Literatura com batata frita
Publicado 07/12/2011 às 16:30
Tudo mundo sabe: nos bairros mais periféricos de São Paulo, mais afastados do centro da cidade, quase não há alternativas de lazer e cultura. Os parques são poucos. Não existem museus, teatros, salas de cinema. “O único espaço público que o Estado deu pra gente foi o bar”, diz o poeta e escritor Sérgio Vaz. “Pra quem pensava que a gente ia se acabar bebendo cachaça, a gente transformou o bar em centro cultural. Então, fodeu: não tem mais como controlar a gente, porque o que não falta na periferia é bar.”
São também tema do filme Curta Saraus, que oferece um panorama dos principais centros irradiadores da chamada “cultura de periferia” em São Paulo. “Antigamente a gente pensava assim: ah, o bairro não tem nada. Mas o que a gente pode fazer pra intervir no bairro? O sarau, hoje, é nossa alternativa”, diz o poeta Michel Yakini às câmeras do diretor David Alves da Silva, que contou com o apoio do Ministério da Cultura para rodar o vídeo de 15 minutos (acima).
Mas nem só de alternativas culturais para a população da periferia são feitos os saraus. “O Sarau é uma festa, um princípio de revolução, transformação”, atesta Binho, do Sarau do Binho. No filme, é possível perceber que, ao lado da expressão artística, os versos dos poetas ou as performances cênicas dos atores da periferia carregam uma imensa vontade de transformação social. “A gente está vivendo nossa Primavera de Praga, nossa Tropicália”, compara Sérgio Vaz.
E a riqueza do movimento há tempos foi percebida nas regiões centrais da cidade — e valorizada por setores da classe-média. Não que os saraus precisassem da aprovação intelectual de quem quer que seja para continuar existindo ou reafirmar sua importância cultural e social. Mas é um fato que chamaram a atenção. “A gente tá sendo estudado nas universidades”, lembra Férrez, escritor. “Em muito lugar que a gente nunca ia entrar como pessoa, a gente tá entrando como livro.”