Além dos testes escassos, há erros na coleta
Em seis mil mortos por SRAG que tiveram diagnóstico negativo para o novo coronavírus, 60% das coletas de exames aconteceu fora do período ideal
Publicado 03/06/2020 às 08:18 - Atualizado 03/06/2020 às 10:11
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Ultrapassamos ontem a marca das 30 mil mortes por coronavírus. E não de uma forma qualquer, mas com um novo recorde de óbitos registrados em 24 horas: 1.262. Os brasileiros já choram 31.199 vidas oficialmente perdidas para a covid-19.
Sim, oficialmente, porque se já não bastasse a falta de testes, os exames que estão sendo feitos têm problemas ou na coleta ou no processamento ou na análise. Estão nesse balaio seis mil mortos que chegaram a ser testados, mas tiveram seu resultado negativo para covid-19 – embora tenham morrido de síndrome respiratória aguda grave, um fortíssimo indicativo de que, na verdade, tinham o novo coronavírus. A maioria das coletas (61%) para o teste RT-PCR foi feita fora do período ideal e, por isso, com o método incorreto.
A reportagem da Folha explica: “Para a correta realização do diagnóstico, [a amostra para o PCR] precisa ser coletada em certas condições para que a análise não seja prejudicada. O ideal é que a coleta do material das vias aéreas do paciente, com o swab (espécie de cotonete grande), seja feita entre o terceiro e o sétimo dia a partir do aparecimento dos sintomas. Não é uma regra absoluta – e há exceções, dizem três especialistas consultados –, mas esse é o período em que a carga viral costuma ser maior e mais facilmente detectável na secreção do nariz e da faringe. A partir daí, se a doença se agrava, o vírus se aloja nas vias aéreas inferiores, e a coleta idealmente deveria ser feita de outra forma.”
Isso acontece porque boa parte dos doentes procura ajuda dos serviços de saúde quando os sintomas já estão mais avançados, quando o ideal seria coletar o escarro, se a pessoa apresentar secreção. Em casos ainda mais graves, de pacientes intubados, se pode fazer uma aspiração direto da traqueia ou do pulmão – ambos procedimentos que exigem alta dose de qualificação para minimizar as chances de contaminação dos próprios profissionais durante a coleta.
Mas o jornal destaca em sua apuração que há problemas também nas coletas corriqueiras porque os profissionais não estão treinados, ou no armazenamento das amostras ou mesmo nos reagentes químicos usados, que diferem em qualidade de lugar para lugar. Tudo isso pode gerar falsos negativos.
Ontem, a diretora-geral da Opas, a Organização Pan-americana de Saúde, voltou a falar sobre o Brasil. Carissa Etienne renovou o apelo para que o país faça mais testes: “É imperativo que a testagem aumente”, sentenciou. Nós, aqui, acrescentamos: é imperativo que o investimento venha junto de capacitação das equipes e investimentos para que esses exames sejam, de fato, efetivos e esclarecedores. Segundo o Ministério da Saúde, até o dia 1º de junho, 7,5 milhões de testes rápidos e 10,6 milhões do tipo PCR haviam sido distribuídos para estados e municípios.
Etienne também falou sobre o colapso nos sistemas de saúde, recomendando a habilitação de mais leitos de UTI em estados que atingiram mais de 80% da ocupação. O que leva à discussão da requisição de leitos do setor privado, que acontece de forma desconjuntada no país e enfrenta forte oposição do lobby dos hospitais particulares e planos de saúde.
Outro problema mencionado pelas autoridades da Opas foi a incongruência brasileira entre aumento no número de casos e retomada das atividades econômicas. Sobre isso, um exemplo: o estado de São Paulo, que inaugurou seu plano de reabertura na segunda-feira, registrou os maiores números de mortes e casos desde o começo da epidemia no Brasil. Nas últimas 24 horas, foram 327 óbitos e 6.999 novos casos.
A propósito (e não desvinculado de todos os problemas citados acima): diante de mais um marco da epidemia, Jair Bolsonaro deu mais uma demonstração cretina de ‘solidariedade’. Eis o que o presidente respondeu a uma apoiadora que pediu para ele oferecer conforto aos enlutados: “A gente lamenta todos os mortos, mas é o destino de todo mundo”.