De onde vêm os refugiados do século XXI?

A crise migratória sem o sensacionalismo ocidental: diáspora afegã já era gigantesca sob ocupação dos EUA. Síria, Mianmar e Sudão são outros territórios de evasão populacional. Na América Latina, Venezuela, Colômbia e México

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Por Igor Venceslau, na coluna Outras Cartografias

O tema das pessoas em situação de refugiados, que está longe de ser um problema somente nacional para os países envolvidos, volta à pauta da grande mídia, com a mesma vulgaridade com que foram tratados palestinos, sírios, venezuelanos, colombianos e tantos outros. São imagens, depoimentos e histórias pessoais mobilizadas para aumentar a audiência – e o lucro – de grandes conglomerados de comunicação. Esta semana, todos os grandes veículos de todas as longitudes noticiaram os acontecimentos no aeroporto de Cabul, repetida e insistentemente, com a mesma suposta familiaridade com que falavam do porto de Xangai ou da City de Londres. A velha insistência nos casos isolados, contudo, rouba a cena e toma o tempo que o leitor/espectador disporia para pensar um problema da maior relevância na atualidade. Mas, afinal, de onde vêm os refugiados do século XXI?

Analisando informações da Agência da ONU para os Refugiados (ACNUR ou UNHCR, em inglês), com dados de 2020 para o total de pessoas por país de origem, nota-se que embora não seja um problema exclusivo de certos continentes, há algumas regiões do mundo que se destacam. Notadamente isso depende de conflitos internos, mas cada vez mais relacionados com interferências externas que causam uma enorme desordem social, econômica e política, principalmente nos agora denominados países do “Sul”. Essa desordem não foi estancada com a descolonização tardia dos territórios na África e Ásia, mas tem se agravado desde que a Guerra Fria deixou um legado nada frio: a terceirização dos conflitos geopolíticos entre as potências para os demais territórios fragilizados. Foi assim que após a Segunda Guerra Mundial, a Europa ocidental deixa de ser o palco das guerras e cria-se, então, o imaginário de que os conflitos que ocorrem no Oriente Médio, América Latina e África são fruto de sociedades arcaicas e incivilizadas, reproduzindo o discurso de cinco séculos e justificando ocupações militares.

O caso atual do Afeganistão é emblemático dessa manipulação midiática porque, conforme demonstrado no mapa, o país já tinha milhões de refugiados em 2020, fugindo das áreas controladas pelo Talibã ou mesmo das áreas mais relevantes (como a capital) sob controle ostensivo dos Estados Unidos. No ano passado, esse país era o segundo do mundo em número de refugiados, atrás somente da Síria. No entanto, as repetidas imagens da semana sustentam um discurso de que o problema começou agora, com a saída das tropas estadunidenses e a ofensiva Talibã. O guichê lotado da British Airways choca mais do que a peregrinação nas fronteiras desérticas que já dura décadas.

Mesmo na Europa, o número de refugiados sérvios, bósnios e albaneses continua crescendo a acirrando uma divisão entre os que são aceitos ou não na União Europeia. Na América Latina, parece que estamos longe da solução de conflitos e garantia de sobrevivência para um número crescente de pessoas, com famílias ou outros agrupamentos, que fogem das múltiplas crises em seus países e são impedidos pelos novos e velhos muros. São os novos nômades.

O Brasil é um país importante na busca por refúgio, mas trocou a posição que tinha na resolução de conflitos internacionais por uma aventura eleitoral que já não sabemos onde por findar. A chancelaria do país está desacreditada e as barbaridades cometidas em Roraima contribuem para a imagem ruim do país.

Mais que números, esse mapa aponta uma situação que já se alastra: apesar do crescente fluxo de capitais e informações que atravessam os territórios livremente, as pessoas continuam impedidas de circular e, agora, também de permanecer. A fronteira, que equivocadamente foi declarada superada por arautos neoliberais, continua bastante ativa – e está no mapa, observe bem!

Soberania e cidadania, assuntos por vezes esquecidos nos grandes debates atuais, retornam, então, com força. Ocorre que problemas como os apontados pela agenda ambiental, as migrações e as tensões nos usos das novas tecnológicas, ainda que não caibam dentro das fronteiras nacionais, tampouco podem ser pensados sem elas. Se o aumento do número de refugiados tensiona todas essas noções, ainda há um longo caminho para conquistar outros estatutos, como os de cidadania digital e cidadania planetária, muitas vezes apresentados àqueles que nunca foram cidadãos.

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