Israel: as misérias internas da guerra

Orçamento proposto por Netanyahu golpeia serviços públicos, para favorecer militares e extremistas religiosos. Economia despenca e empresas tecnológicas ameaçam deixar o país

Um dos checkpoints em que os palestinos passam horas, todos os dias, para ir a Israel. Desde outubro, estão fechados
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“Israel está perdendo a guerra” em Gaza, escreveram, há três meses, dois analistas geopolíticos norte-americanos em texto provocador traduzido por Outras Palavras. Eles referiam-se à perda de legitimidade internacional, que pode ser grave e duradoura. Agora, está aparecendo outra face da moeda: os desastres sociais e econômicos que o massacre dos palestinos provoca na própria sociedade israelense. Quem os relata é a revista Economist, apesar de seu apoio declarado a Tel-Aviv.

O dado mais visível é o novo orçamento – “de guerra” – que o primeiro-ministro Benyamin Netaniahu espera aprovar nos próximos dias. Ao lado de um forte incremento no gasto militar (de quase 100%), ele estabelecer uma redução drástica do gasto social. Saúde, Educação, Habitação, Assistência – tudo será reduzido, exceto o subsídio às escolas judaicas fundamentalistas que, admite a revista, “ensinam mais a Torah que Ciência”…

Mas o ataque a Gaza também golpeia a economia. O PIB despencou 20% no último trimestre de 2023, frente ao ano anterior. O país foi rebaixado por uma agência de avaliação de risco. Mais de 750 mil pessoas (uma a cada cinco, na força de trabalho) estão afastadas, ou por terem sido convocadas para o massacre, ou por viverem em áreas evacuadas, no sul e norte do país, por temor de ataques. A construção civil perdeu metade da força de trabalho – também porque cerca de 210 mil operários palestinos, que vivem na Cisjordânia ocupada, estão sumariamente proibidos de entrar no país desde outubro. O turismo perdeu 77% dos visitantes estrangeiros. O poderoso setor de tecnologia continua forte, mas o governo não pode contar com ele para elevar a arrecadação – porque as empresas ameaçam transferir suas atividades para o exterior.

As tensões sociais crescem. A minoria árabe que mora em Israel é a mais afetada pelos cortes de serviços públicos, enquanto os judeus fundamentalistas, isentos de serviço militar, recebem auxílios financeiros generosos do governo. A crise começou a provocar animosidade política mesmo no núcleo do poder. Nesta segunda-feira (4/2), Benny Gantz, rival político de Netanyahu, enfureceu o primeiro ministro ao viajar a Washington, onde se encontrou com a vice-presidente Kamala Harris. Embora adversários, os dois compuseram, em outubro, um “gabinete de guerra” comum. Agora, as divergências acentuam-se.

A crise só não se agrava mais, por enquanto, porque os EUA, que teriam plenas condições de pressionar Israel, continuam a afagar Tel-Aviv. Nesta segunda-feira (4/3), o Conselho de Segurança da ONU aprovou pela quarta vez, desde o início do genocídio, uma resolução estabelecendo cessar fogo, Previsivelmente, Washington o vetou.

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