Falta ciência no debate sobre drogas

Os debates do Abrascão, a SBPC no debate das drogas, a contaminação de meninas por HIV e muito mais

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Os debates do Abrascão, a SBPC  no debate das drogas, a carta dos secretários de saúde, a contaminação de meninas por HIV e o adoecimento em abatedouros.

29 de julho de 2018

ABRASCÃO 2018

Travessia e perspectivas

Duas grandes discussões sobre os desafios e as perspectivas do SUS aconteceram na sexta-feira e vale a pena mencionar os relatos, que saíram ontem. Numa, dialogaram José Gomes Temporão e Gastão Wagner, e tem um ótimo resumo aqui. Temporão falou da construção da universalidade e resumiu as dificuldades que enfrentamos nessa caminhada: o “baixo grau de consciência política sobre a saúde” no país, o fato de que o SUS nunca foi uma política hegemônica nos governos, a oposição da mídia e a postura do movimento operário organizado, que, embora tenha feito a defesa retórica do sistema, optou na prática por lutar por planos de saúde, o que se estendeu para os próprios trabalhadores do SUS.

E as perspectivas? O que fazer? Gastão Wagner fala que existem muitos pontos a favor dos movimentos que defendem o SUS, mas que a maior parte da população está com dificuldade de encontrar canais políticos de confiança. “E está faltando a gente deixar claro o nosso projeto para o direito à saúde. É o SUS. Precisa ser um pouquinho mais detalhado. As pessoas precisam entender por que tem tanta coisa ruim, e porque elas sentem que podem não ter mais direito a qualquer momento”.

Em outro espaçoJairnilson PaimLigia Bahia e Sonia Fleury. Paim pôs na mesa a necessidade de transcender o ‘pensar’ e agir mais concretamente para avançar na Reforma Sanitária – segundo ele, o ‘pacto da Constituição’ não foi cumprido. Sonia Fleury, ao contrário, avalia que o pacto sequer existiu: o que houve foi uma ‘janela de oportunidade’ para a construção do SUS (mas concorda que a Constituição foi de fato sabotada desde a promulgação). Ligia Bahia falou das dificuldades e conflitos nos três poderes.

E a mobilização social esteve no centro de uma conversa entre Antonio Martins, editor do Outras Palavras, e Lucia Souto, presidente do Cebes (ontem, como comentamos aqui, foi lançada a 16a Conferência Nacional de Saúde).

Foco errado

Já dissemos que, no pré-Congresso, foi feito um alerta de que pode haver nova epidemias de zika. E a gente sabe que o Brasil vive às voltas com surtos e epidemias de outras doenças transmitidas por mosquitos, como a febre amarela e a dengue. No Abrascão, conseguimos encontrar uma pesquisadora que faz uma ótima discussão crítica sobre nossas estratégias de prevenção, basicamente focada na guerra aos mosquitos: Lia Giraldo, pesquisadora aposentada da Fiocruz e membro da Abrasco. A conversa também foi conduzida por Antonio Martins.

Contra o pacote do veneno

Foi ontem o lançamento da última versão do Dossiê da Abrasco contra o PL do Veneno e a favor da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (ele pode ser lido aqui). Nossa jornalista Raquel Torres conversou com Fernando Carneiro, um dos organizadores do documento. Além de explicar o PL, ele comenta que, apesar de já conhecermos vários efeitos nocivos dos agrotóxicos, há ainda outros sendo descobertos com o tempo. Por exemplo, há evidências de que seu uso está levando ao surgimento de bactérias resistentes a antibióticos.

As entidades favoráveis ao PL têm se manifestado, e o Correio Braziliense, que noticiou o lançamento do Dossiê, traz também alguns de seus argumentos. Elas contestam a informação de que o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo – o cálculo, dizem, deveria ser feito não em termos absolutos, mas considerando o total de alimentos produzidos. Se for assim, ficamos em 13o lugar, atrás de países como EUA, Itália, França, Alemanha, Austrália e Canadá.

Também rolou no Abrascão um bate-papo com Raquel Rigotto (pesquisadora da UFC), Silvio Tendler (cineasta que dirigiu o documentário O veneno está na mesa) e Marina Fasanello (da Fiocruz). A questão central? O papel da comunicação na luta contra os agrotóxicos.

Saúde indígena

Discussões sobre a política de saúde indígena estiveram em algumas atividades, e um nome historicamente importante para essa construção foi um dos palestrantes: Ailton Krenak, do Núcleo de Cultura Indígena de Minas Gerais, teve papel ativo para pressionar pela inclusão dos direitos indígenas na Constituição de 1988.

Direito ao aborto

Num momento em que pipocam pela América do Sul várias mobilizaçõesnesse sentido, uma mesa do Abrascão reuniu pesquisadoras do Uruguai (onde o aborto foi legalizado em 2012), da Argentina (onde um projeto já passou pelos deputados e aguarda análise do Senado) e do Brasil (onde as expectativas estão no judiciário). Na Argentina, como aqui, o procedimento é hoje permitido em alguns casos, como os de estupro. Mas, também como aqui, o acesso não é simples. “para se ter ideia da magnitude das barreiras, três mil jovens menores de 15 anos que foram vítimas de estupro todos anos têm filhos frutos dessa violência”, denunciou Ramos.

E NO PARÁ…

Foi lançada a carta de Belém redigida pelos secretários municipais, que estiveram reunidos no congresso do Conasems. Entre outras coisas, eles propõem um modelo de atenção à saúde ascendente, que parta das necessidades dos territórios, ampliar o Programa Mais Médicos, debater a Lei de Responsabilidade Fiscal, rever as renúncias fiscais e articular a revogação da Emenda 95.

Também rolou um debate entre presidenciáveis – Manuela D’Ávila e Guilherme Boulos participaram. E os premiados na mostra Brasil: aqui tem SUS também foram divulgados.

FALTA CIÊNCIA NO DEBATE

É muito evento acontecendo junto: em Maceió, do encontro anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência saiu uma moção condenando a política brasileira de drogas. O documento vai ser entregue aos três poderes e, cheio de referências a evidências científicas, critica justamente a falta de ciência no debate. Um dos autores da moção, o neurocientista Sidarta Ribeiro, conversou com Gabriel Alves, da Folha: “Existem fartas evidências da economia, da sociologia, da antropologia, da farmacologia, dos diversos ramos da medicina. O texto aprovado é muito claro em dizer que o problema não é só a proibição de certas drogas, é a glorificação de outras.

Em diferentes avaliações, o álcool consta como a droga mais perigosa para o organismo e para a sociedade. Não estamos propondo que nada seja proibido, mas tudo deve ser regulamentado”.

A CADA TRÊS MINUTOS

Um relatório do Unicef informa que, a cada três minutos, uma adolescente de 15 a 19 anos é infectada por HIV e, nessa faixa etária, o sexo femininorepresenta dois terços das infecções. Entre os motivos, “relações sexuais precoces, inclusive com homens mais velhos, relações forçadas, a relação de força que não permite dizer não, a pobreza e falta de acesso aos serviços de aconselhamento e exames”

NOS ABATEDOUROS

A história de uma mulher que adoeceu após trabalhar em um abatedouro de aves nos EUA é o ponto de partida desta reportagem do Intercept. Jessica Robertson não teve  ‘apenas’ de problemas de lesões por esforço repetitivo, mas também intoxicação devido aos produtos usados para higienizar as carcaças, em especial um chamado PAA. A matéria investiga os riscos associados a esses químicos. O perigo não é só para os trabalhadores: a carne  também é frequentemente pulverizada com o PAA para prevenir o risco (real) de contaminação dos consumidores por bactérias perigosas. Na União Europeia, essa pulverização não é permitida e o controle é feito de outro modo, com a higienização de todos os espaços da cadeia de produção.

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