Há algo autêntico em "Velho Chico"
Publicado 28/07/2016 às 17:44
Um participante histórico das lutas pelo semiárido relata sua relação com atores da novela — e se confessa surpreendido por ela
Por Roberto Malvezzi (Gogó)
Quando surgiu a notícia que haveria uma novela chamada “Velho Chico”, nós por aqui ficamos de orelha em pé. Nossa pergunta era: que abordagem irão fazer do rio São Francisco?
Depois os autores passaram por aqui – Edmara Barbosa e o filho Bruno -, conversaram com muita gente, inclusive comigo por umas cinco horas, e pareciam dispostos realmente a ouvir, a fazer uma novela que transparecesse a realidade do Velho Chico.
Tempos depois, por indicação de Letícia Sabatella, ainda fiz a oficina inaugural no Rio de Janeiro para atores, diretores e produtores.
Ali, no intervalo, fiquei surpreso com a procura de vários atores querendo informações, detalhes, do que poderiam fazer pela causa. Notei particularmente o interesse dos atores e atrizes nordestinos, muita gente jovem, como Lucy Alves, Irandhir Santos, mas também Domingos Montagner, Marcelo Serrado, Rodrigo Lombardi, além da própria Letícia.
O detalhe é que, na fala de seus personagens, eles podem colocar uma palavra, uma frase por decisão própria. É nesse momento que as informações precisas são fundamentais.
Depois do processo de Impeachment fiquei com tamanha aversão ao jornalismo político da Globo – e da mídia corporativa em geral – que já não suporto ligar na emissora. Além do mais, a última novela que tinha visto na vida foi Roque Santeiro.
Entretanto, por respeito a esses autores, atores e atrizes, vez em quando vejo a novela.
Boas surpresas apareceram. Uma cena do pescador (José Dumont) derramando uma lágrima nas correntezas do Velho Chico foi uma das mais belas que vi. Boas discussões sobre o saneamento, o uso do veneno na irrigação, a tentativa de alargar o papel do São Francisco para o contexto do paradigma da convivência com o Semiárido, são questões que não esperávamos aparecer.
Não seria honesto negar que esse conjunto de pessoas – incluindo o diretor, Luiz Fernando – não estejam fazendo um esforço de trazer um quadro mais real do Velho Chico.
Um senão é a figura do coronel Afrânio. A transição do personagem não foi bem feita. Os coronéis modernos vestem Armani, andam de jatinho, tem apartamentos e mansões sofisticadas, dominam os meios de comunicação e sempre são ministros de Estado, senão eles, seus filhos. Mas, diante da expectativa, está melhor que o esperado.
Poderiam também ter incorporado a musicalidade nativa do São Francisco, particularmente a música Boato Ribeirinho, a expressão máxima da dramaticidade do Chico. Foi declamada uma vez por Yolanda – Christiane Torloni -, há uma bela música de Paulo Araújo (há um rio afogando em mim), além de outra de Geraldo Azevedo. A trilha sonora é belíssima, mas poderia ser mais nativa.
Os atores e atrizes – aí é o talento brasileiro – são excelentes em sua maioria.
Por fim, claro que uma novela é um folhetim. Não se pode esperar dela a profundidade de uma obra de arte. Porém, como diz uma jovem jornalista da CPT da Bahia, “não menosprezem a força dos folhetins”.
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Formado em filosofia, teologia e estudos sociais, é escritor e compositor, sendo suas obras reflexo do seu trabalho político e do seu lado religioso.
O Velho Chico não precisa de falatório. Precisa é de uma juventude mentalmente sadia que em vez de futucar telefone lhe plante árvores nas margens e lhe retire a sujeira.
De saída, é preciso dizer que os Barbosa pouco fizeram no texto da novela, sobretudo a filha do Barbosa. O neto é quem toca, junto com o “colaborador”, muito mais experimentado, Luis Alberto de Abreu, que trabalhou nos seriados Hoje é dia de Maria, A Pedra do Reino, Capitu, e escreveu filmes como Kenoma, Narradores de Javé e outros tantos.
Portanto, o mérito deve ser dado, especialmente, às mãos hábeis do poeta/prosador Luis Alberto de Abreu, que junto com Luis Fernando de Carvalho têm produzido coisas muito interessantes na globo. (Emissora lazarenta, por excelência).
Depois, ninguém nunca está contente, não é verdade?
Raquel Rolnik diz que a novela não explora o verdadeiro rio São Francisco, porque muitas de suas cenas não são feitas lá.
Outros dizem que a “musicalidade não é nativa”.
Ora, amigos, cinema, televisão, tudo isso é feito por improvisação. Novela, filme, etc. é ilusão, é ficção, não é documentário.
Não precisa ser fiel, estritamente, mas apenas se ater à verossimilhança. E quanto a isto, está muitíssimo bem.
O primeiro mês da novela, antes da transição de Santoro a Fagundes, foi um dos momentos mais arrepiantes de lirismo e poesia das novelas da globo nos últimos tempos.
Uma produção primorosa, que pouco errou, que arrancou soluços e lágrimas do telespectador que acompanhou atento desde o início.
Como é de praxe, os meses seguintes caíram um pouco no folhetim, porque, afinal, novela é novela e a lenga lenga de amorzinho tem de aparecer.
Enfim. Fala-se muito de Velho Chico, mas pouco se fala das clássicas referências que aparecem ao longo desse primeiro mês, como Sertões de Euclides da Cunha, ou Shakespeare, Romeu e Julieta, ou mesmo Hamlet ou outros clássicos da literatura dramática. Todo mundo só fala da porcaria da peruca do Fagundes e do seu visual horroroso, que talvez tenha mais o sentido de causar riso no público ao ver um personagem tão surreal. Alguém já pensou que seria justamente essa a intenção dos figurinistas e diretores (porque não é só Luis Fernando de Carvalho que dirige)? Um personagem que seja ridículo pois anacrônico, ultrapassado, que quer se modernizar mas não consegue. Um moderno que se torna ridículo.
Mas a falta de vontade e reflexão profunda sobre as coisas sempre paira.
Enfim, a vida segue.
Novela é ficção e como tal pode viajar em recursos como posicionamento de câmeras,diálogos,metonímias, metáforas e outros recursos. Novela não é documentário,logo não é fotografia da realidade.É um bom trabalho,principalmente, nas caracterizações dos personagens,as músicas as expressões faciais,figurino,contracenas e outros.Uma direção respeitável,cenas marcantes e uma linguagem compatível à narrativa.Talvez inverossímel em algumas situações,mas nada comprometedor.o Coronelismo varia também de lugar à lugar.Não sejamos radicais e exigentes.Há necessidade de tentar passar uma mensagem que implica reflexão.A roupa do saruê,mesmo caricata,diz muito,pois isola-o dos outros viventee e fecha-se com o nome saruê: aquele repugnante,que cheira mau e afasta todos que tentam aproximar-se dele.É o fundamento do isolar-se,do viver só,apesar do poder econômico.Graciliano em São Bernardo já abordara tal isolamento na figura do coronel.Evidente que são trabalhos diferentes,porém cada um procura denunciar o isolamento à medida que a pessoa torna-se mais poderosa e não age em benefício da comunidade,mas somente no próprio.Chega às raias da zoomorfização e quiçá da teratologia.É um trabalho ousado e merece nosso respeito.Esse exercício,mesmo que não seja ótimo,que apresenta defeitos,é valido,pois abre caminhos para a depuração artística.