Uma trajetória em movimento e polêmica

A militante que fustigou o capital por três décadas foi também a teórica que se opôs tanto à impotência da esquerda quanto ao autoritarismo em nome da revolução

Ficha antropométrica de Rosa na prisão de Varsóvia. Antes de tornar-se figura central do movimento revolucionário alemão, ela sacudiu a Polônia dominada pelos czares russos
.

Por Eduardo Mancuso

Rosa Luxemburgo nasce em 5 de março de 1871 em uma pequena vila polonesa, no seio de uma família judia de classe média. A Polônia vivia sob o domínio do império russo e os pais de Rosa defendiam idéias anticzaristas. Ela foi educada com os seus cinco irmãos na capital, Varsóvia, e ainda criança um erro médico a deixou manca pelo resto da vida. Rosa começa sua militância no movimento socialista ainda quando estava na escola secundária.

Em 1889, ano da fundação da Segunda Internacional, Rosa foge da Polônia a fim de não ser deportada para a Sibéria. Vai para a Suíça estudar economia na universidade de Zurique, onde entra em contato com eminentes marxistas russos exilados, como Vera Zassulitch e Plekhanov. Em 1890, chega à Suíça o futuro companheiro de Rosa, Leo Jogiches e eles passam a integrar no exílio a direção do Partido Socialdemocrata da Polônia.

Após completar o seu doutorado sobre a industrialização da Polônia, Rosa parte para a Alemanha, burlando a legislação do país contra estrangeiros através de um casamento “arranjado” com o filho dos seus amigos e hospedeiros em Zurique. Desta forma, em 1898, ela chega a Berlim, ingressando no maior partido socialista da época, o PSD de Karl Kautsky (principal teórico do partido e da Internacional), August Bebel (dirigente histórico do socialismo alemão), Clara Zetkin (feminista fundadora da Internacional) e Franz Mehring (primeiro biógrafo de Marx).

Rosa passa a escrever na revista teórica do partido , a Neue Zeit (Novos tempos), dirigida por Kautsky. É nas páginas desta revista que o teórico da ala direita da socialdemocracia, Eduard Berstein, entre 1898 e 1899 publica suas teses revisionistas. Berstein tentava demonstrar que o programa e a tática do movimento socialista precisavam se adequar à nova realidade que, segundo ele, desmentia as concepções de Marx e Engels. Rosa ataca as teses revisionistas em sua obra Reforma social ou revolução? , denuncia o esquematismo teórico e o oportunismo político de Berstein, que abandona não apenas o marxismo como a luta pelo socialismo. Para Rosa, “entre a reforma e a revolução devia haver um elo indissolúvel” no qual “a luta pela reforma é o meio e a revolução social é o fim”.

É também nas páginas da Neue Zeit, que entre 1901 e 1902 Rosa abre uma polêmica com Kautsky sobre a greve de massas como instrumento revolucionário da classe trabalhadora. Nesse debate Rosa teve a perspicácia de perceber, antes de todos (Lenin inclusive, que considerava o dirigente alemão como referência teórica), que a “ortodoxia” marxista do principal teórico e dirigente da Segunda Internacional encobria uma prática política reformista, que pouco se diferenciava da ala direita do partido e da burocracia sindical.

Em 1904, Rosa publica Questões de organização da social democracia russa, polemizando com as posições de Lenin sobre o partido revolucionário (revelando pontos em comum com as críticas do jovem Trotsky). A revolução russa de 1905 inicia em janeiro e a experiência histórica da primeira revolução do século XX marca profundamente Rosa Luxemburgo, influenciando decisivamente seu pensamento e levando-a a escrever Greve de massas, partido e sindicatos. Nessa obra, ela enfatiza a capacidade revolucionária da classe operária e defende a greve de massas como a forma paradigmática da revolução. Para Rosa, a consciência de classe nasce da própria luta e da ação das massas. Ela havia aprendido com Marx que é através da práxis revolucionária que homens e mulheres transformam o mundo e a si mesmos.

A partir de 1907, Rosa passa a trabalhar na escola do partido. Entre 1908 e 1909 escreve A questão nacional, opondo-se às teses de Lênin sobre o significado revolucionário das lutas das minorias nacionais oprimidas. Para ela, a autodeterminação nacional é irrealizável nas condições do capitalismo imperialista, e no socialismo perderia importância, já que as fronteiras seriam abolidas. Nesse debate entre dois gigantes do marxismo, o realismo político e o gênio estratégico de Lenin superam dialeticamente (conforme mostra a história dos processos de descolonização do século XX) as posições “utópico-ortodoxas” de Rosa Luxemburgo sobre a relação da questão nacional e a luta pelo socialismo.

Em 1912, Rosa conclui sua obra teórica de mais fôlego, A acumulação do Capital, tendo o imperialismo como tema central. Em 1914 a Primeira Guerra Mundial marca a derrocada da Segunda Internacional, com a maioria da social democracia europeia apoiando os seus respectivos países e capitulando ao social-patriotismo. A esquerda do partido alemão reage contra a traição social democrata fundando a Liga Espartaco  (homenagem ao líder da revolta dos escravos romanos), tendo Rosa Luxemburgo, sua amiga Clara Zetkin e Karl Liebknecht (único deputado a votar contra os créditos de guerra no parlamento alemão) à frente do movimento internacionalista que será o embrião do partido comunista na Alemanha.

Frente ao horror da guerra, que provoca mais de 10 milhões de mortes e a destruição sem igual na infraestrutura dos principais países da Europa, Rosa (parafraseando Engels) proclama um apelo à humanidade: socialismo ou barbárie. Devido a sua militância incansável contra a guerra Rosa vai para a prisão, onde escreve um texto clássico da literatura marxista revolucionária, A crise da social-democracia (e prevê que a guerra imperialista será inevitavelmente seguida por uma segunda guerra mundial), em que proclama a necessidade de uma nova Internacional, assinando o folheto sob o pseudônimo “Junius”. A divisão no interior da social democracia alemã se aprofunda em meio ao desenrolar da guerra, a juventude socialista do PSD adere em massa aos espartaquistas. Ainda na prisão, em 1918, Rosa escreve A revolução russa, obra crítica, mas absolutamente solidária com o partido bolchevique, a quem reconhecia como a verdadeira vanguarda da revolução mundial, apesar de criticar a pretensão em transformar a estratégia vitoriosa na Rússia em modelo para toda a esquerda internacional.

Em A revolução russa, Rosa alerta sobre o perigo mortal para a revolução socialista da ausência de democracia em todas as esferas políticas:

“Sem eleições gerais, sem liberdade ilimitada de imprensa e de reunião, sem uma luta livre entre as opiniões, a vida morre em todas as instituições públicas, torna-se uma vida aparente, onde só a burocracia resta como o único elemento ativo.”

Nessa obra, ela também define o caráter e o sentido da democracia socialista nos seguintes termos:

“A tarefa histórica que cabe ao proletariado, uma vez no poder, é de criar a democracia socialista, em lugar da democracia burguesa, e não de suprimir toda democracia. Mas a democracia socialista não começa somente na terra prometida, quando tiver sido criada a infra-estrutura da economia socialista, como um presente de Natal para o bom povo, que, nesse intervalo, sustentou fielmente o punhado de ditadores socialistas.”

Libertada no final de 1918, graças ao início da revolução na Alemanha e a derrubada da monarquia constitucional, Rosa publica o jornal Bandeira Vermelha. A revolução inicia com a irrupção dos conselhos operários e a Liga Espartaco funda o Partido Comunista; Rosa escreve o seu programa sobre o princípio marxista da auto-emancipação:

“A essência da sociedade socialista consiste no seguinte: a grande massa trabalhadora deixa de ser uma massa governada, para viver ela mesma a vida política e econômica na sua totalidade e para orientá-la por uma autodeterminação consciente e livre.”

Inicia 1919, o proletariado de Berlim declara a greve geral e o recém formado Partido Comunista lança o chamado à insurreição. Rosa se opõe a essa política porque entende que as condições ainda não permitiam a tomada do poder, mas fica em minoria e acata a linha aventureirista da maioria. A contra-revolução entra em ação e consegue esmagar essa primeira tentativa insurrecional dos trabalhadores alemães e dos conselhos operários, com a inestimável ajuda de lideranças socialdemocratas como Noske, Scheidermann e Ebert . Esse último confessa: Odeio a revolução como a um pecado mortal. Em 15 de janeiro de 1919, Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht são seqüestrados e mortos covardemente por tropas paramilitares. Como ela havia escrito pouco tempo antes: A ordem reina em Berlim. Em março, na abertura do congresso de fundação da Terceira Internacional em Moscou, Lênin presta homenagem a memória da “águia polonesa”, a “Rosa Vermelha”, teórica do socialismo democrático e da auto-organização da classe trabalhadora.


Leia Também:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *