A falta de remédios para intubação é pior do que se pensava

Remédios podem acabar em cinco dias em alguns hospitais privados. Ministério da Saúde promete 665 mil unidades para suprir demanda de 15 dias, número menor do que o necessário

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Na última newsletter, comentamos que os estoques públicos de medicamentos para intubação no Brasil podem acabar em 20 dias. O caso é grave e envolve a escassez de drogas como neurobloqueadores, que servem para relaxar a musculatura, sedativos e medicamentos para dor.

E alguns desses remédios podem acabar muito antes: segundo a Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), entre seus associados o propofol, o cisatracúrio e o atracúrio só devem durar mais cinco dias.

Há duas semanas a Anvisa cobrou das farmacêuticas informações sobre as drogas que fazem parte do ‘kit intubação’, e a Folha dá uma ideia do drama. Ao todo, há risco de falta de 22 medicamentos.

Para o anestésico midazolam, por exemplo, há um estoque de apenas 3,2 milhões de unidades, uma quantidade menor do que a média mensal vendida pelas empresas entre agosto e fevereiro. O besilato de atracúrio – um bloqueador muscular usado para evitar problemas na respiração mecânica – teve em média 657 mil doses vendidas por mês, mas agora só restam 333 mil.

A Frente Nacional de Prefeitos enviou um ofício ao presidente Jair Bolsonaro pedindo providências.

Já o Fórum de Governadores do Nordeste escreveu ontem uma carta a Eduardo Pazuello informando que a míngua nos estoques já acontece em pelo menos 18 estados do país. Em dez deles, na última semana houve falta ou baixa cobertura do kit. No Hospital Paraná, em Maringá (PR), o estoque de bloqueadores neuromusculares terminou na terça-feira.

“Ninguém morreu por isso, mas atrapalha muito o tratamento. Dificulta sincronizar o paciente com o respirador, a ventilação mecânica fica prejudicada”, disse um médico da unidade ao Estadão. 

O grupo de governadores pede que o governo federal determine compras emergenciais, a redução dos preços (que hoje estão 75% mais caros que em março de 2020) e o adiamento, por 60 dias, de cirurgias não emergenciais. 

Ao mesmo tempo, a Associação Médica Brasileira e entidades que representam planos de saúde e hospitais privados se reuniram com a Anvisa para discutir o problema. Sua demanda é a de que a agência se articule com a indústria nacional para aumentar a produção, ao mesmo tempo em que facilite a importação. A Anvisa ainda não detalhou quais medidas serão tomadas.

No entanto, o sanitarista e ex-diretor do órgão Gonzalo Vecina disse à Folha que a agência não tem todos os instrumentos necessários para dar conta da crise. De acordo com ele, caberia ao Ministério da Saúde “coordenar os estoques e ‘cogerenciar’ as vendas de medicamentos junto com a indústria para evitar o desabastecimento”. 

E o Ministério? Avisado, está. Mas ainda não apresentou nenhuma saída duradoura. A pasta disse ter requisitado esta semana 665,5 mil unidades de medicamentos usados em UTIs, que, segundo seus cálculos, supririam a demanda do SUS por 15 dias.

Contudo, em comparação com as médias de vendas das drogas que mencionamos acima, o quantitativo é claramente menor. Não ficou claro quais remédios a pasta requisitou, e não há detalhes sobre a distribuição entre os estados.

Conforme a apuração do Valor, nos bastidores da Anvisa a falta de gestão do Ministério é apontada como a origem do problema. Os fabricantes também reclamam. De acordo com eles, as falhas da pasta atrapalham o processo de compra e distribuição, porque a desarticulação prejudica seu planejamento.

A bancada do PSOL na Câmara acionou a PGR e a Defensoria Nacional dos Direitos Humanos solicitando que se cobre do governo federal a aquisição das drogas. E o senador Humberto Costa (PT-PE) pediu ao MPF que tome medidas para evitar um drama semelhante ao da falta de oxigênio em Manaus. 

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