Paris, hipóteses sobre um massacre

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Autoria do ISIS é quase óbvia. Sucesso sinistro dos atentados demonstra falência da “Guerra ao Terror” – mas haverá enorme pressão por mais Estado policial. Vêm aí tempos ásperos

Por Antonio Martins

Certos acontecimentos têm o poder de mudar o curso da História e o massacre de ontem, em Paris, está entre eles. Assim como ocorreu após o 11 de Setembro, toda a vida social será marcada, nos próximos anos, pela narrativa que prevalecer sobre os atentados. Mas há algo em comum entre dois lados apenas aparentemente opostos. Tanto os criminosos – provavelmente, extremistas islâmicos – que mataram mais de 140 pessoas quanto os governos ocidentais que prometem intensificar a “guerra ao terror” estão obcecados pelo “Choque de Civilizações”. Eles se alimentam reciprocamente. Cada novo atentado reforça a ideia de que é preciso constituir “governos fortes”, lançar guerra ao Outro e sacrificar “temporariamente” as liberdades. Cada nova intervenção do Ocidente no mundo árabe produz – além de centenas de milhares de mortos, feridos e desalojados – uma legião de ressentidos que, diante da falta absoluta de alternativas, aderirá ao terror.

E a roda continuará girando, em espiral cada vez mais destrutiva e anti-civilizatória, se não houver um basta. Significa, do ponto de vista jornalístico, enxergar os acontecimentos além da superfície. Demonstrar que medidas aparentemente “naturais” contra atos terroristas – que todos repudiamos – irão, na verdade, estimulá-los. Apontar os interesses econômicos que há por trás da lógica das intervenções e das medidas de vigilância. Frisar que há alternativas. Descrevê-las.

Outras Palavras vai se envolver profundamente no exame do Massacre de Paris e no debate sobre seu significado. Para começar, algumas hipóteses sobre os atentados.

1. É quase certa a autoria do ISIS. Mas seu poder provém diretamente da desastrosa intervenção ocidental no mundo árabe

“Vocês vão pagar agora pelo que estão fazendo na Síria”, teria dito, enquanto metralhava a multidão no Teatro Bataclan, um dos oito atiradores que mataram ontem à noite, num só ponto de Paris, mais de cem vítimas. Hoje cedo, o presidente francês François Hollande reforçou a hipótese de que o ISIS é responsável pelo massacre e um obscuro “comunicado” do grupo jihadista assumiu a responsabilidade pelos crimes.

Mas como o ISIS, um movimento quase ignorado há menos de cinco anos, tornou-se capaz de lançar e manter uma guerra de grandes proporções no Oriente Médio, controlar a maior parte do território de dois países (Síria e Iraque) e praticar, com desenvoltura, atentados terroristas como o que atingiu um Airbus russo, há duas semanas e o que acaba de vitimar Paris.

Para esta questão, há uma leitura indispensável: A Origem do Estado Islâmico, de Patrick Cockburn, publicado no Brasil pela editora Autonomia Literária. O irlandês Cockburn, talvez o jornalista ocidental que melhor conhece o mundo árabe demonstra, com base num vastíssimo conhecimento da Síria e do Iraque e em impressionante capacidade de elaboração, que a emergência do ISIS é resultado direto das intervenções militares dos EUA no Oriente Médio.

Apresentadas de modo fraudulento como “resposta” necessária aos atentados da Al-Qaeda, no âmbito da Guerra ao Terror, a invasão do Iraque e, em seguida, o apoio às “insurgência” síria e libia pretendiam na verdade promover mudanças de regime favoráveis aos interesses geopolíticos e econômicos de Washington. Incendiaram, de modo deliberado, as tensões entre os dois ramos essenciais do islamismo – sunitas e xiitas. Instauraram, no lugar de regimes autoritários, o caos. Foram considerados por Noam Chomksy “o pior crime do século XXI”. Produziram, como resposta, os terroristas determinados que agora infernizam as capitais do Ocidente;

(continua)

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Um comentario para "Paris, hipóteses sobre um massacre"

  1. bb pp disse:

    A Al Jazeera tem uma matéria profunda sobre a guerra ao terror, na perspectiva do Choque de civilizações.
    https://www.youtube.com/watch?v=fIhTBEUr_80

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