A luta e a singularidade dos Agentes Comunitários de Saúde

Aproxima-se, na Câmara, votação da PEC 22/2011, que garantirá piso nacional para 400 mil trabalhadores da Saúde. Em entrevista, professora da UERJ debate como surgiram; por que são tipicamente brasileiros; e quais os desafios de sua formação

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Um das categorias profissionais mais decisivas para a experiência do SUS está em luta. Mesmo em meio à pandemia, centenas de Agentes Comunitários de Saúde (ACSs) estão em Brasília, onde a Câmara votará – talvez ainda este ano – a Proposta de Emenda Constitucional que lhes assegura salário digno. Em inúmeros municípios brasileiros, milhares de outros ACSs aguardam os deputados. Mas quem são eles?

Uma entrevista com a professora Helena David, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, ajuda a entender. Estudiosa do SUS, Helena descreveu, para a revista da Escola Politécnica da Fiocruz, algumas particularidades da profissão. Ela crê que só exista no Brasil; que tenha surgido devido ao caráter fortemente descentralizado do SUS; e que seja necessário um vasto trabalho para formá-la adequadamente.

A origem das ACSs, conta Helena, está na Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, ou Conferência de Alma-Ata, em 1978. De lá emergiu, com força antes inédita, a ideia de relacionar os serviços de Saúde com os territórios – e por meio de mobilização das próprias comunidades. O impacto desta ideia estendeu-se pelo mundo e atingiu agentes políticos inesperados. Mesmo sob o regime militar, o Brasil lançou, no Ceará, uma experiência pioneira de enfrentamento da mortalidade infantil com base nestes métodos.

A criação do SUS generalizou-a, prossegue Helena. Em 1991, surgia o Programa Nacional de Agentes Comunitários de Saúde (PNACS), que pouco depois passaria a ser denominado PACS. Na mesma década, o exame de experiências internacionais como a de Cuba incorporou à experiência brasileira a noção do Médico de Família. Ela acabaria dando novo nome ao programa, que passou a se denominar Estratégia de Saúde da Família nos anos 2000.

Porém, frisa Helena, a figura dos ACSs não existe em Cuba – e talvez em nenhum país que adota programa semelhante. Ela tem a ver com a capilaridade do SUS – que traz grandes vantagens e problemas a resolver. Em muitos municípios, por exemplo, a contratação dos agentes ainda está estreitamente ligada a troca de favores políticos. Não há estabilidade, muito menos carreira – mas “contratos temporários, eleitoreiros e precarizados”.

A garantia de um piso nacional resolverá o problema? É um passo, pensa Helena. Ela está preocupada, em especial, com a formação dos profissionais. Lembra que houve avanços importantes, a partir de iniciativas da própria Escola Politécnica da Fiocruz. Em articulação com a Rede de Escolas Técnicas do SUS (RET-SUS), surgiram as Diretrizes Nacionais para a Formação de ACSs, que prevê um curso técnico de escolaridade média. Muitos gestores municipais, porém, resistem ao que veem como ameaça a sua “autonomia”.

O debate será retomado, após a votação do piso. A entrevista de Helena é uma ótima forma de começar a compreendê-lo com alguma profundidade.

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