Crianças podem sonhar diferente?
Peça infantil convida a rever arquétipos ao propor, provocadora porém terna, novos papéis para príncipe e princesa
Publicado 24/08/2017 às 18:58 - Atualizado 15/04/2019 às 17:51
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A Princesa Errante e o Príncipe Errado
De 20 de agosto a 24 de setembro, aos domingos, 11h
Teatro do Centro da Terra
Rua Piracuama, 19, Vila Pompeia, São Paulo (mapa)
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“Aqui terá, aqui terá / tudo aquilo que a gente sonhar”
Sonhar é da criança, e também do teatro. A criança, quando sonha, modela a própria massinha do viver. Ninguém sonha sem se sonhar. É muito sério ser criança, principalmente quando é brincadeira.
Modelando a massinha, A Princesa Errante e o Príncipe Errado traz ao palco – do Teatro do Centro da Terra, em São Paulo – uma pergunta um pouco mais complicada: e se o sonho de um/a não combinar com o sonho da/o outra/o? Pode sonhar diferente? Será que somos livres o bastante para sonhar e deixar sonhar?
E se a gente inverter os pontos de vista de figuras típicas com a princesa e o príncipe? A peça faz isso. A princesa – apesar do desejo de sua mãe de que ela fique trancafiada numa torre e espere por um príncipe que a redima – quer mais é rodar mundo, viajar, viver aventuras e conhecer reinos distantes. Já o príncipe – apesar do desejo de seu pai de que seja um másculo guerreiro, monte em seu cavalo e saia por aí a vencer dragões e libertar princesas – vibra mesmo é com as posturas e movimentos do balé.
Aí dá nó. Pois inverter estruturas arquetípicas bagunça todo o sistema. Como fica o rei – e o reino, todos os seus súditos – no meio disso tudo? O que faz o rei com um príncipe que não cabe na armadura que já vem moldada antes dele nascer?
Acredito que uma das coisas mais delicadas dessa peça é que ela reconhece a confusão do rei, que ele vive um impasse, uma dor. Como personificação da justiça e da estabilidade, o rei é refém da rigidez de seu trono. Porém, como homem sábio e amoroso, talvez seja capaz de curar-se e, na reescrita de seu papel, ajudar a curar o seu reino. Será?
Assisti a essa peça em São Carlos, interior de São Paulo, em abril deste ano, e fiquei encantado. Convenci-me de que alguns temas podem ser difíceis de lidar entre adultos, pois logo sacam suas armas, prontos para o duelo; mas, quando propostos às crianças, de maneira direta e respeitosa, esses mesmos temas reconquistam a sua simplicidade original. O que tem de ser, será.
Na perspectiva da criança, diferenças são jeitos de ser, maneiras distintas de sonhar e sonhar-se. Quando a aceitação do outro não é mais possível, será que não é a hora de voltar a ser capaz de se inventar? Humanamente, contar uma história onde as suas dores encontrem paz?
O espetáculo é, pois, terno – cheio de humor, músicas e trocas com o público. Cenário, luz e objetos cênicos são simples e sugestivos, deixam livre espaço para a imaginação das crianças. E o elenco – com a autora do texto, Ana Roxo, o diretor musical, Cristiano Meireles e a atriz e instrumentista Nina Blauth – tem que ser muito versátil, para cantar, tocar, narrar, atuar e conversar.
Sonhei que sim: aqui terá tudo o que a gente sonhar.
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Texto: Ana Roxo
Direção: Ana Roxo e Cristiano Meireles
Direção musical: Cristiano Meireles
Figurinos: Éder Lopes
Iluminação: Carol Autran e Vânio Jaconis
Elenco: Ana Roxo, Cristiano Meireles e Nina Blauth (stand in Alexandre Maldonado)
Técnico de som: André Teles
Produção: Aymberê Produções Artísticas e Cia Auspiciosa
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