Dois núcleos corruptos na farra das vacinas?

Nas investigações da CPI, surgem sinais de que dois esquemas distintos operavam no ministério da Saúde: o do Centrão e o dos militares bolsonaristas. E mais: pesquisa eleitoral sugere que Lula abre vantagem inédita sobre Bolsonaro

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PRISÃO POR PERJÚRIO

Depois de dois meses – e de ouvir muitas testemunhas mentindo –, a CPI teve ontem sua primeira prisão. Roberto Ferreira Dias, ex-diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, passou horas tentando emplacar a ideia de que seu jantar com Luiz Paulo Dominguetti para negociar vacinas não foi agendado, mas um encontro casual: Dias teria saído para “um chope” com o amigo José Ricardo Santanna, que trabalhou na Anvisa. De repente o coronel Marcelo Blanco teria aparecido com Dominguetti, que, por sua vez, teria introduzido o tema da compra de vacinas. O ex-diretor também nega ter pedido propina pelas 400 milhões de doses do imunizante da AstraZeneca, que seriam compradas por intermédio da Davati Medical Supply.

É claro que a versão não convenceu ninguém. O presidente da Comissão, Omar Aziz (PSD-AM), já tinha socilitado que a polícia do Senado levasse o depoente preso por ele estar “mentindo desde de manhã” quando a CNN divulgou novos áudios que aumentaram o rebuliço e deram força para o pedido de prisão. No dia 23 de fevereiro, Dominguetti trocou mensagens com uma pessoa chamada Rafael Alves, da Davati, avisando que a compra de vacinas iria mesmo acontecer, e que seria assinada por Dias. “Em off, pra você saber, quem vai assinar é o Dias mesmo, tá? Caiu no colo do Dias… e a gente já se falou, né? E quinta-feira a gente tem uma reunião para finalizar com o Ministério.  Nós estamos tentando tirar do Opas [Organização Panamericana da Saúde] para ir para o Dias direto”, diz ele. Quinta-feira foi dia 25 de fevereiro, justamente a data do jantar – ou do chope incidental, como prefere Dias – em que, segundo Dominguetti, a propina foi aventada. 

E AGORA?

Ainda não dá para saber todos os efeitos que a prisão de Roberto Dias vai acarretar. O recado é o de que, daqui em diante, quem mentir pode ter o mesmo destino. Mas parte dos senadores de oposição e independentes avalia que a prisão pode vir a ser um “tiro pela culatra”, segundo disseram ao Painel, da Folha. “Isso porque os depoentes poderão ficar mais reticentes e recorrer com mais facilidade ao expediente de adotar o silêncio para evitar as consequências sofridas pelo ex-diretor do Ministério da Saúde, avaliam os parlamentares”.

Será? O senador Omar Aziz parece ter motivos para crer que Roberto Dias ainda guarda muitas informações que poderiam vir a ser liberadas, o que pode ter motivado a prisão. De acordo com ele, o ex-diretor tem pronto um dossiê que preparou para se proteger: “O senhor sabe que fez um dossiê para se proteger. Eu estou afirmando, não estou achando. Nós sabemos onde está o dossiê e com quem está. Não vou citar nome para não atrapalhar as investigações. O senhor recebeu várias ordens da Casa Civil por e-mail lhe pedindo para atender: ‘era gente nossa’, ‘essa pessoa é nossa’. Não foi agora não. É de todo o tempo em que esteve no cargo”, declarou Azis, mais cedo.

MILITARES NO ROLO

O dossiê vai ficar para os próximos capítulos (se vier), mas, por ora, o depoimento de Dias já reforçou a necessidade de a CPI se debruçar com mais afinco sobre as Forças Armadas. Várias vezes, ele apontou que a responsabilidade pelas negociações não era sua: desde janeiro, essa atribuição passou do departamento de Logística para a Secretaria Executiva, então comandada pelo coronel Elcio Franco. 

Ele também afirmou que, ainda na gestão de Luiz Henrique Mandetta,  indicou os três coordenadores do Departamento de Logística. Mas, quando Eduardo Pazuello assumiu o Ministério e Franco se tornou o número dois da pasta, duas coordenações foram trocadas por este último, passando a ser ocupadas por militares. Um deles é o tenente-coronel Alex Leal – apontado pelo servidor Luís Ricardo como um dos autores da pressão pela compra da Covaxin. 

“A sensação que eu tenho, infelizmente, é que estavam querendo tirar um núcleo de poder dentro do Ministério da Saúde e lamentavelmente, estavam querendo colocar um núcleo militar para tomar conta desse galinheiro. Está muito claro isso. Tirou poder do Roberto Dias, colocou militar. Quem era o Ministro da Saúde? Era um militar. Quem era o número um do Ministro ou o número dois do ministério? Era um militar”, destacou a senadora Simone Tebet (MDB/MS).

Ainda de manhã, Omar Aziz disse que “os bons das Forças Armadas devem estar muito envergonhados com algumas pessoas que hoje estão na mídia, porque fazia muito tempo, fazia muitos anos que o Brasil não via membros do lado podre das Forças Armadas envolvidos com falcatrua dentro do Governo”. Já à noite, após a prisão de Dias, saiu uma resposta do ministro da Defesa e dos comandantes das Forças Armadas: com jeito ameaçador, eles dizem que “não aceitarão qualquer ataque leviano”.

O mesmo tom foi usado por membros das Forças ouvidos por Bela Megale, d’O Globo. Eles dizem que “não aceitarão serem desrespeitados” e prometem uma reação “mais dura”, caso a CPI volte a mencionar suspeitas de corrupção envolvendo militares. “Eles não detalham, porém, quais respostas seriam essas”, pondera a colunista.

DECISÃO CONTESTADA

A decisão de Omar Aziz foi cutucada por vários lados. Juridicamente, ela é no mínimo questionável, como vários especialistas apontaram. Testemunhas precisam dizer a verdade, mas investigados têm direito a mentir ou ficar em silêncio. O entendimento é o de que, a partir do momento em que perguntaram a Dias sobre fatos em que ele estaria diretamente envolvido, ele deixou de ser mera testemunha e passou a um potencial investigado, que portanto não pode ser obrigado a produzir provas contra si mesmo. 

Além disso, ainda durante a sessão, alguns senadores lembraram que outros depoentes também haviam mentido, sem que nada tivesse acontecido com eles. “Esse cidadão aí é um funcionário de nível hierárquico mais baixo, já foi exonerado, já foi demitido, e a gente vai dar a prisão para ele, e a gente não botou um general que estava mentindo na cadeia. A gente não botou o Wajngarten, mentindo, na cadeia”, comparou Alessandro Vieira.

Mas a ordem se manteve; Dias ficou preso cinco horas e saiu após pagamento de fiança

OUTRA DEMISSÃO…

O governo federal acaba de exonerar o diretor do departamento de Imunização do Ministério da Saúde, Lauricio Monteiro Cruz – que, segundo investigações da imprensa, teria autorizado o reverendo Amilton Gomes de Paula a negociar vacinas com a Davati Medical Supply, por um valor três vezes maior do que o originalmente negociado pela pasta. 

DE OLHO NAS ELEIÇÕES

O ex-presidente Lula abriu a maior vantagem até agora sobre Jair Bolsonaro em intenções de voto, segundo a pesquisa PoderData que saiu ontem à noite: no primeiro turno, ele tem 43%, contra 29% de Bolsonaro. No mês passado, eles apareciam empatados. Já no segundo turno, Lula ganharia de Bolsonaro por 55% a 32% e também venceria todos os outros adversários – a maior vantagem é sobre Ciro Gomes (PDT) e João Doria (PSDB).

A pesquisa também mostra o ex-presidente como o menos rejeitado entre os pré-candidatos, com 36% dos eleitores dizendo que não votariam nele de jeito nenhum (uma queda de 12 pontos percentuais em relação ao mês passado). Jair Bolsonaro e João Doria têm ambos 56% de rejeição; e Ciro Gomes aparece com 52%. As entrevistas foram feitas entre os dias 5 e 7.

EM CIRCULAÇÃO

O governo de São Paulo confirmou que a variante Delta já circula no estado, depois de ter sido identificada em um homem sem histórico de viagem. A secretaria de saúde avalia reduzir o intervalo de três meses que atualmente é usado para as vacinas da Pfizer e da AstraZeneca, como fez o Reino Unido. O benefício seria garantir proteção mais alta aos vacinados, porque estudos já têm demonstrado notável diferença na efetividade contra a Delta após uma ou duas doses desses imunizantes. Por outro lado, isso significaria atrasar a primeira dose de parte da população, que continuaria totalmente desprotegida. Há que se avaliar o que poderia dar melhores resultados.

Mas, ao mesmo tempo em que demonstra preocupação em acelerar a campanha de vacinação diante da Delta, o governo do estado decidiu ampliar o horário e a capacidade de ocupação de restaurantes e comércios. São as medidas mais brandas já adotadas pelo estado desde maio do ano passado, nota a Folha.

Ontem, em coletiva de imprensa, a a diretora da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) Carissa Etiene afirmou que a circulação da Delta nas Américas ainda é muito limitada. Ela já predomina em partes dos Estados Unidos, mas o padrão não necessariamente será replicado em outros países – a distribuição das cepas no continente nunca foi uniforme. 

Em tempo: pela primeira vez em quatro meses, a média móvel de mortes por covid-19 ficou abaixo de 1,5 mil. Após mais 1.595 registros ontem, ela chegou a 1.481. É uma queda de 21% em relação a duas semanas atrás.

CORONAVAC NO CHILE

Um estudo publicado ontem no New England Journal of Medicine traz dados sobre a efetividade da CoronaVac no Chile: 86% na prevenção de mortes, 90,3% na prevenção de internação em UTI, 87,5% na prevenção de hospitalizações e 65,9% na prevenção de covid-19 em geral. A análise levou em conta 10,2 milhões de chilenos imunizados entre 2 de fevereiro e 1º de maio.

O Chile também usa as vacinas da Pfizer, AstraZeneca e Cansino, mas a CoronaVac é a mais presente, respondendo por quase 80% das doses aplicadas.

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