1 em cada 6 brasileiros toma remédio psiquiátrico

• O mal-estar entre as populações • Saneamento reduziu esquistossomose e ancilostomíase • Hepatite avança • Governo Lula aprova centenas de agrotóxicos • O problema com os bioinsumos •

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No Brasil, o aumento do sofrimento é um dado marcante, reforçado por estimativas que põem o país entre os primeiros lugares em transtornos como ansiedade e depressão. Como as pessoas buscam aliviar essas dores? Uma nova pesquisa revela que 17,6% da população faz uso de remédios psiquiátricos, 77,7% deles há mais de um ano, embora apenas 5,1% façam terapia regularmente. A procura por ajuda, no entanto, pode estar aumentando: outro dado do estudo registra que 43% começaram a fazer terapia há menos de um ano. Mas as psicoterapias ainda são mais buscadas por mulheres brancas, jovens, com renda mais alta e melhor escolaridade. Em artigo recente publicado no Outra Saúde, a autora Rachel Passos abordou o outro lado da moeda: as mães negras que perderam filhos pela violência policial, tema de seu livro. Ela aponta uma realidade cruel, que corrobora os dados encontrados no estudo recente: muitas mulheres pretas se automedicam para resistir à dor da violência sofrida por suas famílias. “Há uma produção constante de sofrimento psicossocial que contorna as experiências negras e que pode levar ao adoecimento. Portanto, essa produção permanente de dor contribui para que as mulheres negras permaneçam em lugares sociais de sujeição e subordinação”, relata Rachel.

O sofrimento dos que estão à margem

O mesmo instituto filantrópico que verificou a quantidade de pessoas que fazem uso de remédios psiquiátricos, o Cactus, decidiu mapear a saúde mental da população brasileira. Para isso, criou o Índice Instituto Cactus-Atlas de Saúde Mental (iCASM), com uma escala que varia de 0 a 1.000. O Cactus busca preencher a lacuna que foi deixada em 2015, quando o ministério da Saúde deixou de fazer o levantamento Saúde Mental e Dados. A média geral de bem-estar no Brasil, segundo o iCASM, é de 635 pontos, mas é possível verificar que alguns grupos sociais registram maior sofrimento. É o caso de mulheres, jovens, pessoas procurando emprego e a população LGBT+, em especial pessoas trans. A psicanalista Rosana Onocko, presidente da Abrasco, analisou a situação, em entrevista ao Globo, frisando a importância da retomada de investimento na Rede de Atenção Psicossocial. Mas, para ela, o problema vai além: “A solução não vai vir apenas de mais acesso a tratamentos. Ele é preciso, mas é difícil falar em saúde mental em uma sociedade desigual e segregada como a nossa, com tantos gargalos. Pelo ângulo que você analisar, a saúde mental no Brasil pede socorro”. Rosana também analisou a profusão de medicamentos psiquiátricos: “Nossa civilização é pouco acolhedora, pouco solidária, os regimes de trabalho são muito exigentes e frustrantes, e muitos acham que vão resolver apenas com remédio”.

Como os esgotos reduziram a prevalência de doenças por vermes

Um estudo realizado pela Fiocruz Minas analisou inquéritos realizados no Brasil entre 1947 e 2015 para verificar a prevalência das principais doenças causadas por vermes, a esquistossomose e a ancilostomíase. Os resultados mostraram uma redução significativa na ocorrência dessas enfermidades ao longo das décadas – e o principal fator para essa diminuição foi o esgotamento sanitário. O estudo acompanhou uma evolução histórica das condições de vida da população durante quase setenta anos e traçou um panorama sobre os determinantes do declínio dessas doenças em todo o território nacional. Além do saneamento, fatores como urbanização, condição de ocupação do domicílio e PIB per capita também influenciaram a redução das doenças. “Embora ao longo dessas sete décadas, as políticas de saneamento tenham sido instáveis e descontínuas, as intervenções voltadas para a melhoria do acesso à rede de esgoto contribuíram significativamente para reduzir a prevalência das doenças. Isso significa que, se tivermos políticas mais consistentes, os resultados serão ainda melhores”, afirma Mariana Cristina Silva Santos, responsável pela pesquisa.

Transmissão de hepatite avança e OMS alerta

A Organização Mundial da Saúde se posicionou em relação ao aumento dos casos de hepatites virais B e C no mundo e informou que no atual ritmo a doença causará mais mortes do que malária, tuberculose e HIV juntos, até o ano de 2040. Contribui para isso o menor controle da doença, uma vez que uma quantidade exponencial de seus portadores desconhece estar infectada. Questões de prevenção sexual e higiene são fatores preponderantes para a transmissão do vírus, que também pode ser passado de mãe para bebê. Ainda assim, a OMS lembra que a doença é controlável e curável caso haja políticas eficientes de rastreamento e tratamento. Através de seu diretor, Tedros Adhanom, o órgão afirma estar disponível para o desenvolvimento de ações de combate à hepatite nos sistemas de saúde dos países mais necessitados.

Em 2023, ritmo de aprovação de agrotóxicos segue padrão do governo Bolsonaro

Um dado do governo Lula causa constrangimento entre defensores do meio ambiente e da saúde. É o número de agrotóxicos aprovados nos primeiros seis meses de gestão: foram 231 até 13/7, o que supera o recorde anual de qualquer outro governo do PT anterior e se iguala ao primeiro ano de mandato de Jair Bolsonaro. Esse libera-geral é facilitado por um decreto do ex-presidente, de outubro de 2021, que estabeleceu regra para acelerar os trâmites na liberação dos químicos. Hoje, o prazo limite para emissão de registro de um novo agrotóxico é de dois anos – caso não seja concedido a tempo, o produto é beneficiado com uma autorização temporária. As aprovações ficam a cargo do ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, hoje sob o comando de Carlos Fávaro (PSD-MT). Há quem minimize o número, afirmando que a maior parte dos agrotóxicos aprovados em 2023 seja, na verdade, a versão genérica de outros que já tinham autorização para venda. Em entrevista à Folha, o sanitarista Fernando Carneiro, do grupo de trabalho de Saúde e Ambiente da Abrasco, lamenta que a pasta continue alinhada ao agronegócio, mesmo com a mudança de governo: “Quanto mais agrotóxicos disponíveis, maior o risco à saúde, mesmo que sejam produtos genéricos, pois a aprovação mais rápida pela similaridades também gera riscos”.

Crédito: Folha de S. Paulo

Por que é preciso regulamentar os bioinsumos

O mercado de bioinsumos está experimentando um crescimento expressivo no setor agrícola, com previsão de crescimento anual de 50%. Esses insumos de base biológica, utilizados na nutrição das plantas, controle de pragas e doenças, e até mesmo como alternativa aos agrotóxicos, têm sido considerados fundamentais para tornar a agricultura mais sustentável e reduzir custos. No entanto, pesquisadores entrevistados pelo Valor destacam a falta de um marco legal robusto no setor de bioinsumos. Eles enfatizam a carência de normas que abordem a responsabilização por possíveis danos ao meio ambiente e à saúde humana decorrentes de interações imprevistas entre as espécies. Além disso, ressaltam a importância de proteger juridicamente o patrimônio genético brasileiro contra acesso indevido, como a biopirataria.

Os estudiosos também criticam o Programa Nacional de Bioinsumos, criado por decreto em 2020, argumentando que ele é abrangente e gera incertezas. Eles expressam preocupação com a falta de estudos qualificados sobre o assunto e alertam que a visão simplista de que, por ser biológico, é “bom”, pode levar a problemas. Enfatizam que os bioinsumos são fundamentais para a agricultura de transição, mas é necessário considerar também os pilares social e ambiental para garantir a sustentabilidade. Segundo eles, é preciso evitar que a busca exclusiva pela produtividade leve à negligência da conservação e inclusão das comunidades, destacando que a sustentabilidade requer uma abordagem abrangente e equilibrada.

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