Anvisa divulga vídeo em que fabricantes admitem presença de adenovírus replicantes na Sputnik

Informação também consta em documento enviado à agência pelo Gamaleya. Urgência foi a justificativa dos representantes da vacina para não recomeçar processo de desenvolvimento do imunizante

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A não-aprovação pela Anvisa da importação emergencial da Sputnik V está se tornando um caso de enormes proporções. Primeiro, o perfil oficial da vacina no Twitter (não sabemos quem o administra) acusou as áreas técnicas do órgão brasileiro de terem agido politicamente. Ontem pela manhã, anunciou que entraria com um “processo judicial de difamação no Brasil contra a Anvisa por espalhar informações falsas e imprecisas intencionalmente”. Mais tarde, compartilhou a notícia de que o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR) culpa a Anvisa pelo atraso no cronograma de vacinação no Brasil. Segundo Barros – o mesmo que ameaçou recentemente “enquadrar” a agência –, nossos problemas não têm a ver com erros do Executivo, mas com o fato de o órgão ainda não ter aprovado nem a Sputnik V, nem a Covaxin

Voltando ao imbróglio: embora a análise da Anvisa tenha apontado vários problemas na documentação recebida para análise (relembre aqui), o debate está centrado na presença de adenovírus replicantes (RCA) na vacina, que podem gerar efeitos sérios. A Anvisa colocou esse problema como impedimento à aprovação, mas os desenvolvedores negam tal existência. Ainda segundo os tuítes da Sputnik V, o processo judicial se justificaria porque a Anvisa “admitiu” não ter testado a vacina. A narrativa de que isso (a não-testagem) seria um problema se espalhou como rastilho de pólvora, apesar de agência não ter de fato essa prerrogativa, mas sim a de analisar os laudos enviados pelos fabricantes. O chefe-científico da União Química, que vai comercializar a vacina por aqui, embarcou na onda. Não apenas demonstrou ignorar o processo regulatório (ou quiçá simulou tal desconhecimento), como ainda sugeriu que a agência pode ter analisado lotes falsificados do “mercado negro”… 

A resposta da Anvisa veio à tarde, em um curto comunicado oficial transmitido ao vivo (assista aqui). O gerente-geral de medicamentos Gustavo Mendes reafirmou que a constatação de RCA nos lotes veio a partir da documentação enviada pelo próprio Instituto Gamaleya. Na tela, foram apresentados cópias desses documentos. Eles continham também a quantidade máxima de RCA considerada aceitável pelos desenvolvedores. De acordo com Mendes, para vacinas o limite aceitável deveria ser “zero”. Ao buscar por algo parecido nos padrões internacionais, e o maior limite encontrado pelos técnicos foi o da FDA (a Anvisa americana) — não para vacinas, mas sim para terapias gênicas. E mesmo esse limite era 300 vezes menor do que o aceito pelo Gamaleya. Os documentos atestam o seguinte: nas amostras de placebo esse RCA aparece como “não detectado”, enquanto, nas de vacina, aparece apenas como abaixo desse alto limite. 

A exposição não parou por aí. Foram projetados trechos de uma reunião entre a Anvisa e os russos (que havia sido gravada, como toda reunião da agência precisa ser). Nela, os técnicos brasileiros perguntam: “Uma vez que vocês que detectaram a presença de adenovírus replicante na produção, por que não voltaram ao desenvolvimento e escolheram outro substrato celular que tivesse plasmídios celulares construídos de uma forma que (…) não permitissem uma recombinação do adenovírus com as células?”. E ainda: “Quando vocês continuaram com esse desenvolvimento, qual foi a avaliação de risco da presença dessas partículas na vacina? Porque ela vai ser administrada em pessoas saudáveis”.

A resposta foi a seguinte: “Claro que vocês têm razão, que talvez pudéssemos ter dado um passo atrás e começado usando uma nova substância, mas esse processo teria ocupado muito tempo”.  A Anvisa diz que pediu esclarecimentos sobre esse e outros pontos após a reunião, mas que ainda não recebeu as respostas.

A agência informou que enviouà OMS e a autoridades sanitárias estrangeiras sua análise sobre o assunto.

Já o Instituto Gamaleya mandou um documento com 55 páginas ao Consórcio Nordeste (cujos governadores pediram a importação das doses) e ao presidente da Anvisa, rebatendo os questionamentos. No texto, segue afirmando que não encontrou nenhum RCA em nenhum lote de vacina produzida. Ainda ontem, os governadores apresentaram à Anvisa um pedido de reanálise.

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