz, depoente tem pronto um dossiê para se proteger
Publicado 08/07/2021 às 08:41 - Atualizado 08/07/2021 às 08:42
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Depois de dois meses – e de ouvir muitas testemunhas mentindo –, a CPI teve ontem sua primeira prisão. Roberto Ferreira Dias, ex-diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, passou horas tentando emplacar a ideia de que seu jantar com Luiz Paulo Dominguetti para negociar vacinas não foi agendado, mas um encontro casual: Dias teria saído para “um chope” com o amigo José Ricardo Santanna, que trabalhou na Anvisa. De repente o coronel Marcelo Blanco teria aparecido com Dominguetti, que, por sua vez, teria introduzido o tema da compra de vacinas. O ex-diretor também nega ter pedido propina pelas 400 milhões de doses do imunizante da AstraZeneca, que seriam compradas por intermédio da Davati Medical Supply.
É claro que a versão não convenceu ninguém. O presidente da Comissão, Omar Aziz (PSD-AM), já tinha socilitado que a polícia do Senado levasse o depoente preso por ele estar “mentindo desde de manhã” quando a CNN divulgou novos áudios que aumentaram o rebuliço e deram força para o pedido de prisão. No dia 23 de fevereiro, Dominguetti trocou mensagens com uma pessoa chamada Rafael Alves, da Davati, avisando que a compra de vacinas iria mesmo acontecer, e que seria assinada por Dias. “Em off, pra você saber, quem vai assinar é o Dias mesmo, tá? Caiu no colo do Dias… e a gente já se falou, né? E quinta-feira a gente tem uma reunião para finalizar com o Ministério. Nós estamos tentando tirar do Opas [Organização Panamericana da Saúde] para ir para o Dias direto”, diz ele. Quinta-feira foi dia 25 de fevereiro, justamente a data do jantar – ou do chope incidental, como prefere Dias – em que, segundo Dominguetti, a propina foi aventada.
E agora?
Ainda não dá para saber todos os efeitos que a prisão de Roberto Dias vai acarretar. O recado é o de que, daqui em diante, quem mentir pode ter o mesmo destino. Mas parte dos senadores de oposição e independentes avalia que a prisão pode vir a ser um “tiro pela culatra”, segundo disseram ao Painel, da Folha. “Isso porque os depoentes poderão ficar mais reticentes e recorrer com mais facilidade ao expediente de adotar o silêncio para evitar as consequências sofridas pelo ex-diretor do Ministério da Saúde, avaliam os parlamentares”.
Será? O senador Omar Aziz parece ter motivos para crer que Roberto Dias ainda guarda muitas informações que poderiam vir a ser liberadas, o que pode ter motivado a prisão. De acordo com ele, o ex-diretor tem pronto um dossiê que preparou para se proteger: “O senhor sabe que fez um dossiê para se proteger. Eu estou afirmando, não estou achando. Nós sabemos onde está o dossiê e com quem está. Não vou citar nome para não atrapalhar as investigações. O senhor recebeu várias ordens da Casa Civil por e-mail lhe pedindo para atender: ‘era gente nossa’, ‘essa pessoa é nossa’. Não foi agora não. É de todo o tempo em que esteve no cargo”, declarou Azis, mais cedo.
Militares no rolo
O dossiê vai ficar para os próximos capítulos (se vier), mas, por ora, o depoimento de Dias já reforçou a necessidade de a CPI se debruçar com mais afinco sobre as Forças Armadas. Várias vezes, ele apontou que a responsabilidade pelas negociações não era sua: desde janeiro, essa atribuição passou do departamento de Logística para a Secretaria Executiva, então comandada pelo coronel Elcio Franco.
Ele também afirmou que, ainda na gestão de Luiz Henrique Mandetta, indicou os três coordenadores do Departamento de Logística. Mas, quando Eduardo Pazuello assumiu o Ministério e Franco se tornou o número dois da pasta, duas coordenações foram trocadas por este último, passando a ser ocupadas por militares. Um deles é o tenente-coronel Alex Leal – apontado pelo servidor Luís Ricardo como um dos autores da pressão pela compra da Covaxin.
“A sensação que eu tenho, infelizmente, é que estavam querendo tirar um núcleo de poder dentro do Ministério da Saúde e lamentavelmente, estavam querendo colocar um núcleo militar para tomar conta desse galinheiro. Está muito claro isso. Tirou poder do Roberto Dias, colocou militar. Quem era o Ministro da Saúde? Era um militar. Quem era o número um do Ministro ou o número dois do ministério? Era um militar”, destacou a senadora Simone Tebet (MDB/MS).
Ainda de manhã, Omar Aziz disse que “os bons das Forças Armadas devem estar muito envergonhados com algumas pessoas que hoje estão na mídia, porque fazia muito tempo, fazia muitos anos que o Brasil não via membros do lado podre das Forças Armadas envolvidos com falcatrua dentro do Governo”. Já à noite, após a prisão de Dias, saiu uma resposta do ministro da Defesa e dos comandantes das Forças Armadas: com jeito ameaçador, eles dizem que “não aceitarão qualquer ataque leviano”.
O mesmo tom foi usado por membros das Forças ouvidos por Bela Megale, d’O Globo. Eles dizem que “não aceitarão serem desrespeitados” e prometem uma reação “mais dura”, caso a CPI volte a mencionar suspeitas de corrupção envolvendo militares. “Eles não detalham, porém, quais respostas seriam essas”, pondera a colunista.
Decisão contestada
A decisão de Omar Aziz foi cutucada por vários lados. Juridicamente, ela é no mínimo questionável, como vários especialistas apontaram. Testemunhas precisam dizer a verdade, mas investigados têm direito a mentir ou ficar em silêncio. O entendimento é o de que, a partir do momento em que perguntaram a Dias sobre fatos em que ele estaria diretamente envolvido, ele deixou de ser mera testemunha e passou a um potencial investigado, que portanto não pode ser obrigado a produzir provas contra si mesmo.
Além disso, ainda durante a sessão, alguns senadores lembraram que outros depoentes também haviam mentido, sem que nada tivesse acontecido com eles. “Esse cidadão aí é um funcionário de nível hierárquico mais baixo, já foi exonerado, já foi demitido, e a gente vai dar a prisão para ele, e a gente não botou um general que estava mentindo na cadeia. A gente não botou o Wajngarten, mentindo, na cadeia”, comparou Alessandro Vieira.
Mas a ordem se manteve; Dias ficou preso cinco horas e saiu após pagamento de fiança.
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