Crise das vacinas

Agora, a informação é que falta a imunização contra meningite C

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27 de julho de 2018

CRISE DAS VACINAS

A enxurrada de notícias ruins em relação à vacinação no Brasil parece longe de ter fim. O estoque da imunização contra meningite C em bebês está no limite. Segundo a Folha, um informativo do Ministério da Saúde foi enviado aos estados, alertando sobre a situação “crítica” do abastecimento principalmente nas cidades do Espírito Santo, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Tocantins. Procurada pela reportagem, a pasta coloca a culpa na Fundação Ezequiel Dias, que produz a vacina e teria enviado aos estados, de janeiro a julho deste ano, dois milhões de doses a menos do que no mesmo período do ano passado. O laboratório, por sua vez, afirma que o cenário é temporário e se deve a problemas na cadeia produtiva e logística e promete regularizar a situação em agosto.

E ontem as sociedades médicas de Pediatria, Imunizações e Infectologia lançaram um manifesto para chamar atenção dos brasileiros sobre o risco de reintrodução da pólio e do sarampo no país e estimular a adesão à campanha de vacinação que vai de 6 a 31 de agosto. O público-alvo são crianças de um a cinco anos, ou aquelas que não receberam doses na idade adequada. A divulgação aconteceu na sede do Ministério da Saúde, e contou com a insólita parceria da associação de clubes Rotary International.

A situação do sarampo é a seguinte: há dois surtos, no Amazonas (com 519 casos confirmados) e em Roraima (272). Permaneciam sob investigação 3.725 e 106 casos nos dois estados, respectivamente. O Ministério afirma que ficou comprovado que os surtos foram causados pela importação do vírus D8, que circula na Venezuela. Outros casos isolados, relacionados pelo governo à importação, foram identificados em São Paulo (1), Rio de Janeiro (14); Rio Grande do Sul (13); Rondônia (1) e Pará (2).

Em relação à pólio, não há casos registrados desde 1989. Mas a baixa procura pela vacina é preocupante: enquanto a meta é 95%, a cobertura está em 78%.

OBSTRUINDO OS TRABALHOS

Mais entidades se uniram contra a tentativa da Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação (Abia) de tumultuar as mudanças que estão sendo discutidas pela Anvisa para alertar os níveis excessivos de sal, açúcar e gorduras saturadas nos rótulos dos produtos. O Idec, a ACT Promoção da Saúde e a Associação Brasileira para Estudo da Obesidade pedem na Justiça Federal para serem ouvidas na ação movida pela Abia, que obteve uma liminar para adiar por 15 dias a tomada pública feita pela Anvisa, que seria encerrada na terça (24). As alterações são discutidas há um tempão, num grupo que se reuniu entre 2014 e 2016.

MAIS UM 

O Reino Unido anunciou ontem que vai alterar a legislação para permitir a prescrição de medicamentos derivados da cannabis em tratamentos de saúde. A mudança aconteceu depois que conselheiros do governo no tema das drogas e da saúde chegaram, separadamente, à conclusão de que há evidências de benefícios terapêuticos em alguns casos, como para o controle de ataques epiléticos em crianças. O Departamento de Saúde (equivalente a um ministério por lá) e a agência reguladora de medicamentos vão, agora, desenvolver protocolos para definir o que pode e o que não pode ser usado.

TREVAS

Três mulheres foram esfaqueadas durante uma manifestação pelo direito ao aborto livre, legal e seguro. Aconteceu na quarta em Santiago, no Chile, e os agressores agiram encapuzados ao fim do ato, que reuniu cerca de 50 mil pessoas. As vítimas não correm risco de vida.

E o Nexo conta quem é Debora Diniz, a pesquisadora reconhecida mundialmente e professora da UnB que vem sendo ameaçada por sua atuação em favor do direito de as mulheres decidirem sobre o próprio corpo. A situação é grave e Diniz está no Programa de Proteção do governo federal. Ontem mesmo, como dissemos, o Brasil foi classificado pela ONG Global Witness como o país mais violento do mundo para defensores de direitos humanos.

EM BELÉM

A Emenda Constitucional 95, que congela os gastos públicos até 2036, foi criticada no congresso de secretários municipais de saúde que acontece na capital do Pará. E o ministro da Saúde, Gilberto Occhi, a defendeu: “A EC 95 é um marco e uma obrigação que não deveria estar na Constituição, mas foi preciso fazer isso como uma obrigação. Todos querem revogar, mas acho que precisamos melhorar a emenda. Ao melhorarmos a arrecadação no país, poderemos aumentar o financiamento do SUS. Defendo o avanço e a melhoraria da regra que hoje está posta”.

SABÃO INTERNACIONAL

O senador dos Estados Unidos Bernie Sanders e outros 28 congressistas enviaram ao embaixador do Brasil em Washington, Sergio Silva do Amaral, uma carta em que criticam o governo de Michel Temer e a EC 95 é lembrada por ter como efeitos “cortes significativos para programas vitais de saúde e educação”. O assunto principal do documento, porém, são o assassinato de Marielle Franco e o processo judicial que levou à prisão do ex-presidente Lula, caracterizado como “bastante questionável”, levantando suspeitas de que tem como objetivo “impedi-lo de disputar as próximas eleições”.

Sanders se tornou conhecido fora dos EUA em 2016, quando disputou as prévias do Partido Democrata com Hillary Clinton para concorrer à Presidência do país. Mas ele é um dos políticos que mais levantam a bandeira da saúde. Sua defesa de que todos os cidadãos dos Estados Unidos deveriam ter direito a um atendimento digno é vista por lá como socialismo radical.

O governo Temer também foi denunciado na quarta (25) durante o 22ª Conferência Internacional de Aids. “Os retrocessos não são surpresa”, diz um dos cartazes do grupo de profissionais que protestou no evento que termina hoje na Holanda.

NÃO FALOU

A carta dos senadores americanos inicia com uma referência a recentes posicionamentos de Michelle Bachelet, do ex-presidente francês François Hollande e do ex-primeiro ministro espanhol José Luiz Zapatero em relação ao julgamento de Lula. Mas ontem Bachelet não deu uma palavra sobre o assunto na abertura do congresso da Abrasco. E não foi por falta de oportunidade: ela precedida pelo presidente da entidade, que denunciou o processo.

ABRASCÃO

Bachelet deu destaque à Agenda 2030. Hoje, ela preside uma comissão de alto nível convocada pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) para propor soluções que ampliem o acesso e a cobertura de saúde na região das Américas. A cobertura universal é um Objetivo de Desenvolvimento Sustentável, ou ODS. E só por aqui ele ganhou a companhia da palavrinha “acesso”, pois vários países da região problematizam que a ideia de que “cobertura” é ligada a interesses de seguradoras e empresas de planos de saúde, que querem que o Estado banque um pacote mínimo de serviços, oferecido pelo setor privado. A ideia surgiu em encontro da Fundação Rockfeller e tem o apoio do Banco Mundial, parceiro da OMS no monitoramento da meta.

A ex-presidente chilena, contudo, sublinhou o papel do Estado, a importância do fortalecimento de sistemas de saúde que sejam públicos. “É no setor público que se dá o exercício dos direitos”, disse. Você confere a conferência de Bachelet nesta reportagem da nossa editora Maíra Mathias.

Uma visão mais crítica desses fóruns e compromissos globais foi dada por outro participante do evento, o diplomata Samuel Pinheiro Guimarães, em conversa transmitida ao vivo com o nosso editor Antonio Martins. Ele vê a coisa desta forma:

“No fundo, os países altamente desenvolvidos se aproveitaram, vários deles, de situações coloniais e depois passaram a ser cobrados pelos países que eram ex-colônias de que deveriam ajudar em seu desenvolvimento. E passaram, através de um processo lento, a dois temas. Primeiro a ideia de que os temas importantes são os identitários. Ao invés de haver conferências sobre como promover o desenvolvimento econômico e social dos países, ex-colônias, passou-se a discutir temas globais, conferências mundiais sobre mulheres, sobre crianças, sobre habitação. E criaram os chamados objetivos. Os objetivos que nós, subdesenvolvidos, temos que cumprir. E quando tivermos cumprido, pronto; mas até lá… Claro que esses déficits no campo da saúde e nos outros campos, enfrentá-los é muito importante. Mas uma coisa não substitui a outra porque as relações são desiguais entre os países: de um lado ex-colônias e de outro, ex-metrópoles”.

Na abertura do evento, o presidente da Abrasco Gastão Wagner também compartilhou uma análise interessante que se liga a de Samuel por refletir sobre o horizonte de saídas para essa situação de subalternidade que tanto cria obstáculos à efetivação dos direitos sociais, como a saúde. Ele brincou que o “sanitarista” Antonio Candido tinha uma caracterização para as diferentes atitudes brasileiras diante das desigualdades do país. O primeiro grupo seria constituído pelos opressores. “Pessoas autoritárias, que querem mais autoritarismo, mais concentração econômica”, descreveu Gastão. Mas é na distinção entre o segundo e o terceiro que repousa a chave para compreender o Brasil, acredita.

“O suposto [grupo] contra o status quo é chamado por ele [Candido] de gente que tem consciência amena do atraso. É formado por grande parte da nossa elite, que ter poder de vocalizar sua mensagem e diz que não tem jeito para o SUS, para a violência, para as cidades, que o Brasil é um país do capitalismo periférico não tem saída”, disse. E emendou: “O terceiro grupo é o da consciência agônica do atraso, que acredita que não dá para ficar no marasmo, no chororo, na dramatização como se o SUS fosse pouco, como se termos fechado 50% dos leitos nos hospitais psiquiátricos fosse pouco, como se ter milhões de estudantes nas universidades fosse pouco. Temos que buscar reconhecer a construção social da esperança”. Reportagem de Maíra Mathias.

Rádio Web Saúde USP gravou o debate sobre austeridade fiscal, que tem tudo a ver com esse papo.

SUS, 30 ANOS

Ontem foi lançada no Abrascão uma edição especial da revista Poli, editada pela Escola Politécnica de Saúde da Fiocruz. Fala sobre os 30 anos do SUS: seus antecedentes, os embates ideológicos na época de sua elaboração, as possibilidades de existência no contexto atual do capitalismo, quando o Estado de Bem-Estar social segue sendo desmontado mesmo nos países ricos. Também fala de educação profissional para os trabalhadores técnicos da saúde, tira dúvidas sobre os (des)caminhos do financiamento do Sistema, dentre outros assuntos. Vale a pena a leitura.

CADÊ?

Logo mais, às 10h, acontece no Abrascão o lançamento de um aplicativo que promete. Se chama Onde está o dinheiro da saúde? e foi desenvolvido pela Fiocruz Pernambuco. “Queremos ajudar a traduzir informações sobre os investimentos em saúde nas diferentes esferas de governo: municipal, estadual e federal do Brasil. A ideia é transformar dados contábeis e da administração pública, que estão no Sistema de Informações sobre os Orçamentos Públicos em Saúde (Siops), em informações acessíveis. Assim, qualquer cidadão brasileiro pode acompanhar os investimentos em saúde na sua cidade – sejam aqueles feitos com recursos próprios de seu município ou investimentos realizados pelos governos estadual e federal na sua cidade”, explicou a pesquisadora Islândia de Souza, que está á frente do projeto, em entrevista ao Campus Virtual Fiocruz.

DRAMA SEGUE

Nada menos do que 94 crianças vítimas da política anti-imigração de Donald Trump seguem sem saber a localização de seus pais. Ontem, o governo devolveu 1,8 mil crianças – mas 711 “não são elegíveis”, segundo a linguagem burocrática. A maioria – 431 – sofre porque os pais não estão mais nos Estados Unidos, enquanto 120 delas foram abandonadas pelos pais, que renunciaram ao direito de reunificação familiar. E 67 não podem ser devolvidas pois os pais são considerados um risco por seus antecedentes penais. Falamos nesta reportagem sobre os danos à saúde infantil provocados por essa situação de estresse, além das denúncias de medicalização extrema das crianças nesses abrigos.

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