Aborto: semana importante no Brasil e na Argentina

Discussões aumentam quando se aproximam aqui as audiências públicas do STF e, lá, a votação do Senado.

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Discussões sobre aborto aumentam quando se aproximam aqui as audiências públicas do STF e, lá, a votação do senado. Essa e outras notícias aqui, em onze minutos.

30 de julho de 2018

NO STF, DISCUSSÃO SOBRE ABORTO SE APROXIMA

Vão acontecer audiências públicas lá, nos dias 3 e 6. Está em discussão uma ação do PSOL que pede a descriminalização para gestações de até 12 semanas, mas o julgamento mesmo ainda não tem data. E o tema foi capa da Folha ontem. Na manchete, o fato de que, em dez anos, o SUS gastou quase R$ 500 milhões com complicações por aborto, sendo 75% deles provocados. Foram 2,1 milhões de mulheres internadas entre 2008 e 2017 e, de 2000 a 2016, pelo menos 4.445 mulheres morreram. Os números são de um relatório inédito do Ministério da Saúde concedido ao jornal. A pasta disse em nota que não vai se posicionar, mas, em um texto enviado ao STF, alega que está cada vez mais difícil diminuir as mortes sem que se considere reduzir as restrições à interrupção da gravidez. O jornal também elencou perguntas e respostas sobre isso.

O fato de que as mulheres mortas têm classe e raça definidas não é só uma percepção, mas um dado concreto. Esta matéria diz que entre mulheres negras a taxa de morte é quase o dobro do que entre brancas e que, pra quem completou só o ensino fundamental, o índice também é quase o dobro da média geral. Para além dos números, a reportagem traz a história no mínimo emocionante de Ingriane Oliveira, de Petrópolis (RJ), que morreu após um aborto inseguro aos 31 anos. Só estudou até a sexta série, trabalhava desde os 18 anos em  funções como empregada doméstica e cozinheira e, dois meses antes de morrer, tinha conseguido um emprego como babá. Pelas mensagens de celular, queria ter o bebê, mas o genitor não aceitava e ela já tinha outros três filhos, que criava sem o apoio paterno. Em contraste, o caso de uma jornalista que abortou aos 27 anos em uma clínica em São Paulo sem nenhuma intercorrência. A matéria também lembra que uma em cada cinco mulheres de até 39 anos já abortou – 67% têm filhos, 88% têm religião e as maiores taxas são entre negras e indígenas, no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. As reportagens são assinadas por Claudia Collucci, Flávia Faria e Júlia Barbon.

ENQUANTO ISSO, NA ARGENTINA…

Esta é uma semana crucial. A decisão do Senado sobre o aborto  tem data: o próximo dia 8. Há um mês os deputados aprovaram o projeto que descriminaliza amplamente a prática em uma votação super dramática – e quase empatada -, e entre os senadores a situação se complica ainda mais. Até agora, os que votam contra estão na frente, ainda que os números variem dependendo de quem conta. As marchas a favor e contra se intensificam.

E os senadores estão divididos em três grupos. O Pagina 12 explica que uma parte rechaça totalmente o texto, outra quer aprová-lo como veio da Câmara e um terceiro grupo quer aprovar, mas com modificações, como reduzir de 14 para 12 semanas o prazo para interrupção da gestação e incorporar a objeção de consciência institucional em serviços privados. A campanha pela legalização vê a busca por alterações com maus olhos, e a matéria diz que, se quando o texto chegou ao Senado o cenário era de um “claro otimismo”, foi virando  um clima de moderação e incerteza.

CARIDOSOS 

As instituições filantrópicas aparecem muito hoje no Estadão. Uma matéria fala especificamente do Hospital do Câncer de Barretos (que agora se chama Hospital de Amor). Ele atende 100% SUS e uns 40% dos seus custos são cobertos por repasses federais diretos. Os 60% restantes se dividem. Cerca de um terço vem de isenções fiscais, e o resto vem de doações que são pedidas por todo lado – os leilões de gado dão um bom dinheiro. Henrique Prata, diretor de responsabilidade social, reclama que deveria haver mais incentivos para as doações (baseadas nos incentivos fiscais). Ainda tem poucas empresas e pessoas doando, diz.

Já sem mencionar as isenções, esta outra matéria destaca a caridade de um empresário. O dono da Crefisa, José Lamacchia, tratou um câncer em um hospital privado e soube que o setor de hematologia do Hospital das Clínicas da USP estava mal. A matéria diz que o cunhado do empresário era técnico do Palmeiras, “uma coisa levou à outra” e Vanderson Rocha, hematologista do HC, apresentou um projeto de modernização. Foram doados R$ 35 milhões. Agora tem outras áreas fazendo projetos pra arrumar doadores também.

E não só no Hospital das Clínicas. Aqui, como outras unidades de excelência estão em movimento para “profissionalizar seus mecanismos de captação de doações”. O Incor vai lançar o Incor+100, para alcançar R$ 100 milhões por ano, e o A.C. Camargo Cancer Center está abrindo um escritório especificamente para buscar doadores. “O Brasil já há alguns anos vive limitações na saúde pública. Estávamos precisando de uma reforma, fui atrás. Foi tão fácil que me surpreendi, e resolvi me envolver com isso. Estudei bastante, porque há muito espaço para isso no País, mas ainda não temos a cultura”, disse à reportagem Miguel Srougi, professor da Faculdade de Medicina da USP.

PERIGO

O alerta veio de uma leitora: o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual pode conceder, já nas próximas semanas, uma patente, para a farmacêutica Gilead, do medicamento sofosbuvir (usado para hepatite C). Só que a Fiocruz tem capacidade – e aprovação da Anvisa – para fabricar o genérico e, com a produção nacional, a economia seria de nada menos que R$ 1 bilhão. A organização Médico sem Fronteiras escreveu uma carta ao INPI pedindo a rejeição da patente.

ABRASCÃO 2018

Ontem o 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva terminou. Foram mais de oito mil participantes, mais de cem mesas, milhares de trabalhos apresentados e um monte de gente trabalhando nos bastidores para as coisas darem certo. Aqui na newsletter, demos uma boa resumida nos principais temas, graças ao corre-corre de vários jornalistas que se dividiram para fazer uma cobertura colaborativa. É bem provável que, nos próximos dias, notícias continuem chegando.

À tarde, foi lida a Carta do Rio de Janeiro, documento final do encontro, em que estão descritos os compromissos dos presentes. Entre eles, a defesa do direito à saúde e das políticas de equidade e a defesa de um desenvolvimento ambientalmente sustentável, que promova a soberania nacional e que coloque a economia à serviço do bem-estar. O documento também traz uma breve história do movimento pela redemocratização e do nascimento do SUS, com seus avanços, e a descrição de questões que permanecem sem solução, como o financiamento, o favorecimento ao setor privado, os problemas na qualidade na atenção e as desigualdades em saúde em diversos âmbitos – e ainda a crítica aos rumos tomados depois do golpe.

Injustiça social

“Não existe uma explicação biológica para que homens no Haiti vivam 18 anos a menos que no Canadá”, disse sir Michael Marmot, diretor do Institute of Health Equity, numa palestra sábado à tarde. Mas também se engana quem pensa que a relação é só com a pobreza. Embora os números mostrem que há um patamar econômico mínimo, abaixo do qual os resultados de saúde são péssimos, depois que se alcança esse mínimo a relação entre renda e saúde deixa de existir. e é a desigualdade interna dos países que ajuda a explicar os indicadores ruins. Países como Cuba e Costa Rica têm indicadores tão bons quanto os de alta renda, lembrou o pesquisador. Apesar das óbvias dificuldades, ele tem um “otimismo baseado em evidências”, e citou abordagens que, reduzindo as desigualdades, promoveram melhoras. Como, por aqui, o Bolsa Família.

Só problemas

A melhora nos indicadores brasileiros a partir de políticas públicas foi lembrada no grande debate de sábado por Cesar Victora, da Universidade Federal de Pelotas. Só que nos últimos dois anos a desigualdade cresceu e a renda encolheu e, como os progressos nunca são irreversíveis, as vitórias já estão sob ameaça – o aumento da mortalidade infantil é exemplar nisso. Na mesma mesa, Naomar de Almeida filho disse que é preciso ir fundo e buscar “as causas das causas das causas do que produz desigualdade”: tem a ver com a distribuição desigual de recursos econômicos e políticos. A presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, destacou também que a agenda ambiental precisa estar em pauta. e Akira Homma, ex-presidente da mesma instituição, trouxe várias informações importantes sobre as vacinas. Por exemplo: a baixa cobertura no Brasil não é uniforme, e, se o indicado pela OMS é cobrir 95% dos públicos-alvo, há 33 cidades com menos de 10%; 28 com menos de 20%; e 44 com menos de 30%.

Os impactos da austeridade na saúde foram destrinchados por representantes do Brasil, da Espanha e de Portugal que apresentaram os dados já disponíveis sobre seus países. O caso mais grave é o do Brasil, e o pesquisador daqui, David Rasella, é autor daquele estudo que mostrou que, se mantida a política de austeridade vigente, até 2030 vão morrer quase 20 mil crianças a mais do que seria esperado.

Zika

Ainda tem muito pra se descobrir sobre esse vírus, e também muito a se pensar sobre a própria pesquisa em torno dele. Uma mesa redonda sobre as respostas e desafios falou disso. Por exemplo: a maior parte dos 15 mil casos de microcefalia não foram comprovadamente ligados ao virus e ainda não se sabe o que pode tê-los causado. E, por outro lado, a investigação das famílias afetadas não foi acompanhada de uma rede de proteção às famílias, que as protegesse da sobrecarga e garantisse o respeito à sua privacidade.

Um marco

O Congresso teve uma mesa sobre a promoção de atividades físicas no SUS – segundo o coordenador, Inácio Crochemore, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Atividade Física, um marco na aproximação da educação físicacom a saúde coletiva. Houve críticas à ideia de que fazer exercícios é fruto só de decisões individuais, e os determinantes sociais da saúde foram lembrados como sendo importantes também em relação a isso. A cobertura das políticas públicas só atinge 2% dos praticantes e, no SUS, os Núcleos de Apoio à Saúde da Família e o Programa Academia da Saúde estão entre as principais potencialidades.

Muito mais

Houve também discussões sobre Educação Popular em Saúdeprecarização do trabalhopós-graduação em Saúde Coletiva

Para ver

Pra quem acha difícil visualizar isso tudo sem imagens, no Flickr da Abrasco tem várias fotos de todos os dias.

AGENDA

Hoje, a partir das 14h, a Agenda 2030 e os impasses estruturais na América Latina são discutidas por Carlos Mussi, que é diretor do escritório da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) no Brasil. Vai ser online, com transmissão no Facebook e no blog do CEE/Fiocruz.

 

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