Viagem insólita à União Soviética (3)

Em Stalingrado (hoje Volgograd) decidiu-se a história da 2ª Guerra e do século XX. As memórias da batalha estão vivas na cidade e desmentem os que querem, em nome do anticomunismo e dos EUA, apagar a História

Soldados alemães cobertos de neve e gelo durante o inverno na União Soviética, 27 de março de 1944 | Foto: Hulton Archive/Getty Images
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Por Esther Rapoport

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Sejam benvindos à Volgograd!

Esta cidade já mudou de nomes várias vezes e aqui aconteceu a batalha que garantiu a vitória aliada na Segunda Guerra Mundial, nomeada aqui como a “Guerra Patriótica”. Nesse ponto da nossa viagem pela História, precisamos fazer uma importante excursão pela Batalha de Stalingrado, suas origens e consequências, antes de sairmos em campo para passear.

A cidade nasceu como Tsaritsyn em 1598 e chegou ao início do século XX como um importante centro industrial e porto fluvial em posição estratégica. Várias plantas industriais se espalhavam por esse distrito, como metalúrgica, fábrica de tratores e oficinas produzindo todos os implementos que tais industrias necessitavam.

Em 1925, um ano depois da morte de Lenin e da mudança de nome de São Petersburgo, Stalin ficou muito “tocado” com a “singela” homenagem que Tsaritsyn lhe fez ao mudar seu nome para Stalingrado, a cidade de Stalin. Era um presentinho de agradecimento pela sua participação na defesa da cidade durante a Guerra Civil, aquela que aconteceu após a tomada do poder pelos bolchevistas.

Por outro lado, com a eclosão da 2° Guerra Mundial, nada seria mais aprazivel à Hitler do que destruir as cidades que levavam os nomes de seus grandes líderes bolchevistas: Leningrado e Stalingrado. E para conquistá-las, elaborou a Operação Barbarossa.

Nenhuma dúvida sobre o fato de o nazismo ser de extrema direita, não é? Em guerra com o comunismo, certo? Só para garantir que estamos longe daquela nova polêmica pós-verdade!

Voltando ao tema, é necessário entender o real sentido desta operação militar, a maior da 2ª Guerra e quiçá de todas as guerras, desenhada pelo ditador nazista para invadir a URSS. Hitler baseava sua estratégia bélica na ideia de que o próximo Reich germânico precisava de um “espaço vital” para florescer. Lembremos que a Alemanha só se unificou no final do século XIX e não participou da farra europeia das conquistas e colonização do Novo Mundo, Ásia e de boa parte da África. A falta de colônias significava falta de territórios para exploração agrícola, mineral e de mão de obra escrava. O grande território russo era sinônimo deste espaço vital por ser farto em terras férteis, rico em minérios, carvão, petróleo, gás e muitos eslavos para serem escravizados. A União Soviética era exatamente aquilo que Hitler cobiçava, cabia direitinho nos planos nazistas de extensão territorial germânica.

Quando o exército alemão começou a adentrar o território soviético, em 1941, Stalin não acreditou no que estava acontecendo. Havia assinado, dois anos antes, um tratado secreto (pacto Molotov-Ribbentrop) de não-agressão com o líder alemão, com quem estava dividindo a Polônia. Estavam em vigor outros tratados comerciais… não era possível que a Alemanha entrasse em guerra contra seu parceiro do Leste!

E foi esse titubear de Stalin que permitiu que as tropas nazistas chegassem com facilidade às portas das três mais importantes cidades soviéticas: Leningrado, Moscou e Stalingrado. Mas Hitler, do alto da sua arrogância, perdeu a vantagem conseguida com o efeito surpresa que ajudara seus exércitos a penetrar em tempo recorde e sem grandes resistências. Achando que já estava com o troféu na mão, começou a deslocar tropas de uma região para outra, acreditando que as cidades iriam cair sozinhas. Foi atrasando, atrasando, atrasando um ataque final que acabou dando de cara com um inimigo mortal: o inverno. A história se repetia! Napoleão Bonaparte rolava de rir lá na sua tumba…

Mas raciocinemos…. um evento histórico importante, assim como a queda de um avião, não acontece como consequência de um erro isolado. Normalmente é fruto de uma série de movimentos que conduzem os fatos para determinado desfecho. O erro de Hitler se juntou aos acertos estratégicos soviéticos que, passado o susto, se reorganizaram.

Vamos rever, rapidamente, os acontecimentos no Sul da URSS, já destacando que o principal interesse alemão estava ainda mais ao sul de Stalingrado: os poços de petróleo na região do Cáucaso.

Assim que Stalin e seus generais caíram na real, reorientaram suas forças civis e militares. Primeiro deslocaram todas as plantas industriais mais para o leste, longe da zona bélica e adaptaram rapidamente a produção para as necessidades da guerra. Em poucos meses a indústria bélica soviética estava produzindo a todo vapor, abastecendo o front.

Além disso, parte do exército soviético que estava estacionado na Sibéria, e a postos para um ataque japonês que não aconteceu, foi deslocado para Stalingrado, para ajudar seus compatriotas no front mais cruel da guerra. Chegaram em grande número e frescos para a batalha, que consumiu mais de um milhão de vidas.

E para completar a resposta aos nazistas, os exércitos soviéticos usavam a “Política de Terra Arrasada”. Em lugar de oferecer resistência estática, foram retrocedendo, cedendo terreno aos poucos, não deixando o exército alemão cercar e destruir suas tropas. Mas enquanto recuavam, destruíam todas as estruturas abandonadas, inclusive abrigos que seriam estratégicos para proteção no inverno que se aproximava, pontes, estradas e fontes de água.

Os alemães que chegaram em Stalingrado disputaram as ruínas da cidade centímetro por centímetro. Na zona urbana os russos estavam em vantagem porque era uma guerra de guerrilha entre os escombros, região inacessível para os grandes tanques de guerra germânicos. Disputavam cada edifício, ou parede que sobrara, cada quadra, casa porão, terreno muito mais conhecido dos locais do que dos invasores que, além disso, não estavam tão acostumados ou preparados para o frio soviético, que chegou fortíssimo naquele inverno, entre 1942 e 1943. Acima de tudo isso, as dificuldades encontradas pelos alemães, como frio e fome, iam abatendo sua moral, ao mesmo tempo que fortaleciam o ânimo daqueles que defendiam sua terra, sua nação, sua Pátria.

O desfecho dessa batalha a gente conhece. Parte dos exércitos alemães completamente cercados e rendidos, e os russos empurrando o que sobrou da força de guerra germânica para o oeste, ocupando os territórios entre a União Soviética e a Alemanha e já desenhando a zona que ficaria sob sua influência no pós-guerra, a Europa do Leste, até chegar e ocupar Berlim, determinando a derrota alemã.

Com isso vamos combinar que foi uma fake histórica aquela deslizada cometida por Roberto Benigni, e que me irrita muito até hoje, em seu filme “A vida é bela”. Refiro-me à cena do tanque americano liberando Auschwitz, campo de concentração alemão na Polônia ocupada, tremenda mentira cinematográfica, feita sob medida pelo diretor italiano para ganhar a simpatia do público americano e o Oscar de melhor filme estrangeiro, que deveria ter ido para o maravilhoso longa brasileiro “Central do Brasil”.  

Outra reflexão que Stalingrado nos deixa é sobre quem venceu a 2ª Guerra Mundial. Não dá para contestar: foram os soviéticos que derrotaram a Alemanha. Hitler perdeu sua guerra exatamente onde apostou mais fichas. Mas os soviéticos terminaram o conflito com mais de vinte milhões de mortos, escombros por todos os lados, tendo que reconstruir uma nação enquanto iniciava uma outra guerra, fria, com os Estados Unidos.

Já os norte-americanos entraram tardiamente na guerra, só depois da Alemanha ter aberto o segundo flanco, o que certamente ajudaria na sua derrota.

Não tiveram batalhas em seu território. Discute-se hoje sobre a verdade de Pearl Harbor. Documentos revelam que Washington sabia dos planos japoneses e deixou que o ataque acontecesse, com o cuidado de enviar previamente os porta aviões mais modernos em missões distantes e garantindo que o bombardeio anunciado destruísse apenas naves obsoletas. Mas por quê? Porque Roosevelt queria uma desculpa para entrar na guerra! (Alguma semelhança com 9/11?)

Os EUA foram os grandes ganhadores da 2° Guerra Mundial. Com a Europa arrasada, lançaram o plano Marshall de empréstimos aos Estados europeus para reconstrução de seus países, sempre que contratassem empresas ligadas aos interesses norte-americanos.

Voltando a Stalingrado, vamos acompanhar a reconstrução completa da cidade no pós guerra, totalmente planejada e seguindo o melhor da arquitetura soviética.

Alguns lugares receberam destaque especial, como a colina de Mamayev Kurgan, ponto estratégico durante a Batalha e que foi disputado palmo a palmo. Hoje abriga um memorial e a famosa estátua da Mãe Pátria, de 85 metros de altura, praticamente do tamanho do Estátua da Liberdade, com a diferença de que não tem um pedestal: a imagem está esculpida desde o nível do solo, o que a torna ainda mais monumental.

Outra visita é o Museu da Batalha, com um grande acervo de documentos e artefatos que contam parte da história. Alguns elementos na cidade recebem destaque especial pelo único fato de terem sobrevivido à guerra, como um poste de luz e uma árvore.

Mas a roda da História não parou para Stalingrado. Com a morte de Stalin e o movimento subsequente de revelação de seus crimes, conhecido como “desestalinização” da União Soviética, a cidade foi, em 1961, novamente rebatizada, agora rendendo homenagem ao rio que a atravessa.

Esta é, resumidamente, a história de Volgograd. E esse é o ponto final de nosso roteiro pela União Soviética, uma viagem para quem não quer apenas fotografar estátuas e paisagens, mas caminhar por onde já andaram grandes e pequenos personagens da História da Humanidade, entendendo seu significado e aprendendo com suas lições.  

Obrigada pela companhia!

P.S. Uma dica de um filme (italiano) sobre a Batalha de Stalingrado, realizado no período soviético, é o emocionante “Girassóis da Rússia”, com Sofia Loren e Marcelo Mastroiani. Vale a pena rever!

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7 comentários para "Viagem insólita à União Soviética (3)"

  1. Edson Luiz Gomes Guimarães disse:

    Minha conclusão pessoal, sobre a História Humana no século XX, A História é uma grande mentira, adaptada ao sabor dos povos dominantes.

  2. Oscar Santos disse:

    Ah sim, Stalin foi um gênio bonzinho, libertador, um campeão dos direitos humanos, uma pessoa tão ingênua e inocente e a Mãe Rússia foi um palco de liberdades e não matou milhôes com a exportação de sua revolução fracassada matando e mutilando civis, inclusive nos campos soviéticos! Precisa ser cara-de-pau para acreditar que não há doutrinação comunista no Brasil, o artigo e o livro são prova de que muito dinheiro é empregado para “comprar” esses doutrinadores e adoradores do comunismo/socialismo/facismo na tentativa de demonizar os EUA. O interessante é que os comunistas construíram um muro não para manter pessoas fora, e sim para aprisionar os que estavam dentro.

  3. Felipe A. disse:

    Maravilhosa essa coletania ! Adorei ler tudo e me senti parte da viagem e da historia. Espero poder visitar esses lugares um dia !!

  4. Antonio Martins disse:

    Thanks, Andy. We corrected the phrase, for “Auschwitz, German concentration camp on occupied Poland”.

  5. Antonio Martins disse:

    Thanks, Jakub. We corrected the phrase, for “Auschwitz, German concentration camp on occupied Poland”.

  6. Jakub disse:

    The term Polish extermination camp’ is incorrect.  The German Nazis established the ‘extermination  camps’ on occupied Polish soil.  The camps were not Polish as implied by the comment.  Please correct the error. Polish Media Issues, http://www.polishmediaissues.online

  7. Andy disse:

    You should correct a serious error. You write: “…. liberando Auschwitz, campo de concentração polonês…. . It is an erroneous information. The corrected phrase should be “… campo de concentração alemão… “. All concentration camps at the territory called then Greater Germany, including Auschwitz, were German Concentration Camps. It would be advisable that you implement correction as immediately as possible.

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