Viagem às mutações do capitalismo brasileiro

Para compreender os impasses de Lula 3, é preciso examinar como a estrutura econômica do país regrediu em três décadas. Somos agora mais periféricos, dependentes e financeirizados. A criação política requer ainda mais sabedoria e determinação

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Por Luiz Filgueiras | Imagem: Tiago Giannichini

MAIS:
Outras Palavras publica em seis partes o ensaio “Capitalismo dependente e terceiro governo Lula”, de Luiz Filgueiras. Leia a seguir a segunda parte, que inclui a seção 3 do texto original. Confira também:
Parte 1Lula 3: Impasse na periferia do capitalismo
Parte 3 – Brasil: exame de uma regressão histórica
Parte 4 — Dependência, Desigualdade e… Ditadura
Parte 5 — Lula e a esquerda em seu torvelinho

3- Os sucessivos Padrões de Desenvolvimento Capitalista: a necessidade de atualização da Teoria Marxista da Dependência

Esse ponto, para uma melhor compreensão, exige um esclarecimento prévio. Na perspectiva aqui adotada, Padrão de Desenvolvimento Capitalista (PDC) é um conceito transdisciplinar, que difere dos conceitos tradicionais de Modelo de Desenvolvimento, Padrão de Acumulação, Padrão de Reprodução do Capital etc. A construção desse conceito, tal como formulado neste ensaio, teve por objetivo a superação de dois problemas, por mim identificados no debate sobre a natureza e definição dos governos do PT (como neoliberais ou não), quais sejam: a não hierarquização entre estrutura e conjuntura; e a separação (ou frágil articulação) entre economia e política (Filgueiras: 2013). A superação desse duplo problema implica que as políticas econômicas conjunturais adotadas, expressas em distintos Regimes de Políticas Macroeconômicas (RPMs)1, devem ser consideradas e analisadas tendo por referência a dimensão estrutural configurada no tipo de Padrão de Desenvolvimento Capitalista ao qual estão subsumidas.

Conforme concebido por mim, um Padrão de Desenvolvimento Capitalista se define, e é identificado, por um conjunto de atributos – econômicosociais e políticos – que estrutura, organiza e delimita a dinâmica do processo de acumulação de capital, e as relações econômico-sociais a ele subjacentes, existentes em determinado Estado (espaço) nacional durante certo período histórico2. O atributo fundamental que está no centro da definição de qualquer Padrão de Desenvolvimento Capitalista é a configuração e natureza do seu “Bloco no Poder” (Poulantzas: 1977), isto é, as classes ou frações de classe que, em uma determinada conjuntura, estão à frente do Estado capitalista, assumindo uma delas a posição de liderança e hegemonia no seu interior. Essa hegemonia (Gramsci, 2002; Liguori, Pasquale, 2017), para ter certa estabilidade, expressa a dominância e liderança de determinada fração do capital no processo objetivo de acumulação de capital em curso, e se caracteriza pela sua capacidade de unificar e dirigir, política e ideologicamente, as demais frações do capital a partir de seus interesses específicos, mas também contemplando os interesses dessas outras frações. Quando essa hegemonia incorpora, em maior ou menor grau, interesses das classes subordinadas ou de algumas de suas frações, ela deixa de ser estrita ao bloco no poder e se amplia para além dele, abarcando o conjunto da sociedade.

Desse modo, a identificação das distintas frações da burguesia e do capital, bem como de qual assume a liderança do processo de acumulação e a hegemonia no bloco no poder, é fundamental para caracterizar esse bloco, bem como a dinâmica e os interesses dominantes no Padrão de Desenvolvimento Capitalista vigente. Esses interesses se expressam, sobretudo, na atuação econômica e política do Estado, nas políticas macroeconômicas, nas políticas sociais e na existência, ou não, de outras políticas públicas e seus respectivos conteúdos específicos.

Em suma, o Bloco no Poder, ao incorporar as dimensões econômicas, sociais e políticas de uma formação econômico-social específica, em uma determinada conjuntura, condiciona e, ao mesmo tempo, é expressão dos demais atributos que definem a sua estrutura e dinâmica, quais sejam:

1- A natureza da relação capital-trabalho e sua regulação. 2- O tipo e a forma como se apresentam e efetivam as relações intercapitalistas. 3- O modo de inserção do país na divisão internacional do trabalho. 4- O tipo de articulação do Estado com o processo de acumulação. 5- Os determinantes da dinâmica econômica. 6- A origem e forma de financiamento da acumulação. 7- A estrutura de distribuição da propriedade fundiária, da renda e da riqueza. 8- A origem e a forma de incorporação do progresso técnico. 9- A forma de representação das classes sociais e suas frações. O conjunto desses atributos, que define determinado tipo de PDC, expressa também a natureza da dependência associada ao Padrão.

A TMD, tal como formulada por Marini no início dos anos 1970, está assentada na “troca desigual” no âmbito do comércio internacional, opondo países dependentes (produtores de alimentos e matérias-primas) e países imperialistas (produtores de produtos manufaturados). Nessa relação, como se viu, existe uma transferência de excedentes dos primeiros para os segundos; como consequência, há um fluxo de capital-dinheiro em sentido contrário, na forma de empréstimos, que viabiliza, momentaneamente, o equilíbrio do Balanço de Pagamentos dos países dependentes, mas que, posteriormente, implica em mais transferência de excedentes na forma de pagamento de juros, crescimento das dívidas externas e maior subordinação desses países – com a piora dos saldos negativos da conta de Transações Correntes.

Essa forma de dependência, que prevaleceu no Brasil entre 1850 e 1930, quando da existência do Padrão de Desenvolvimento Primário-Exportador, pode ser definida como, fundamentalmente, comercial-financeira. Típica do período no qual o “Imperialismo Clássico” (e o neocolonialismo) impediam a industrialização dos países periféricos. Nesse Padrão de Desenvolvimento, o bloco no poder era constituído pela grande burguesia cafeeira e demais oligarquias regionais, a burguesia comercial exportadora-importadora, e o capital financeiro e de serviços inglês.

Esse padrão convivia com a existência de um mercado interno muito restrito, pois a demanda (consumo) dos trabalhadores (escravos ou assalariados), ao contrário do que acontecia nos países centrais, não era relevante para a realização das principais mercadorias, que eram direcionadas ao mercado externo: a estrutura produtiva do país descolava-se das necessidades de consumo dos trabalhadores, voltando-se principalmente para produção de bens para exportação e os segmentos de renda mais elevados da população. Isso significa que, nesse Padrão de Desenvolvimento, há uma separação entre a circulação e a produção, pois a primeira se efetua basicamente no mercado externo. Por isso, há uma tendência de explorar ao máximo a força de trabalho, comprimindo o consumo individual do trabalhador. Desse modo, como a dinâmica da economia é determinada de “fora para dentro” do país, a pequena dimensão do mercado interno coexiste com a superexploração do trabalho – não comprometendo a reprodução do capital no capitalismo dependente.

Com base nessa formulação, mesmo com a posterior industrialização do país, quando se altera o tipo de dependência, Marini continuou associando, a meu ver indevidamente, a superexploração à existência de um mercado interno restrito – não levando em consideração que o desenvolvimento interno das forças produtivas especificamente capitalistas, constituídas a partir do processo de industrialização, ao criar (contraditoriamente) os seus próprios mercados, amplia e unifica nacionalmente o mercado interno do país – mesmo com a manutenção da superexploração do trabalho. Em suma, a superexploração não implica mais, necessariamente, a existência de um mercado interno diminuto.3

De fato, no período entre 1930-1980, o Brasil passou por um processo de industrialização voltado “para dentro”, com a constituição de forças produtivas especificamente capitalistas; inicialmente com capitais estatal e nacional (1930-1955) e, posteriormente, com a entrada de capitais multinacionais, na forma de investimentos diretos de suas empresas (1955-1980), que constituíram o setor de bens de consumo duráveis no país – que veio a ser o segmento mais dinâmico da economia brasileira.

Essa nova forma de dependência correspondeu temporalmente, na periferia, ao período Fordista-Socialdemocrata prevalecente nos países centrais e à época da Guerra Fria, caracterizando uma outra forma de relação do imperialismo com os países periféricos – na qual passou a predominar a exportação de capitais na forma de investimentos diretos, pelo menos para aqueles países já dotados minimamente de condições internas (infraestrutura, algumas manufaturas) que permitissem a aceleração do processo de industrialização.

Nessa nova situação, no contexto do Padrão de Desenvolvimento de Substituição de Importações (Fonseca: 2003), à dependência comercial-financeira (com a troca desigual entre produtos, agora inclusive manufaturados, mas com maior e menor conteúdo tecnológico) acrescentou-se a dependência tecnológica, expressa na remessa de lucros e no pagamento de royalties e patentes. (Filgueiras: 2001)

Nesse novo Padrão de Desenvolvimento, o bloco no poder era composto pela grande burguesia industrial (associada e interna), o capital estatal, o capital estrangeiro e os grandes proprietários e produtores rurais. A partir de então, os interesses da grande burguesia brasileira, assim como o seu modo de se reproduzir enquanto classe social, passaram a estar fortemente associados e imbricados com os capitais estrangeiros, o capital financeiro e o imperialismo; com sua hegemonia político-ideológica se expressando, de forma inequívoca, no parlamento, no judiciário e nos grandes meios de comunicação.

A associação de cada tipo de capital (nacional, estrangeiro e estatal) com distintos setores industriais caracterizou o que a literatura convencional sobre o tema definiu como sendo um “modelo de industrialização tripartite”: as empresas estatais localizadas na indústria de base e infraestrutura (siderurgia, petróleo, energia, comunicação); as empresas nacionais privadas situadas, principalmente, na indústria de bens de consumo não duráveis; e as multinacionais radicadas na produção de bens de consumo duráveis e alguns bens de capital. Em alguns casos, como na petroquímica, os três tipos de capital se associaram.

Essa nova forma de dependência mais complexa, que incorpora a anterior, superando-a, tornou o país ainda mais vulnerável nas suas relações internacionais, o que se expressa na deterioração dos saldos negativos de sua Balança de Serviços; além de internalizar organicamente os interesses imperialistas (através da internacionalização do mercado interno), com consequências sociais e políticas profundas para a luta de classes na sociedade brasileira. Principalmente a partir desse período, a burguesia brasileira se entrelaçou fortemente com os interesses (internalizados) da burguesia dos países imperialistas, conformando-se com uma posição subordinada, caudatária, de sócia menor nessa relação.

Além disso, essa nova dependência, que propiciou o desenvolvimento de forças produtivas especificamente capitalistas no país (Melo, 2004), ao expandir e internacionalizar o mercado interno, internalizou parcialmente os determinantes da dinâmica de sua economia (o ciclo econômico associado à demanda efetiva), deixando essa de ser meramente um reflexo direto e imediato das condições internacionais da acumulação e da reprodução do capital nos países imperialistas. Desse modo, a superexploração e a concentração de renda passaram a conviver com um mercado interno em expansão e o consumo de massa. Mas, de outro lado, externalizou-se o centro de decisões da produção e do investimento (inovações e criação, desenvolvimento, difusão e incorporação de tecnologia), que passaram a ser controladas pelas matrizes das empresas multinacionais; com isso, limitou-se a capacidade do país em fazer política industrial e tecnológica, uma vez que essas decisões passaram a estar condicionadas pelas estratégias mundializadas dessas empresas (Arendt, Fonseca: 2012).

Por fim, a partir dos anos 1990, após uma década (anos 1980) de crise do Padrão de Desenvolvimento de Substituição de Importações até então vigente, e com a constituição e consolidação de um novo Padrão de Desenvolvimento (Liberal-Periférico) – que caracteriza a singularidade, a forma específica, do projeto neoliberal no Brasil -, outra forma de dependência vai se constituir e se consolidar.

No Padrão de Desenvolvimento Liberal-Periférico, o bloco no poder durante o primeiro Governo FHC (1995-1998) teve a hegemonia inconteste do capital financeiro (nacional e estrangeiro) – que se beneficiou, sobretudo, da abertura comercial-financeira da economia, do Regime de Política Macroeconômica (RPM) centrado na âncora cambial, do processo de desregulação e da privatização das empresas estatais. No início do segundo governo FHC (1999-2002), o bloco no poder sofreu uma inflexão, em virtude da crise cambial que obrigou a mudança no RPM; produtores/exportadores de commodities industriais e agrícolas (agronegócio) ganharam maior relevância no seu interior, em virtude de sua importância para a redução da vulnerabilidade externa do país – com a desvalorização do real e o início da reversão dos déficits na Balança Comercial. Na sequência, durante os governos Lula (2003-2010), os grandes grupos econômicos nacionais (produtores/exportadores de commodities) vão ocupar o centro do bloco no poder, beneficiados pela política dos “campeões nacionais” implementada pelo BNDES, de centralização de capitais e internacionalização.

Essas alterações do bloco no poder expressaram mudanças na importância das distintas frações da burguesia na dinâmica do PDLP: especificamente, a burguesia associada ao imperialismo e a burguesia interna (Boito: 2006, 2012). A primeira fortemente hegemônica durante o período FHC, no qual se afirmou como força política principal na constituição e consolidação do neoliberalismo no país, e a segunda assumindo uma posição de destaque no período de Lula e Dilma, quando fez parte de um projeto de desenvolvimento capitalista orientado para uma maior autonomia (menor dependência) em relação ao imperialismo.

O Padrão de Desenvolvimento Liberal-Periférico (PDLP) é liberal por ser estruturado e conduzido sob a hegemonia sintetizada na articulação entre capital financeiro e neoliberalismo, segundo um ideário “pró-mercado”, expresso em determinadas reformas estruturais, abertura comercial-financeira, desregulação, privatização e a utilização de políticas econômicas de controle fiscal e monetário, associadas à liberação do câmbio. O Padrão é periférico por ser localizado-implementado em um país de capitalismo dependente; portanto, uma forma específica de realização do neoliberalismo, mais radicalizada, no contexto de uma formação econômico-social periférica, subordinada ao Imperialismo (Filgueiras, Gonçalves: 2007).

A partir da reestruturação produtiva e da financeirização do capitalismo em escala mundial, apoiadas nas reformas e políticas neoliberais, a dependência financeira, na forma de empréstimos e pagamentos de juros, se transmuta na forma, principalmente, de investimentos estrangeiros de curto prazo (voláteis) em títulos da dívida pública brasileira e na compra de ações na bolsa de valores – aprofundando-se a dependência financeira, inclusive com consequências negativas sobre a capacidade de implementação de políticas macroeconômicas e sociais pelo governo (Filgueiras: 2005).

Nesse ponto, em favor de um maior esclarecimento sobre o fenômeno que se está tratando, deve ser dito que há várias compreensões (clássicas e contemporâneas) sobre os conceitos de capital financeiro e financeirização, assim como sobre suas relações com outros tipos de capital.

Em Marx não há o conceito de “capital financeiro”, mas sim os conceitos de “capital portador de juros” e “capital fictício”. O primeiro se refere ao capital-dinheiro disponibilizado (emprestado) pelo seu dono ao “capitalista em função” que, em contrapartida, paga um certo montante de juros como resultado de sua utilização. Portanto, o juro se configura, diferentemente do lucro, como uma renda (um direito) associado à propriedade do capital. O capital fictício, por sua vez, se refere ao direito de uma renda futura esperada (capitalizada no presente), com base na propriedade de títulos de dívidas, ações etc. – que funcionam como se capital fossem.

Em Hilferding (1985), tendo por referência a economia alemã, o capital financeiro é definido como a associação (aliança orgânica) do capital bancário (capital-dinheiro) com o capital industrial, sob a hegemonia do primeiro; compreensão esta que é aceita por outros marxistas, como Lênin (1915). Fora do campo marxista, Hobson (1983) tendo por referência a economia inglesa identifica, como Hilferding, a hegemonia das finanças (do capital-dinheiro) sobre o processo produtivo e, portanto, sobre o processo global de acumulação, mas sem a existência de uma ligação orgânica entre banco e indústria.

De forma sintética, identificamos como capital financeiro (compreendendo o capital portador de juros e o capital fictício) aquela fração do capital – associada organicamente, ou não, a outras frações – que tem como centro de sua atuação principal as várias modalidades de atividades financeiras existentes (empréstimos e financiamentos de todo tipo, investimentos em carteira, seguros, previdência, câmbio, ações, mercado de capitais etc.), realizadas institucionalmente através de bancos, fundos de investimento, fundos de pensão, seguradoras, corretoras, planos de saúde etc.

A financeirização, por sua vez, é entendida como o processo de difusão-espraiamento da lógica, dos valores e das práticas financeiras para todos os segmentos da economia – apoderando-se e subordinando o funcionamento das demais frações do capital: industrial, comercial, agrícola e, até mesmo, as decisões de consumo das famílias.4 Em suma, o processo de financeirização abarca toda a sociedade, estabelecendo diversos tipos de articulações, de curto e longo prazo, entre as distintas frações de capital – tornando os seus respectivos interesses e os limites entre elas mais voláteis e imprecisos. Nessa perspectiva, e indo além, Dardot e Laval (2016) propõem que a sociedade capitalista neoliberal criou e difundiu uma nova racionalidade e um novo modo de vida, que regula todas as relações sociais.

Com a financeirização, e em paralelo, o desenvolvimento das “Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs)”, organicamente articuladas com o capital financeiro, a dependência dos países periféricos tornou-se mais complexa e mais difícil ainda de ser superada – dadas as restrições institucionais e tecnológicas criadas pelo imperialismo, assim como a participação-articulação das classes dominantes brasileiras nesse novo arranjo definido pelo imperialismo. Em um processo de privatização e espoliação-extração do conhecimento social, tendo em sua vanguarda as (gigantes) empresas de tecnologia do Vale do Silício, apoiadas em uma legislação sobre os Direitos de Propriedade Intelectual (DPI) elaborada pelos EUA e imposta mundialmente, aprofunda-se a natureza parasitária e monopolista do capitalismo contemporâneo, ampliando-se a fração rentista do capital (da burguesia) (Oliveira, Filgueiras: 2020). Do mesmo modo, o processo de acumulação fictícia, que ocupa lugar central na financeirização, com a possibilidade de securitização de dívidas e todo tipo de riqueza, torna o processo de acumulação ainda mais instável, incerto e propenso a crises reiteradas.

Nessa nova situação, a transferência de excedentes para os países imperialistas se efetiva de diversas formas: através do comércio (troca desigual clássica), da entrada-saída de capitais estrangeiros voláteis para a compra de ações e títulos da dívida pública (lucros e juros), do controle da tecnologia (patentes e royalties) e do conhecimento privatizado-monopolizado (renda-conhecimento).

A consequência maior dessa nova dependência foi, de um lado, a quase completa perda de autonomia dos países dependentes para operacionalizar as suas políticas econômicosociais e, de outro, o desencadeamento de um longo e penoso processo de desindustrialização: a queda da participação da indústria, em particular a indústria manufatureira (em termos de valor adicionado e emprego), no conjunto da economia (PIB e emprego total) – com o distanciamento, cada vez maior, do país da fronteira da inovação tecnológica.

Em síntese, o Brasil é um país dependente tecnológica e financeiramente; de um lado, não gera endogenamente, com raras exceções, tecnologia própria e se afasta, cada vez mais, da vanguarda do conhecimento. De outro, como todos os demais países periféricos, não tem moeda conversível internacionalmente; o que significa dizer que sua inserção internacional está condicionada ao acesso às moedas dos países centrais (dólar e euro).

Em suma, os distintos Padrões de Desenvolvimento Capitalista, que se sucederam historicamente na formação econômico-social brasileira5, sempre condicionados, em cada momento, pelas transformações estruturais sofridas pelo capitalismo no plano mundial e as mudanças ocorridas na divisão internacional do trabalho, corresponderam a formas distintas de dependência – sempre com a transferência de renda e riqueza (excedente) para os países centrais -, cada vez mais complexas, restringindo ainda mais o espaço político para a sua superação.

(continua)


1 “Regime de Política Macroeconômica” é o conjunto de objetivos, metas e instrumentos de política macroeconômica assim como o arcabouço institucional no qual essas políticas são executadas”. (Oreiro: 2011, p. 7). Esse conceito, juntamente com o conceito de Padrão de Desenvolvimento Capitalista, permite diferenciar as dimensões estrutural e conjuntural na análise de uma formação econômico-social capitalista.

2 Esse conceito, embora compatível com o conceito de “Padrão de Reprodução do Capital” da TMD, é concebido em um nível menor de abstração (Filgueiras:2018).

3 Posteriormente, em um texto de 1979, “O ciclo do capital na economia dependente”, Marini faz uma avaliação diferente, reconhecendo a importância da criação de um setor de produção para o mercado interno, que foi assumindo progressivamente o papel hegemônico na dinâmica econômica. Situação bem distinta da economia exportadora, configurada até os princípios do século XX.

4 Como ilustração, pode-se citar as seguintes circunstâncias e situações: 1- Nas corporações industriais, a lógica de curto prazo e volátil do acionista passou a guiar a tomada de decisões dos seus executivos, pressionados para obter resultados imediatos (valorização das ações e distribuição de lucros) e tendo parte de sua remuneração associada à valorização de suas ações. Além disso, a extrema racionalização do processo produtivo na obtenção desses resultados, juntamente com a introdução de novas tecnologias, implicou no “enxugamento” do uso da força de trabalho e na busca obsessiva de desresponsabilizar-se com relação aos direitos trabalhistas – através da terceirização/subcontratação de seus trabalhadores. 2- No comércio e nos serviços, a lógica financeira se “escondeu” na prática de vender o produto/serviço à vista ou a prazo (“a perder de vista”, sem juros) pelo mesmo preço; uma espécie de venda casada, na qual se vende, ao mesmo tempo, produto e dinheiro – incentivando o comprador a parcelar sua compra. 3- Adicionalmente, as grandes corporações originalmente não-financeiras passaram a constituir suas próprias instituições de financiamento ao consumidor (bancos e financeiras), além de buscarem lucros não operacionais através de aplicações financeiras. 4- As decisões de consumo (de parte) das famílias, além de se basearem na renda certa ordinária, passaram a ter na remuneração esperada de seus ativos financeiros uma referência adicional para os seus gastos.

5 As datas aqui apontadas, que marcam o início e o fim de cada Padrão de Desenvolvimento (1850-1930; 1930-1980/90 e 1990-2023), são semelhantes àquelas dos grandes períodos históricos da economia brasileira, tradicionalmente reconhecidos na literatura sobre a Formação Econômica do Brasil e a Economia Brasileira Contemporânea. Como toda definição de algum período histórico, elas não estabelecem um corte temporal preciso/exato entre os Padrões: o fim de um e, imediatamente, o começo de outro. As transformações nos atributos de cada Padrão, que levaram ao surgimento de outro Padrão, foram um processo, no qual as mudanças sofridas por cada atributo não foram, necessariamente, concomitantes. Isto significa dizer que no período de transição, de um Padrão a outro, características do velho e do novo Padrão conviveram durante certo tempo. Adicionalmente, determinados atributos mantiveram suas características praticamente inalteradas ao longo do desenvolvimento capitalista brasileiro; por exemplo, a forte concentração da propriedade fundiária, da riqueza e da renda é uma característica de todos os três Padrões de Desenvolvimento aqui identificados.

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