Atos antifa e bolsonarista em São Paulo

Em 31 de maio 2020, no meio da pandemia, dois atos na avenida Paulista em São Paulo desnudam o estado atual do embate político, com ação parcial e provocadora da PM.

Todas as imagens generosamente cedidas por Alice Vergueiro

Saí de casa às 11h de casa para caminhar até o MASP e acompanhar duas manifestações: a antifascista ao meio dia e a bolsonarista às 14h.

O contexto político atual é de extrema incerteza. O STF, através do ministro Alexandre de Moraes, lançou a PF contra o “Gabinete do Ódio”, que é a rede de desinformação do presidente. O golpe foi duro e causou extrema agitação no campo bolsonarista. Eduardo Bolsonaro falou em ruptura, o acampamento dos algo patéticos 300, que está em frente ao STF em Brasília, fez uma marcha noturna à luz de tochas, ameaçando o tribunal.

Além disso, os motins e manifestações em protesto à morte de George Floyd, nos EUA, trouxeram para as telas da sociedade imagens muito fortes de explosão social.

Na esquina da avenida Brigadeiro Luiz Antônio, vi um rapaz de rosto ensanguentado sentado no ponto de ônibus. Tinha sangue salpicado no chão, e uma viatura policial estava estacionada perto. Li depois no El Pais que ele tinha sido atacado por carecas fascistas ao descer do ônibus. O jornal informou que os tais carecas batiam em quem chegava de preto à avenida.

Fiquei com a sensação de que a violência política já tinha começado hoje. Considerei mau augúrio.

Segui pela ensolarada avenida, cercado de bicicletas, casais e gente passeando. A quarentena está em seu nível de adesão mais baixo na cidade.

Passei pela FIESP e vi uns 5 ou 6 bolsonaristas já por lá. Segui adiante.

Cheguei ao MASP às 11h45, e já tinha umas 50 pessoas. Mas também forte contingente policial, umas 3 viaturas e uns 100 soldados, incluindo motociclistas e ciclistas. Parecia que faziam ordem unida, a preparação para as tarefas do dia: distribuíram jalecos verdes e outros aparatos, e, com o tempo, cada unidade saiu para seu posto. Mas aí já era mais de meio-dia, e a intimidação de sua presença era no mínimo implícita.

Mas três manifestantes, senhores de uns 50-60 anos, conversavam com os “mediadores” da PM. Conversavam sobre o vídeo do momento, que é o de um homem que insulta os PMs que vieram checar ocorrência de agressão contra sua mulher, numa cidade do interior. Ele grita “você é lixo, eu ganho 300 mil por mês”.

Imagem: Alice Vergueiro

Notei que a maioria das pessoas, naquele momento, eram homens de 20 a 30 anos, ligados ao futebol, seja por torcidas organizadas, seja por coletivos menores. Assim, vi um contingente da Mancha Verde, o Coletivo Democracia Corinthiana, o Porcomunas, autonomistas, muitas associações e times de bairro, como o “A.A. Cachoeirinha Pery Novo”. Todos usavam máscara, mas a distância entre as pessoas não era de dois metros.

Vi também alguns grupamentos trotskistas, e também o PSTU e o PCO. O PCO trouxe seus tambores e batucava, mas os antifas pediram ao PSTU que não desfraldasse sua bandeira. Foi tudo amigável.

O povo foi chegando e o número total de manifestantes no dia girou em torno de 500 pessoas. No final tinha mais mulheres, e também bastante gente com mais de 50 anos.

Vi camisas do Corinthians, São Paulo, Palmeiras e do Flamengo.

Às 12h fui dar uma checada na FIESP e vi um grande contingente de antifas entrando na avenida, provavelmente a partir da estação Brigadeiro do metrô. Foi muito bonito ver, uns 100 deles, caminhando confiantes pela contramão da avenida. Os coxinhas na FIESP, uns 10, ficaram muito assustados, mas não houve agressão. Segui com o pessoal, pensando como fazia tempo que não caminhava no meio de tanta gente assim. O rumor das vozes enchia a avenida e me senti energizado. Fiquei muito feliz de ver carro que passava buzinando, além de muito entregador que colava junto e festejava.

Vi A e também R, depois A no meio do povo.

Imagem: Alice Vergueiro

Lá pelas 1215, abriram as faixas com “Somos pela democracia”. Uma faixa pequena trazia “Vida longa aos loucos”, adornada pelos brasões do Palmeiras e do Corinthians. Vi outra faixa com “Pela vida e democracia”.

Gritaram várias palavras de ordem e foi o momento intensamente fotografado. O pessoal vazou para a avenida, onde já havia uma coluna de PMS de jaleco verde no canteiro central, além de 4 viaturas do BAEP, a antiga “Tropa do Braço”, por perto. Uma outra linha de PMs bloqueava a avenida à altura da alameda Casa Branca. A ideia era impedir o contato entre os manifestantes dos dois atos. Mas no final rolou que não foi bem assim.

Vi uma camiseta do MTST, uma “Vermelhas”, outra da banda Clash. Vi uma bandeira vermelha e negra.

Tinha bolsonarista que vinha filmar. Um deles falava ao seu celular, dizendo “hoje é o dia em que a gente vai ver vagabundo correr”. Testemunhei um policial que dizia a eles “esse pessoal quer varrer vocês”.

Vi três cartazes feitos às mão, pequenos: “Política decente”, “Basta!” e “Nosso irmão George Floyd”.

Imagem: Alice Vergueiro

Ponderei a questão do isolamento e quarentena. Por um lado era um alívio ver a rua de novo na resistência, pois fazia dois meses que eu só via fascista no espaço público. A presença visível da resistência é muito importante e era incrível ver que somos muitos. Mas, por outro lado, estamos no pico do contágio, e sair à rua apresenta riscos para todos, e no fim parece dar razão aos negacionistas, que diminuem o perigo real da pandemia. Mas o covid-19 rasgou profundamente em termos de classe, e a maioria dos trabalhadores, e precários, já sai e já se arrisca. Estar lá, na resistência, era só mais um momento da exposição cotidiana.

Mas reconheci em mim o que só posso chamar de “imunidade pela fé”, que é a sensação de que, se a pauta é justa e a causa urgente, cercado de compas na boa luta, o vírus não vai pegar. A nobreza da luta não vai deixar. Foi uma sensação, falaciosa, meio difícil de cancelar.

Alternei entre a FIESP e o MASP. O clima na real não era super beligerante, isto é, aquela multidão não estava determinada a romper a linha policial e ir encontrar os bolsonaristas. Teria sido um massacre tentar coisa assim, dado o poder de fogo da repressão.

Imagem: Alice Vergueiro

Mas rolou que muitos antifas foram vazando pouco a pouco para o lado da FIESP, em pequenos grupos. Vi que muitos dos fotógrafos eram da luta, e iam no meio dos fascistas colher depoimentos.

A pauta dos bolsonaristas era a de sempre: fora Dória, fora Maia, fora STF, intervenção militar e agora também a lei das Fake News, a PL 2360\2020. Eles são contra. Fora Globo.

Eram já 12h50 e vi que rolavam umas discussões acaloradas pelo asfalto. Um jovem dizia a uma mulher bolsonarista, que filmava a si mesma: “tenho cara de satanás mesmo!”.

Um senhorzinho bojudo estava muito irado, e falava com raiva com uns moços que o filmavam. Ele gritava que “somos pacíficos, são eles que querem confusão”.

Hoje me segurei muitas vezes para não retrucar ou jogar na cara certas verdades, mas me controlo sempre, pois assim conservo meu “manto de invisibilidade”, que é ser o tiozão do caderninho, inofensivo, que se esgueira pela massa verdeamarela.

Mas deu vontade de perguntar “se vocês são pacíficos, por que dois dos seus estão presos por agressão?”. Referia-me a Jurandir e Bronzieri, desse exato grupo, que foram presos na frente do edifício do ministro Alexandre de Moraes, duas semanas faz, por ameaças ao ministro. Me calei.

Mas deu para ver que a PM ia perder o controle da situação. Vários antifas, dentre os quais corajosas mulheres, puxavam discussão com fascistas e não se intimidavam com cara feia e ameaça.

Ao todo eram uns 20 antifas, e por agora a PM veio tentar fazer uma linha de separação e empurrar os fascistas para a esquina da rua Pamplona. A discussão rolava a rodo vapor, e era fácil ver que os coxinhas se deixavam provocar muito facilmente, o que dificultava o trabalho da PM.

O carro de som tinha chegado antes, mas agora já não estava mais lá.

Imagem: Alice Vergueiro

O grosso dos antifas permaneciam em frente ao MASP, bloqueados por uma linha de uns 30 PMS mais escudos da Força Tática. Já aqui na FIESP, as lideranças bolsonaristas faziam enorme esforço para conter seus patriotas. Não tem preço ver bolsonarista brigando entre si enquanto gritavam “recua, recua!”. Eram uns 60 ao todo, e cantavam coisas como “1, 2, 3, bolsonaro outra vez”, além das clássicas “A nossa bandeira jamais será vermelha!” e “Eu vim de graça!”.

Achei que estas e outras chamadas (“Vai pra Cuba” e “Vai dar o rabo para o Lula, vagabunda!”) denotavam o grau de hipnose e descolamento do real dessa gente. O inimigo que eles combatem é um comunismo genericamente definido. Ocorre que a maioria dos antifas não é comunista ou socialista, isto é, não são “vermelhos”, e no geral muito críticos de Cuba – e de Lula. “Mortadela” ou “corrupto” nem de longe caricaturizavam os jovens ali na luta. A extrema direita precisa do PT.

Dentre os fascistas, vi uma bandeira de Santa Cruz, que é a cruz vermelha sobre branco. Vi cartazes “O STF precisa ser destruído. #ForaSTF”, “O Brasil não pode parar”. Vi uma bandeira de São Paulo.

reNotei a equipe de três policiais que filmavam o impasse: a maior parte dos coxinhas estavam perto da esquina da Pamplona, mas em frente à FIESP ficavam os provocados, num vai e volta de xingamento, gritaria e discussão.

Imagem: Alice Vergueiro

Só que aí um figura saiu do meio dos coxinhas e foi estender uma bandeira na frente de um grupo de antifas. Era a bandeira da coalizão de extrema direita da Ucrânia, vermelha e negra. Já tinha visto a mesma flâmula no carro de som das carreatas bolsonaristas de semanas passadas. Havia uma outra, desta vez amarelo e azul, maior.

Os antifas responderam às provocações dos manifestantes que carregavam as bandeiras do Pravy Sektor, partido neonazistas ucraniano, e bandeiras dos EUA. A polícia interveio, direcionando seu ataque aos antifascistas, e protegendo neonazistas na avenida. Rolou empurra-empurra e corre-corre, e alguns socos singraram o ar. Os atiradores da Força Tática disparam suas armas e as explosões dispersaram os antifas. Contei seis detonações e três bombas de gás lacrimogênio. Os coxinhas vibraram e cantaram “Viva a PM!”.

Fiquei com os bolsonaristas (os antifas saíram fora todos) na esquina da Pamplona. Ficaram nervosos e estavam na defensiva. Um homem grande gritava ao seu celular “mas onde estão vocês? Por que vocês não estão aqui?”.

O careca da bandeira fascista ucraniana ainda caminhava pelo asfalto, e aí um jovem negro antifa, que tinha ficado para trás, começou a gritar muito com ele, atrás da grade, na calçada: “Essa bandeira é racista! Você é racista!”. O figura foi para cima e peitou o moço negro, que olhou no olho e discutiram um tempo. Acabou que acabou, e o moço negro foi para o asfalto, meio perto ainda, ergueu seu o punho e começou a discursar. Uns 20 fotógrafos pularam na frente dele e faziam o registro (vi na internet depois). Os fascistas surtaram e vieram hostilizar, a situação se desfez sem mais, mas a coragem do moço marcou fundo.

Eram 13h45 e as lideranças tinham dificuldade de trazer todos à esquina designada, e as discussões ainda rolavam com uns poucos antifas. “Eles vieram fazer bagunça, não vamos dar esse presente!”. A Pamplona, na esquina da São Carlos do Pinhal, estava fechada pela PM, “pois eles vão subir por lá e nos atacar”, ouvi de uma manifestante. Na esquina da mesma rua com a Paulista, do lado dos Jardins, estava uma coluna da Força Tática, com seus escudos e atiradores. Um grupo foi posar na frente deles, e uma mulher gritava “eu tomo cloroquina para derrotar o comunismo”. O figura ‘ucraniano’ falava desse país para uma câmera de vídeo. Outro maluco gritava muito “Bolsonaro acabou com o toma-lá-dá-cá, Bolsonaro é honesto”. Vi a faixa “Não à censura”.

Quase 14h e vejo um moço negro, catador, empurrando um carrinho de supermercado. Ele dizia “hoje ninguém está bebendo cerveja, porra!”.

Logo passadas as 14h, a Força Tática se posicionou no asfalto: duas colunas de uns 10 escudos, e atiradores. Umas seis viaturas do BAEP vinham atrás. Cada coluna tomou uma via da avenida. Os 10 antifas que estavam perto saíram fora. Os bolsonaristas logo gritaram “Viva a PM”.

Segui com as colunas pela calçada, ao lado de vários fotógrafos e cinegrafistas. Passamos pela CNN e nos aproximamos da alameda Casa Branca, que é a esquina mais próxima do MASP. Notei que outra coluna com atiradores se posicionara à nossa esquerda, na frente. Uma linha de uns 30 PMs de jaleco verde separavm os antifas na frente do MASP. Ao chegarmos, ouvi vozes femininas que cantavam “Ei Bolsonaro, seu fascistinha, a mulherada vai por você na linha!”.

É preciso sublinhar que a multidão não forçava a linha policial, apesar de encará-la bem de perto. Como as colunas da Força Tática subiram a avenida a partir da Pamplona em posição de combate, conforme acompanhei, estava claro que a missão da força policial naquele momento era a remoção total da manifestação pacífica da frente do MASP. Aqueles manifestantes não tinham saído do lugar e não agrediam a linha que os continha, como testemunhei. E não tinham ido provocar bolsonarista.

Além disso, vi o que constituiu pelo menos uma provocação, se não ataque, das forças policiais, conforme relato a seguir.

Deixei as colunas posicionadas para a batalha pero da Casa Branca e subi no muro do lago articial que ladeia o museu, em busca de melhor visão da linha de frente. Observava a situação de cima e notei comoção embaixo do vão do MASP. De repente, 4 homens de uns 50 anos, cara de militar, bojudos, buscavam alcançar a linha policial. O povo os perseguia: eram policiais infiltrados que tinham sido descobertos. Um deles era um nissei com uniforme militar camuflado. Ele recebeu muita pancada enquanto corria, mas tinha algo de estoico e não reagia com demonstração de dor ou medo, ao contrário dos outros. Logo depois passou um moço PM muito jovem, de uns 18 anos, esse sim assustado. Vinha abraçado por dois outros jovens à paisana. Se eram antifas piedosos ou infiltrados também, difícil saber. Ele chegou com segurança às colunas policiais.

Eu vi mais tarde o mesmo nissei no campo bolsonarista. Ele tinha a mão enfaixada e era tratado com deferência pelos PMs do local. Chegou uma viatura e ele entrou nela. Foi embora. Ouvi que era coronal da PM.

Esse foi o estopim para o ataque da PM. A linha de jalecos bateu com cassetetes e as colunas de escudos a atiradores entraram em ação. Um PM cumprimentou o oficial nissei na retaguarda.

Imagem: Alice Vergueiro

O povo recuou pela força de muitas bombas e gás. As duas colunas da Força Tática avançavam lentamente, atirando muito. Parei de contar as detonações em 50. Acompanhei as colunas pela calçada, e o vento por vezes jogava o gás em cima de mim, e tive que sentar e esperar o ardido passar.

O povo passou a jogar pedras, mas não conseguiam chegar perto o suficiente para atingir os PMs.

Imagem: Alice Vergueiro

Observei que uma coluna tinha uns 10 escudeiros e um atirador de cada lado. Cada atirador tem um colega que carrega a bolsa com munição. Tem um comandante que por vezes orienta os tiros. Um soldado faz o corre da retaguarda até as colunas, com munição fresca.

Passado o MASP, na altura da rua Peixoto Gomide, notei que as bancas de jornal davam alguma cobertura aos antifas. Mas pelo menos uma vez um atirador fez rebater os projéteis na parede de um prédio, que, em tabela, fez cair perto dos moços.

Ouvi um PM do trio que filmava a repressão dizer ao colega que carregava a câmera: “tem um ali com coquetel molotov, te falei!”. Fui atrás deles para ver onde a câmera apontava, e não tinha nada daquilo.

Imagem: Alice Vergueiro

Muita gente na janela xingava a polícia. Vi o catador negro do carrinho pegar cartuchos de tiro de borracha, quer eram numerosos.

Imagem: Alice Vergueiro

Ergueram barreiras no asfalto.

Eram 15h55 cortei pela alameda Santos para ir olhar o outro lado. A Santos estava calma e vi vários casais passeando de mão dada ou passeando com o cachorro.

Cheguei à altura do Conjunto Nacional e dei uma olhada em volta. Tinha pouca gente, umas 100 pessoas, umas 30 mais na linha de frente. O resto conversava ou observava.

Notei que o totem da hora (15h07) trazia a publicidade “Anitta fora dentro da casinha”.

Voltei e a coluna tinha avançado pouco, mas ainda atirava muito.

Imagem: Alice Vergueiro

Resolvi checar a concentração bolsonarista. No caminho, vi muita pedra, entulho e cartuchos pelo chão. De uma janela, uma mulher gritava ao megafone: “Fora Dória!”. Passei na frente do prédio da CNN. Eles tem uma tela grande por trás do vidro que exibe sua programação. Estavam exatamente noticiando a repressão, mas eram imagens de uma meia hora atrás, meio surreal.

Cheguei na Pamplona e vi que a manifestação estava em pleno agito. Meu coração pesou um pouco quando observei que tinha até aumentado um pouco: contei umas 500 pessoas. O carro de som estava lá, mais as vuvuzelas, buzinas e também uma pickup com canção gospel-nacionalista. Esse sim era o cenário do bolsonarismo em público – massa sonora, certa histeria e vibração. Reconheci o Paulo Kogos, de novo de templário fake, com sua espada de plástico, óculos escuros e boné, fazendo uma selfie de vídeo para algum streaming alucinado. Novas faixas, daquelas grandes que já vira em semanas passadas, contra Dória agora figuravam no cenário da manifestação (“Dória genocida” etc).

Vi balões brancos com mensagens contra a “Lei Chinesa” contra as fake news, “Não ao sistema 5G chinês”, “Soltem Bronzieri e Jurandir”. Vi uma camiseta “Jesus Transforma”. Um cartaz “Artigo 142 Já, jamais nos calarão!”, outro “Prisão para criminosos de toga”, e finalmente “A instituição STF não deve ser derrubada, mas todos os seus atuais ocupantes sim”.

Vi ainda a bandeira de Israel, e as faixas “SOS Fora Doria. SOS Forças Armadas”.

Eram 16h45 e fui checar o MASP. Fiquei surpreso de ver que tinha umas 50 pessoas antifascistas agrupadas por lá. No geral tranquilas e conversando. Mas volta e meia chegava um fascista e trocavam insultos.

A certa altura a coisa cresceu e uns 20 antifas chegaram até a FIESP, onde uma discussão com uns poucos fascistas cresceu com a afluxo de uns 60 bolsonaristas. A PM meio separando, uns 15 deles. Os direitistas gritando “mito, mito”, “eu vim de graça”, “Viva a PM!”, “Ei, Lula, vai tomar no cu!”, “Ò Dória, seu viado!”. Os esquerdistas respondiam: “Fascistas, racistas, não passarão!”, “Vai estudar!”, “Milicianos!”.

Aos poucos a PM empurrou os fascistas a seu lugar designado na Pamplona. Voltei para lá.

O orador no carro de som afirmava que “a mão de deus pesou aqui hoje em cima dos vagabundos! Tem vagabundo passando mal até agora”. Fiquei perplexo que a dura repressão policial fosse referida como intervenção divina. Comecei a reparar como eles se referem à esquerda como uma pessoa (“O presidente quer governar, mas a esquerda não deixa”).

A seguir, tocaram a canção “Vem pra rua”, que é de 2013, além do sertanejo que diz que “o coronavírus é mentira”. Para coroar, a música seguinte foi a da dancinha do caixão.

O carro de som trazia as bandeiras dos EUA, da Espanha fascista e aquela da Ucrânia fascista. Falou o Tenente Lessa, “blogueiro de Guarulhos”, afirmando que “somos ordeiros e pacíficos”. Fiquei muito irritado com isso, logo depois da terceirização da violência deles em cima da gente.

Um maluco depois veio puxar conversa quando expulsaram “um arruaceiro, provocador” (cara, o sentimento antifascista está dando uma coragem louca na galera! Umas três pessoas foram lá confrontar!). Ele ria e fazia pouco “desses engraçadinhos”. Fiquei puto e joguei a cartada radicalizante. Disse a ele “O Eduardo já falou que é ruptura. A gente vai matar, entendeu? A gente vai matar eles! Você tá preparado?”. Ele ficou meio desconcertado mas acho que não captou.

Fiquei um tempo, até as 16h45, e acabei cansando. Acho que vi ainda a Bia Kicis, o que me deu certeza que era hora de ir embora.

Caminhei pela avenida em direção ao Paraíso, e na praça Oswaldo Cruz vi uma carreata bolsonarista que passava. Contei uns 30 veículos, mas não sei dizer se tinha perdido o início. Em carreatas passadas, a média era de 70 carros.

Fui pensando: o ato foi um sucesso? Por um lado sim. Lembrei da empolgação do início, de ver todo mundo junto, saber que somos muitos. Conseguimos fazer recuar o ato deles, marcamos presença no asfalto e temos que ser contados. Eles perderam a tranquilidade da rua vazia.

Por outro lado, o ato claramente ativou a base bolsonarista e fez aumentar a presença deles na rua, que vinha diminuindo muito. Ainda que o descontrole o social não deva vir da Paulista, mas sim das periferias famintas, confrontos na avenida gerarão imagens de efeito político. Além disso, a PM abertamente protege os bolsonaristas, e o governador Dória não tem controle sobre sua força. Ela vai continuar a reprimir antibolsonaristas.

Como está tudo em aberto, não dá para prever aos efeitos dessa resistência. Mas ela existe e agora é visível.

Exausto, caminhei e fui para casa.

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2 comentários para "Atos antifa e bolsonarista em São Paulo"

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