Ato pró-Bolsonaro em São Paulo

Manifestação bolsonarista apaga tensões Moro-Presidente e parece preparar um golpe dentro do golpe. A manipulação da informação parece garantir corpos na rua em ataque ao STF. Dias Toffoli é a bola da vez.


Saí da estação Trianon-MASP do metrô às 14h30. Tinha visto já pelo menos 5 coxinhas no sistema metroviário, e temi que fosse um encontro massivo. Mas a plataforma da estação de chegada não indicava movimentação excepcional, o que se confirmou no asfalto.

A tarde contava com um sol que aquecia uma tarde meio fria. A avenida estava, como de costume desde a prefeitura de Haddad, aberta aos pedestres. Logo vi um grupo de militantes do Partido Novo, com suas camisetas laranjas na avenida.

Dei um giro e vi que eram 5 carros de som espalhados pela avenida, desde a esquina da rua Peixoto Gomide até o prédio da Gazeta. Na Peixoto Gomide, estava o carro de som do #NasRuas, um grupo ligado ao PSL, bolsonarista. Era o carro maior e era ladeado de dois grandes bonecos infláveis, um com a figura de Sérgio Moro e o outro com Davi Alocumbre. Foi o carro que atraiu mais gente.

Na altura da rua Itapeva estava outro carro de som, identificado por uma grande faixa verdeamarela com os dizeres “Artigo 142 Já”. Este é o artigo da Constituição que prevê a intervenção das forças armadas em caso de ameaças às instituições. Eles chamam isso de “Intervenção Constitucional Cívico-Militar”. Isto é, um golpe militar aberto. Tinha pouca gente na frente, mas as falas eram radicais e de insurgência.

Já em frente à FIESP, o carro do VemPraRua, atraía uma boa multidão (talvez 2 mil pessoas). Um balão amarelo com o logo do movimento adornava o carro, assim como uma faixa “Movimento Direita Digital: o povo não pede, o povo decide”.

O carro seguinte era menor, mas os ares militares eram mais evidentes. Uma faixona presa ao carro trazia “Bolsonaro”, enquanto outra informava que “Esse trio é o Brasil [com os logos de quatro movimentos]. Veta tudo presidente. É hora de você mostrar que é valente. Selva!”. Os logos eram de: Comando Selva, Aliança de Direita do Brasil, Patriotas Lobos Brasil, Guerreiros do Sudeste. Vi vários homens de uniforme militar no palanque.

O último carro ficava em frente ao prédio da Gazeta e era do “Avança Brasil”. Trazia as faixas “somos todos Bolsonaro. Impeachment de Toffoli”.

As multidões em frente aos carros variavam muito, de 100 a 5 mil pessoas, com muito espaço vazio entre eles. Avaliei no total que algo em torno de 10 a 15 mil pessoas estiveram lá. Vinte mil, esticando. O perfil predominante parecia ser o coxinha clássico, homens e mulheres brancos de 50-60 anos, de classe média, alguns com filhos. Havia jovens, mas não muitos daqueles aqueles homens de 30 anos que formam a base militante das agremiações, tais como o moços do Direita São Paulo.

O MBL não estava presente. Eles buscam agora se afastar do presidente e anunciaram uma guinada municipalista.

Predominava a camiseta amarela, com ou sem texto ou figura. Os usuais “Meu partido é o Brasil” estavam lá em grandes números, e muita bandeira do Brasil sobre os ombros.

Notei que tinha bastante cartaz feito à mão, que é um termômetro de capilarização da política na sociedade. Mas estranhei que faltava aquela diversidade anárquica e louca que o cartaz escrito à mão traz: uma mistura do genial com o estapafúrdio. Achei que todas as mensagens, escritas ou faladas, estavam muito disciplinadas, sugerindo cuidadosa preparação prévia. Nos últimos dias antes do impeachment de Dilma, ficou claro que um limiar tinha sido ultrapassado e as mensagens feitas à mão atingiram um grau de invenção e originalidade bem expressivos, malgrado o preconceito e ódio nas mensagens.

Três pautas foram repetidas à exaustão hoje: Lava Toga, Veto à Lei do Abuso da Autoridade, Impeachment do ministro do STF Dias Toffoli. Além disso, apoio à Lava Jato, a Moro e a Bolsonaro.

Fiquei muito impressionado como nem de leve se reconhecia qualquer tensão entre o presidente e o ministro da Justiça. Ou eu ou os manifestantes estamos em bolhas herméticas, sem comunicação com a realidade. Aqui, “eles querem acabar com a Lava Jato” significava a esquerda e os corruptos, protegidos pelo STF. Ou é mentira que Bolsonaro frita Sérgio Moro, tirando a COAF das mãos do lavajatista, mudando a direção da Polícia Federal, e quase tudo que leio no noticiário é fake news, ou então Bolsonaro não está preparado a abrir mão do poder narrativo e mobilizatório que a Lava Jato proporciona a seu campo e celebrou no asfalto o casamento perfeito. Na imprensa de esquerda, a saída de Moro do governo e o rompimento com o presidente são dados como iminentes. Se isso acontecer, percebi hoje que será um terremoto destruidor na extrema-direita e bolsominion vai pirar tentando absorver essa cisão. Hoje na avenida, o par Bolsomoro era uno e indivisível.

Faço considerações mais gerais ao final do texto, depois de relatar detalhes e cenas que testemunhei na avenida. Mas deu para perceber que o carro principal, do #NasRuas, fazia um discurso mais institucional, apenas implicitamente ameaçando e denegrindo o STF e ao Senado, convidando o presidente a radicalizar e vetar a Lei do Abuso de Autoridade, convidando os apoiadores a manter a mobilização nas ruas. Já os outros carros tinham a função de pregar bem mais abertamente a intervenção militar e o fechamento do STF. Muita fala beligerante, de embate e de missão sagrada.

Em suma, pareceu que prepara-se um putsch e eles estão a agitar as bases.

No primeiro carro que visitei, do #NasRuas, o orador dizia que “já tem um mandado de prisão pronto contra agente, se falarmos em fechar o STF. Se formos presos, contamos com a proteção de quem está aqui”. Uma advogada afirmou que fora chamada de puta pelo atual presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, nas redes sociais. Disse que tinha iniciado um movimento “Advogados do Brasil”. Outro orador falou contra o presidente da França, Macron, e gritou “A Amazônia é nossa!”.

Em frente ao carro, uma multidão de umas 2 mil pessoas, com bandeiras do Brasil e uma grandona do Estado de São Paulo. Muito cartaz “Viva a Lava Jato”, “Moro herói nacional” e “Fora Toffoli”. Um dos dois bonecões infláveis que ladeavam o carro trazia a figura de Moro, segurando uma balança e um cartaz onde se lia “Mexeu comigo mexeu com o povo brasileiro”. Só que a cabeça dele foi enxertada sobre um corpo desenhado que não lhe pertencia, o que dava uma torção bizarra à postura do ministro da justiça. Já o outro boneco era o presidente do senado, Davi Alocumbre, segurando uma toga onde se lia “Lava Toga”.

Aí um tenor cantou uma versão da famosa ária Nessum Dorma, da ópera Turandot, que foi trilha sonora de uma das Copas do Mundo. A nova letra era em português e incluía os versos “O Moro vai ficar, a Lava Jato não vai acabar, Bolsonaro irá governar…”. O povo adorou.

Fui ver o próximo carro de som e vi um bololô de umas 100 pessoas com a deputada Zambelli ao centro. Vi uma senhora que segurava um varal com 8 toguinhas de papel preto. Uma faixa verdeamarela trazia “Deltan na PGR”. Uma daquelas estátuas humanas era um homem de asas, elmo e barba, todo coberto de tinta bronze, o que lhe conferia um ar de monumento antigo. Ele segurava uma bandeira do Brasil e muita gente fazia selfie com ele. Vi os cartazes “STF refúgio dos corruptos”, “Inferior Tribunal Federal”, “Desobediência total ao STF já! Não nos representa”, “Contra os desmandos da OAB”, “Veta tudo Bolsonaro”. Vi uma camiseta “Proud of me” e uma camisa do Vasco da Gama – e depois outra do Palmeiras. Vi muitas bandeiras do Brasil imperial ao longo do ato, umas 10 delas.

Vi um Bolsonaro recortado em papelão, em tamanho natural. As pessoas tiravam foto abraçados com ele.

Perto da alameda Casa Branca, uma roda de break dance animava o asfalto, com uma dúzia de adolescente negros. Mas era uma ONG ligada ao meio ambiente, achei que sem ligação com o ato.

Já ao lado, tinha um carro, uma Veraneio preta, adornada com um brasão e a legenda “ROTA Veteranos. Boinas Negras. Telefone 227 3333”. Muita gente ia fazer selfie com eles, muitos entrando no carro e se postando ao volante vestindo a tal boina negra, incluindo crianças.

À altura da rua Itapeva, metros adiante, estava o carro dos militaristas pregando a intervenção. Vi poucas chamadas explícitas de fechamento do STF, mas agora eu lia um cartaz que trazia exatamente isso. As falas no carro eram radicais e o orador descascava o prefeito Bruno Covas, a quem acusava de ser comunista.

O advogado Modesto Carvalhosa falava no carro de som do VemPraRua, que era o carro seguinte, bizarramente ao lado de um enorme retrato de Dias Toffoli. Falou duramente contra o STF e seus ministros, passando o recado do dia. Um cartaz nas mãos de um popular trazia “Alocumbre, Maia cúmplices do assassinato da Lava Jato”, e outro “A Lava Jato prende e o STF solta”.

Caminhei mais e notei que o sapo verde da FIESP tinha sido substituído por um boneco inflável do Bidu, o cachorro azul da Turma da Mônica. Uma exposição dentro da sede da Federação tem por tema o trabalho do Maurício de Souza. Na grade central da avenida, uma faixa “O preço da liberdade é a eterna vigilância”.

Vi passar quatro pessoas que traziam um caixão feito de papelão preto, com as faces de Toffoli, Gilmar Mendes e Marco Aurélio, completo com velas.

Na esquina da alameda Campinas, dois grupos de samba e pagode formavam animadas rodas, cada um em uma esquina. Eram umas 100 pessoas em cada grupo. Parei para ver, era notável que a maioria era jovem e negra, em contraste com os manifestantes. Não era absurdo nem provocação da parte deles – muitas outras bandas realizavam suas performances a despeito do ato e da cacofonia resultante da colisão de ondas sonoras no ar da Paulista. E eles guardavam perfeita indiferença e tranquilidade em relação aos coxinhas, alguns dos quais até estavam a assistir e dançar.

E foi nesse ponto de convergência que tive mais um “momento Glauber Rocha”, que é quando uma cena incandesce, surpreende e formula alguma hipótese sobre o Brasil.

Rolou que o tenor do carro do #NasRuas agora cantava, a capella, o hino nacional no carro do Avança Brasil. A colisão dos sambas com o bel canto cívico do tenor era aguçada pelos helicópteros que sobrevoavam o local e lançavam o ronco de seus motores sobre a multidão. Atrás de mim, a deputada de extrema-direita Joice Hasselman observava tudo, na forma de um boneco inflável de 15 metros onde ela figurava como uma amazona ou mulher-maravilha verdeamarela, de colã e tiara, braços cruzados e olhar decidido.

Me deixei mergulhar na cena e beijei Glauber na boca.

Segui adiante e, em frente à Gazeta, do outro lado da rua, vi pessoas e crianças jogando tomates em cima de um cartaz grande, de plástico, que trazia os rostos de Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Alexandre Moraes e Davi Alocumbre. O texto trazia “#Veta o abuso de autoridade, Bolsonaro. Impeachment já. PT, o mau-labarismo da injustiça. Treine aqui sua mira. Participe. (11) 9879225617 – Ricardo Rocchi do tomataço. Tomataço contra traidor engavetador”.

A rádio Jovem Pan gravava uma matéria no local.

O carro de som do Avança Brasil tinha umas 3 mil pessoas em frente, e trazia também uma bandeira do Brasil imperial, além de um caixão preto de papelão – e um enorme Bolsonaro inflável. Um orador lembrava o povo que hoje é dia do soldado e lascou a falar da missão sagrada do exército e chamando os manifestantes de soldados do povo. Chamou pela “intervenção no STF”. Chamou ainda um canto no esquadro do “Não acabou, tem que acabar, eu quero o fim da polícia militar”: “Herói de farda, pra batalhar, eu quero que viva a Polícia Militar!”. Outro orador afirmou que era preciso “acabar com a esquerda maldita”, que “está querendo acabar com a Lava Jato”.

Em frente do carro, do outro lado da rua, vários cartazes no chão. Dentre eles, “In Moro we trust”, com um desenho de Moro em fantasia de super-herói, assinado por “Ativistas Independentes” e “Amor pelo Brasil. Conservadores”. Outro trazia “Prender ladrão não é abuso de autoridade”, “Lula na cadeia”. Perto, um faixão, também no chão, trazia “Lava Toga urgente”.

Eram 15h45 e dei meia volta.

Ouvi um orador afirmar que “que lindo gente, a Paulista está tomada de ponta a ponta!”. Outro disse ainda que havia “um milhão de pessoas”. Era evidente hipérbole.

Não consegui conversar com ninguém hoje, mas uma mulher veio explicar o seu cartaz, cujo texto eu anotava (“’Ratão’ para o ‘Aníbal Bruno’, unidade prisional de Pernambuco. Deixem a Lava Jato trabalhar”). Ela falou que tinha menos gente hoje que na última manifestação.

Em frente à FIESP, três homens taciturnos sustentavam duas faixas, ao som de canções militares: “Fora políticos de nossa pátria. O exército brasileiro vai ocupar o seu lugar. Polícia Federal, orgulho nacional”.

Nessa hora passou um homem da rua, saco de plástico preto às mãos, barba branca e grande, óculos e um chapéu pontudo de bruxo!

Vi o cartaz “Aprovação da Nova Previdência. Paulo Guedes Já” – a única mensagem fora da pauta.

Cheguei de novo ao carro do #NasRuas e fiquei para ouvir os oradores até o final. Não houve muita novidade nas falas, todas disciplinadamente na pauta. Um moço disse que trabalhou com o ministro Salles por 10 anos. Afirmou que eles tinham vindo à esta mesma avenida em 2016 para protestar, e que ele não era apenas o ministro de Bolsonaro, mas um guerreiro de luta. Afirmou que Salles nunca praticou um único ato imoral ou ilegal em sua vida (o ministro na real foi condenado em primeira instância, em dezembro de 2018, por fraudar o zoneamento ambiental de São Paulo).

Outro moço, de uns 30 anos, boné e barba, fez um discurso de mobilização, mas uma mistura louca de cristianismo, deus e moralismo. Fez um apanhado histórico do Brasil que era meio mítico, inexato e nacionalista. “Fora PT!”, concluiu. Falou também Modesto Carvalhosa, que brandiu o pedido de impeachment de Dias Toffoli. E exigiu o mesmo para o “petista” Ricardo Levandowski e Gilmar Mendes.

O nome do jornalista da Jovem Pan Caio Coppola foi anunciado, e o povo aplaudiu muito, pedindo que ele viesse e falasse ao povo. Mas um locutor disse que por razões contratuais da Jovem Pan ele não podia falar. Um outro orador fez um paralelo entre a híperinflação dos anos 1980 com a “hípercorrupção” de hoje.

A deputada Bia Kicis falou ao microfone e discorreu sobre a estratégia parlamentar para a reprovação da Lei do Abuso de Autoridade. Ela dizia que, apesar de ser este o desejo da bancada, o veto parcial de pontos da lei era uma saída possível para evitar o pior. Mas o povo não aceitou e ficou gritando “Veta tudo!”, muitas vezes. Ela meio que desistiu e deixou quieto. O orador seguinte, do #NasRuas, ainda convidou o povo para cantar “veta tudo” para um “vídeo para o presidente Bolsonaro”. Foi feito.

Já a deputada Zambelli pirou que os presentes tinham que votar numa premiação do melhor deputado\a. Disse que ela estava em primeiro, mas que o deputado Freixo estava em segundo e era preciso “botar o pessoal da direita lá”. Ela afirmou que informações da NASA confirmavam que as queimadas desta ano foram menores do que as de anos anteriores, e que ela tem informações que provam que quem ateou fogo à floresta “são as ONGs”.

Para finalizar, agora já perto das 16h30, o tal tenor veio cantar de novo. Ele cantou uma tal de “Aleluia”, que as pessoas pareciam conhecer e cantaram junto, de braços erguidos e agitação de bandeiras. Ele ainda fez uma fala misturando o dia do soldado, a família, deus, nacionalismo.

Saí fora quando ele começou a cantar uma versão do Pai Nosso. Mas sorri quando a oração misturou com o rockão dos moços da banda na calçada: “We are not gonna take it anymore”.

A dispersão ia começando, mas tive tempo de anotar ainda uns outros cartazes: “Se acabar do STF, certamente acaba a corrupção”, “Macron: Liberté, Egalité, Fraternité e Vaicifudê”, “Olavo is right, Olavo a raison”, “A imprensa é o inimigo do Brasil”, “Eu vim de graça”, “Luladrão, seu lugar é no caixão”, “Se mexer com a Lava Jato o pau vai quebrar”, “A pior ditadura é a do Judiciário, contra ela não há a quem recorrer. Ruy Barbosa”.

Em frente à FIESP, dois meninos de bicicletas eram enquadrados por 4 PMS.

No carro dos militaristas, também se fazia o encerramento. Mas o orador era um homem branco de uns 50 anos, de uniforme e boina militares. Ele falava ao modo evangélico: “Deus vai te curar, se você acreditar, ele vai te curar. Vamos mentalizar deus agora”. Aí tocou uma trilha sonora suave e ele orou de mão ao alto. Fiquei inquieto e saí fora.

Passou um moço negro com uma bandeira da África do Sul aos ombros. Vi pichado na faixa de pedestre “Marielle Vive”.

Vi um grupo de umas 50 pessoas. Um manifestante disse “Esse é o japonês mágico da internet”. Ouvi na esquina da avenida Brigadeiro Luís Antônio, já fora do âmbito da manifestação, um homem negro que cantava a canção “Amanhã vai ser outro dia”, do Chico Buarque. Adiante, estava o moço da hipnose, rodeado de umas 30 pessoas. Vi também um homem que manipulava aqueles marionetes simples que parecem ter vida própria mas que na verdade são movimentados através de fio de nylon, praticamente invisível, um clássico da calçada paulistana. Só que ele fazia sua performance ao som de uma ópera, que ele regia com as mão para disfarçar o controle que exercia sobre a figura na calada. Do outro lado da rua, uma mulher negra cantava uma ária de ópera, sozinha e um tanto isolada na calçada.

Fiquei impactado com a presença do canto lírico no dia de hoje: o tenor com o hino nacional, este marionetista popular e a moça negra. Já me sinto oprimido o suficiente com a necropolítica hegemônica do momento. Se o apocalipse dos dias de hoje ganhar uma trilha sonora ao estilo de Andrea Bocelli, eu não vou aguentar esse nível de barbárie e desisto de tudo.

Caminhei até o boteco. Eram quase 17h.

A minha avaliação final contém os seguintes elementos. Tudo o que vi hoje é consistente com uma radicalização por parte de Bolsonaro. Li no Intercept uma análise de quem segue grupos bolsonaristas de Whatsapp. O autor diz que os grupos da campanha racharam e tem pelo menos uma ala que aposta no desgaste das instituições e aposta no fechamento com quartelada. Pelo o que vi hoje, essa é a aposta de Bolsonaro: o #NasRuas é ligado ao PSL, e a mobilização de hoje se deu numa pauta claramente de confronto institucional: impeachment de Toffoli e outros como senha para fechamento do STF e possivelmente do Congresso.

Fiquei muito impressionado como as análises que leio no noticiário diário não são operantes nesse campo da extrema-direita. O companheiro E já me alertou que as bolhas de direita estão em outra narrativa. Para nós, Toffoli livrou total a cara de Flávio Bolsonaro ao anular processos que se baseassem em relatórios da COAF obtidos sem prévia autorização judicial. Que o ministro do STF agora seja o alvo preferencial da turba me deixa algo perplexo. Demonizar Gilmar Mendes eu entendo, é fácil de associá-lo à oposição à Lava Jato e a soltura de Lula, mas Toffoli…

Além disso, as juras de amor e fidelidade trocadas por Moro e Bolsonaro publicamente hoje alarmaram-me: ou a rede de desinformação bolsonariana é totalmente efetiva na alienação de toda uma seção da população que só se informa na bolha e sai para a rua para praticar a violência na segurança da informação de que dispõe, ou então sou eu que estou desinformado e alienado do real.

Talvez eu tenha testemunhado hoje o que o pessoal da guerra híbrida e da gnose narrativa vem afirmando: as oposições e brigas internas do governo são totalmente artificiais e criadas para dar a impressão de que existe embate interno e que há esperança de ver racha no consórcio do golpe.

Acho que o estilo Bolsonaro está conseguindo manter a mobilização de suas bases. Confesso que tive dificuldade em sentir medo da radicalização dos tiozões e tiazinhas que tomavam a avenida hoje. Para um putsch ou coisa assim faltam os jovens extremistas, as milícias, os evangélicos e os militares. E a própria Lava Jato – não acho possível que a fritura de Moro seja mera ficção. Assisti um pouquinho da Globo News hoje de manhã e vi um ex-procurador da Lava Jato confrontar um advogado que meio defendia o governo, cobrando apoio à força tarefa. Não pode ter sido combinado.

Enfim, acho que tem uma ala do bolsonarismo que está radicalizando e preparando um motim. O descrédito das instituições e a responsabilização da esquerda e do STF em relação à corrupção estão perfeitamente delineadas e há clima para um golpe dentro do golpe. O ato de hoje não foi massivo, mas há desinformação suficiente para operar militarmente dentro dessa neblina.

Escrevi estas linhas e fui para casa.

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