Brasil: exame de uma regressão histórica

Há razões para que mudanças reais pareçam tão difíceis. Há três décadas, país conformou-se à nova ordem ditada pelo neoliberalismo e assumiu condição subalterna. Lula e Dilma tentaram reversão apenas parcial – e sua obra foi devastada após o golpe

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MAIS:
Outras Palavras publica em seis partes o ensaio “Capitalismo dependente e terceiro governo Lula”, de Luiz Filgueiras. Esta é a terceira parte, que inclui as seções 4 e 5 do texto original. Leia também também as publicações anteriores:

Parte 1 — Lula 3: Impasse na periferia do capitalismo

Parte 2 – Viagem às mutações do capitalismo brasileiro
Parte 4 — Dependência, Desigualdade e… Ditadura
Parte 5 — Lula e a esquerda em seu torvelinho

4- O caráter estrutural do Padrão de Desenvolvimento Liberal-Periférico (PDLP)

Para além das diversas conjunturas internacionais, dos distintos regimes de política macroeconômica que se sucederam e das diferentes composições do Bloco no Poder, em cada momento e governo, o Padrão Liberal-Periférico (1990-2023), que acompanha a atual forma de dependência, se manteve e, mais recentemente, com os Governos Temer e Bolsonaro, se aprofundou mais ainda. Durante a sua vigência, o PDLP implicou mudanças estruturais profundas no capitalismo dependente brasileiro.

Do ponto de vista da relação capital-trabalho, o PDLP implicou a desestruturação e desregulação do mercado de trabalho (com a redução dos direitos trabalhistas), a difusão da terceirização, precarização do trabalho e o surgimento de novas formas disfarçadas de assalariamento (com a uberização do trabalho, o capitalismo de plataformas), a redução do assalariamento formalizado (protegido), a fragilização dos sindicatos e uma crescente informalidade (Druck, Filgueiras: 2018). Apesar de, no período de crescimento do governo Lula, o trabalho formal ter voltado a crescer, com a ampliação da política social e a consolidação da política focalizada de combate à pobreza. Em suma, na esteira do enfraquecimento das lutas dos trabalhadores e de fragilização dos sindicatos, viu-se o surgimento de novas formas ampliadas de superexploração do trabalho e manutenção/ampliação da concentração de renda, da riqueza financeira e da propriedade fundiária (rural e urbana).

As relações intercapitalistas, por sua vez, se alteraram, induzidas pelo processo de privatização das empresas estatais; pela venda de empresas nacionais privadas (de ponta) para os capitais internacionais; e pela mudança de estratégia das multinacionais, com a estagnação de seus investimentos diretos no país (sem criação, portanto, de nova capacidade produtiva) e a compra de empresas estatais e nacionais privadas (com capacidade produtiva já instalada). O processo de desindustrialização observado, desde então, é produto dessas novas circunstâncias (com o enfraquecimento da tradicional burguesia industrial brasileira). Além disso, o capital financeiro de curto prazo (nacional e internacional), reproduzindo um fenômeno mundial, tornou-se hegemônico, condicionando a dinâmica do conjunto da economia e alterando a articulação do Estado com o processo de acumulação, assim como limitando a capacidade deste em executar políticas econômicas.

No que se refere a sua inserção internacional, o país recuou na exportação de produtos industriais de maior intensidade tecnológica, substituindo-os por commodities (agrícolas e industriais); e continuou a importar bens de capital e tecnologia (da 3ª e 4ª revoluções tecnológicas), em especial tecnologias de informação e comunicação e mercadorias-conhecimento1. A ausência de política industrial e tecnológica prevaleceu em todo o período, com exceção da que teve como foco, nos governos Lula, a cadeia produtiva do petróleo. No entanto, de uma maneira geral, ao contrário do que se esperaria desses governos, não houve uma contraposição à tendência de desindustrialização (Oreiro, Feijó: 2010) – impulsionada pelas políticas neoliberais de abertura comercial-financeira; na verdade, acelerou-se a “reprimarização” da economia e das exportações, induzidas pelo comércio com a China (Filgueiras: 2012). Além disso, o PDLP ampliou a desnacionalização da estrutura produtiva-financeira do país e aprofundou a internacionalização do mercado interno. Por fim, ao engatar o mercado financeiro nacional ao mercado financeiro internacional, transformou o país, tendo por instrumento a dívida pública do Estado, em uma plataforma internacional de valorização financeira para o capital (Paulani: 2009).

O Estado teve o seu papel redefinido no processo de acumulação, passando a ser executor das reformas neoliberais e financiador das privatizações. A sua presença na esfera produtiva, com a venda de dezenas de empresas públicas, teve redução drástica, assumindo uma função reguladora do mercado e das empresas privatizadas de serviço público, através das “agências reguladoras” (cooptadas pelos regulados). No breve período do segundo governo Lula, voltou a ter um papel mais ativo no processo de acumulação, planejando e articulando a execução do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), comandando a estruturação da cadeia produtiva do petróleo e promovendo a centralização de capital e internacionalização de grandes grupos de capital nacional (a política dos “campeões nacionais”), através do financiamento de longo prazo com o uso dos bancos públicos ainda existentes: BNDES, BB, CEF, bancos regionais e estaduais. Adicionalmente, ele vem passando por um processo de privatização por dentro, principalmente através da terceirização de suas atividades, incorporando os valores e a lógica empresarial nos órgãos públicos e nas suas metas, políticas e forma e critérios de avaliação, conformando um novo tipo de Estado, empreendedor e gerencial (Druck: 2021).

A dinâmica econômica desse tipo de Padrão de Desenvolvimento, aumentou a vulnerabilidade externa estrutural do país (comercial, tecnológica e financeira), implicou em uma maior volatilidade do ciclo econômico (o chamado “voo da galinha”) e maiores restrições para a execução de políticas macroeconômicas (Filgueiras: 2017). À dependência tecnológica-financeira tradicional, própria do Padrão de Substituição de Importação, acrescentou-se uma nova forma de dependência tecnológica (associada à informação e comunicação), uma dependência financeira mais volátil (de curto prazo) e, o mais importante, nas condições atuais do sistema mundial capitalista e da divisão internacional do trabalho daí derivada, uma dependência relacionada à produção, expropriação e monopólio do conhecimento (Harvey: 2004) – que se constitui hoje na vanguarda da acumulação capitalista e do poder do grande capital e dos Estados imperialistas.

À tradicional transferência de excedentes através da troca desigual no comércio internacional e da remessa de lucros, juros, royalties e dividendos, veio somar-se a transferência de rendimentos do capital fictício obtidos com a dívida pública e o pagamento da renda-conhecimento protegida pelos Direitos de Propriedade Intelectual (DPI). Em suma, uma dependência tecnológica-financeira e de conhecimento.

5- As sucessivas conjunturas e Regimes de Política Macroeconômica (RPM) do Padrão de Desenvolvimento Liberal-Periférico (PDLP)

Apesar dos distintos Regimes de Política Macroeconômica (RPM) adotados desde o início dos anos 1990, e de algumas inflexões ocorridas no Bloco no Poder, não se alteraram as características essenciais do PDLP – forma concreta de expressão da doutrina e do programa neoliberal no Brasil. Cada um deles, dependeu decisivamente da conjuntura internacional, refletindo prioridades e vantagens diferentes no que se refere às distintas frações do capital. No âmbito do PDLP, são esses distintos RPM que diferenciam os governos de Collor-Itamar, FHC, Temer e Bolsonaro, de um lado, e os Governos de Lula e Dilma de outro.

Depois do conturbado Governo Collor-Itamar (1990-1994), que iniciou o processo de ruptura com o “Padrão de Substituição de Importações”, marcado pela hegemonia do capital industrial (nacional, estrangeiro e do Estado), o PDLP se consolidou no primeiro governo FHC (1995-1998), sob a hegemonia inconteste do capital financeiro nacional e internacional, tendo como centro do RPM a chamada “âncora cambial” – instrumento essencial do sucesso do Plano Real no controle do processo inflacionário, juntamente com a abertura comercial-financeira – em uma conjuntura (circunstância decisiva) de grande liquidez internacional. Sucesso este que foi fundamental para a implantação das reformas neoliberais e as privatizações que se sucederam deste então, e que estruturaram o PDLP (Filgueiras: 2000).

No entanto, esse RPM, ao patrocinar a sobrevalorização do real (a moeda) e fragilizar o Balanço de Pagamentos do país, desembocou, como em todas as experiências do mesmo tipo ocorridas em outros países, em uma crise cambial terminal no início do segundo governo FHC (1999-2002). Com a redução da liquidez internacional e a impossibilidade de sustentação do real sobrevalorizado, a âncora cambial foi substituída pelo batizado “tripé macroeconômico”: metas de inflação, superávit fiscal primário e câmbio flutuante. A partir daí, ficou clara a importância dos produtores/exportadores de commodities industriais e agrícolas (agronegócio) para a redução da vulnerabilidade externa do país, derivada da abertura comercial-financeira estruturante do PDLP. Isso implicou em uma nova acomodação do poder político das distintas frações do capital (da burguesia) no Bloco no Poder dominante: a hegemonia absoluta do capital financeiro foi colocada em questão, por razões objetivas.

As consequências econômicosociais do PDLP não se resumiram à reiteração de crises

cambiais (ao todo seis), de maior ou menor gravidade, durante oito anos dos governos FHC e nem à agudização da vulnerabilidade externa do país e às baixíssimas taxas de crescimento da economia e sua contrapartida: as elevadas taxas de desemprego. Elas foram decisivas para a derrota política da direita neoliberal nas eleições de 2002, e que levou ao comando do país governos do Partido dos Trabalhadores e seus aliados (conjunturais) durante 13 anos.

O primeiro governo Lula (2003-2006), devidamente precedido na campanha eleitoral pela famosa “Carta aos Brasileiros” – na qual garantia ao capital em geral, e ao capital financeiro em particular, que “respeitaria os contratos” –, herdou o início de mais uma crise cambial e uma nova aceleração da inflação. A sua resposta foi a manutenção e radicalização da política macroeconômica (o tripé), com o aumento da taxa de juros e do superávit fiscal primário, e a implementação de uma Reforma da Previdência Social dos servidores públicos que implicou, entre outras coisas, que os aposentados, inusitadamente, passassem a recolher para Previdência. O resultado colhido no primeiro ano de governo foi uma recessão e o aumento do desemprego.

Contudo, a conjuntura internacional estava se modificando desde 2002, com o crescimento econômico puxado pela China (agora participante da Organização Mundial do Comércio – OMC) e os EUA. O boom das commodities daí decorrente teve impacto determinante, nos anos seguintes, na dinâmica e desempenho das economias periféricas, de capitalismo dependente. A rápida melhora das contas externas do Brasil (inéditos superávits na conta de Transações Correntes do Balanço de Pagamentos), com redução de sua vulnerabilidade externa conjuntural, possibilitou ainda na segunda metade do primeiro governo Lula a flexibilização do tripé macroeconômico: manutenção das metas de inflação com redução das taxas de juros, redução dos superávits primários e intervenções no câmbio para formação de grandes reservas em dólar.2

Junto com a implementação de políticas e programas sociais (Druck, Filgueiras: 2007), adotou-se uma política salarial de aumento real do salário-mínimo e, ao final do período, foi criado o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – que desembocaria, no segundo governo Lula (2007-2010), em um maior protagonismo do Estado no processo de acumulação e desenvolvimento capitalista brasileiro (apesar de muito desidratado em virtude das privatizações ocorridas desde o governo Collor-Itamar). Para isso, foram decisivas as participações do BNDES (financiando a expansão e internacionalização de grandes grupos econômicos nacionais), da CEF (financiando o programa de habitação “Minha Casa, Minha Vida”) e da Petrobrás (com a descoberta e exploração do petróleo na camada do Presal e sua liderança na constituição/modernização da cadeia produtiva do petróleo).

Tudo isso implicou taxas de crescimento maiores, superando a estagnação herdada dos governos FHC, redução das taxas de desemprego, melhoria do padrão de consumo (e aumento do endividamento) da população em geral e, principalmente de seus segmentos de menor renda, e redução conjuntural da pobreza absoluta (tal como medida ordinariamente pelas chamadas “linhas de pobreza”); além de permitir a formulação e execução de vários programas sociais nas áreas de energia, habitação, saúde, cultura e educação. Nessas novas circunstâncias, o Bloco no Poder sofreu uma nova alteração: o capital financeiro sofreu um deslocamento em sua hegemonia, tendo que admitir o crescimento da influência de outras frações do capital na condução do Estado: grandes grupos econômicos nacionais e o agronegócio (capital produtor e exportador de commodities), as grandes empreiteiras e os grandes grupos do comércio varejista; em suma a chamada grande burguesia interna, que passou a ser objeto prioritário das políticas do Estado, em especial através do BNDES, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal e da Petrobrás. A contrapartida foi o aprofundamento da desindustrialização ocorrida no período e o crescimento da autonomia relativa do Estado – que facilitou à Lula arbitrar os conflitos de classe e de suas frações a partir do seu interior (Singer, 2012).

Em suma, com o mesmo Padrão Liberal Periférico herdado dos governos anteriores (que não sofreu qualquer alteração estrutural, tendo sido, ao contrário, tomado como dado), mas com a flexibilização do RPM centrada no “tripé” (possibilitado por uma conjuntura internacional favorável), os governos Lula conseguiram, momentaneamente, superar a estagnação econômica e melhorar as condições de vida imediatas da população. Muitos, então, acreditaram que o PDLP também havia sido superado, que se estava diante de uma nova “Era Desenvolvimentista ou Neodesenvolvimentista”, desta feita com distribuição de renda (Barbosa, Souza: 2010)3.

No entanto, a crise geral do capitalismo de 2008 e o seu desdobramento, com a chamada crise soberana do Euro em 2010, repercutiram com força no período dos governos Dilma, desfazendo essa ilusão que cegou politicamente o Partido dos Trabalhadores e outras correntes políticas de esquerda. A crise incialmente dificultou e, depois, acabou por inviabilizar a continuação da flexibilização do tripé macroeconômico e a compatibilização dos interesses divergentes das distintas frações do capital e dos distintos setores populares. No processo, assistiu-se ao impeachment de Dilma Roussef e a retomada das contrarreformas neoliberais.

O primeiro governo Dilma (2011-2014), com a economia impactada pela desaceleração do crescimento mundial, conviveu com taxas de crescimento cada vez menores, mas também, paradoxalmente, com taxas de desemprego decrescentes – que atingiram o mais baixo nível na história ao final desse governo. Mas a situação se complicou mesmo com a implementação de duas políticas, que agravaram a situação e levaram perda de dinamismo da atividade econômica a se transformar em uma crise aberta no início do segundo Governo Dilma (2015-2016) – que já havia sido eleita em um processo eleitoral muito acirrado e cujo resultado não foi aceito pelo oponente derrotado.

A primeira delas, executada ainda no primeiro governo, foi a isenção tributária concedida ao capital, como forma de contrarrestar a desaceleração do crescimento, na esperança de que os investimentos aumentassem, o que não ocorreu: os lucros de fato aumentaram, assim como as aplicações financeiras em títulos do governo; e, o que foi pior, o superávit fiscal primário transformou-se em um déficit que começou a crescer em virtude da redução das receitas tributárias do governo, provocada também pela desaceleração do crescimento. A segunda política foi mais deletéria ainda, e jogou um papel decisivo no aprofundamento da crise econômica e política, contribuindo para o processo que levou ao Golpe de 2016: no início do segundo governo optou-se por fazer um ajuste fiscal, depois desse tipo de política ter sido detonado e descartado durante a campanha eleitoral, como coisa do programa neoliberal do adversário. O impacto recessivo foi imediato – em um momento já de retração do consumo e do investimento – e o descrédito com o novo governo que se iniciava foi fatal.

A partir daí, o processo golpista acelerou-se de forma impressionantemente rápida, culminando com o impeachment da Presidente Dilma Rousseff – tramado e/ou apoiado por diversos segmentos sociopolíticos: o imperialismo e a burguesia a ele associada; a direita e extrema-direita neoliberal, partidária ou não; a grande mídia corporativa, parte importante do Judiciário e do Ministério Público, em especial a “Lava-Jato” e o STF; as forças armadas, o próprio parlamento e Igrejas Evangélicas; a maioria da chamada classe média e amplos segmentos da “nova” classe trabalhadora. (Filgueiras, Druck: 2020)

Inesperadamente, para muitos que se envolveram no golpe ultraneoliberal, a sua consequência maior, no plano político, foi a eleição de Jair Bolsonaro em 2018, expressando a ascensão da extrema-direita no país, que passou a galvanizar todas as forças políticas a partir do centro para a direita, com a desidratação da direita neoliberal e de seus partidos políticos. A convergência do neoliberalismo com o neofascismo, fenômeno mundial, se evidenciou claramente ao final do processo: a partir de um Golpe neoliberal o país caminhou para o neofascismo, desembocando no governo Bolsonaro, com todas as barbaridades perpetradas até aqui conhecidas.

O Golpe trouxe de volta a forte hegemonia do capital financeiro, mas também reforçou a presença do agronegócio, no Bloco no Poder, com a retomada e o aprofundamento das reformas e políticas neoliberais; e o “tripé macroeconômico” retornou com tudo, com o “Teto de Gastos” engessando completamente a política fiscal e a política monetária do Banco Central promovendo um novo ciclo de aumento das taxas de juros. Como resultados mais significativos tivemos a volta da estagnação econômica e uma nova onda de desemprego, o aumento da pobreza e o retorno do país ao Mapa da Fome. Nesse âmbito, os governos Temer (2016-2018) e Bolsonaro (2019-2022) se identificaram totalmente; não há qualquer diferença: foi o ultraneoliberalismo na veia do país, da sua sociedade e da sua economia.

O conjunto da obra desses dois governos, parte fundamental da agenda neoliberal para o Brasil, pode ser resumido pelas seguintes iniciativas: congelamento dos gastos sociais por vinte anos (o famigerado “Teto de Gastos”, uma espécie de ajuste fiscal permanente), as “reformas” trabalhista e da Previdência (mais uma), a liberalização da terceirização para qualquer área das empresas, a redefinição do papel do BNDES como financiador no longo prazo, o fatiamento/venda de ativos da Petrobrás e a extinção da política de conteúdo nacional (com a desarticulação da cadeia produtiva do petróleo), a privatização do setor de energia e outros segmentos da infraestrutura do país etc.

O governo Bolsonaro, especificamente, completou a obra neoliberal com um processo de agressão às instituições da democracia brasileira, de destruição (ou tentativa de destruição) e aparelhamento de tudo que funcionava no país: a Petrobrás e o Pré-sal, os bancos públicos, a Previdência Social solidária, o SUS, o IBGE, a Anvisa, a Funai, o Incra, as universidades e a educação em geral (cortes de verbas e monitoramento de suas direções), as políticas sociais e culturais, os conselhos populares, o convívio e a tolerância com as diferenças, a política ambiental etc. E, o mais impressionante de tudo, atuou criminosa e sistematicamente, durante a pandemia, a favor do vírus: entre outras coisas, desacreditando a sua gravidade, retardando a compra de vacinas e menosprezando a sua importância, boicotando todas as medidas necessárias à sua contenção (isolamento social, uso de máscara etc.), estimulando a contaminação generalizada da população (a famigerada “imunização de rebanho”), aparelhando politicamente o Ministério da Saúde e dificultando a sua atuação.

Todas as ações desses dois governos (reformas e políticas econômicas) aprofundaram o caráter neoliberal (estrutural) do padrão de desenvolvimento capitalista dependente do país, cujas consequências deletérias para a maioria da população haviam sido moderadas durante os governos de Lula e Dilma. Por tudo isso, a vitória da esquerda e de Lula em 2022 foi, sem dúvida, crucial para a democracia, o primeiro passo para a derrota do neofascismo e a reconstrução do país, além de um alento para a América Latina; mas ela só será efetiva, e duradoura, se na sequência o governo Lula avançar na redução estrutural da desigualdade.

(continua)


1 Mercadorias produzidas e monopolizadas pelas big techs do Vale do Silício (vanguarda do capitalismo atual), que se caracterizam por não terem custos de reprodução e, portanto, na visão marxista, não possuírem valor. No entanto, o monopólio dessas mercadorias propicia aos seus detentores a obtenção de uma renda, análoga à renda da terra, denominada “renda-conhecimento”. (Oliveira, Filgueiras: op. cit.)

2 Essas circunstâncias e a consequente flexibilização do RPM não podem ser vistas, como quer a direita neoliberal, como uma mera “sorte” de Lula. Na verdade, os ventos favoráveis da fortuna (circunstâncias não controláveis pelos sujeitos políticos) foram percebidos de forma correta pelo governo Lula e, daí, a decisão de alterar, flexibilizando-o, o RPM. Portanto, diria Maquiavel (2010), esse governo teve a virtude de perceber a mudança favorável da conjuntura internacional e, por isso, não só alterar o RPM, mas também implementar um conjunto de políticas públicas compatíveis com essa alteração.

3Nesse período, surgiram duas formulações críticas ao (suposto) Neodesenvolvimentismo do governo Lula, em razão de seu crescimento (inconsistente) ser “puxado” pelo crescimento dos salários: 1- o Novo-Desenvolvimentismo e o 2- Social-desenvolvimentismo, que propõem, como alternativa, respectivamente, um crescimento “puxado” pelas exportações (Bresser-Pereira, Gala: 2010) ou pelos investimentos públicos (Costa: 2012).

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