Deleuze em busca dos mistérios de Proust

Em livro relançado pela Editora 34, filósofo empreende jornada de decifração dos signos do principal escrito de Marcel Proust: Em Busca do Tempo Perdido. Leia entrevista com pesquisadora da obra deleuziana. Sorteamos um exemplar

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A principal obra de Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido, foi motivo de permanente inquietação ao espírito questionador e investigativo do filósofo Gilles Deleuze. Por conta disso, o pensador empreendeu uma jornada em busca de decifrar os sinais contidos no escrito.

Essa sua jornada está refletida no livro Proust e os signos. A primeira parte do escrito completará, neste ano, 50 anos de publicação. No entanto, desde 2022, a Editora 34 disponibilizou no Brasil uma edição revisada e com tradução de Roberto Machado, reconhecido estudioso de Deleuze em nossos trópicos.

Outras Palavras e Editora 34 sortearão um exemplar de Proust e os signos, de Gilles Deleuze, entre quem apoia nosso jornalismo de profundidade e de perspectiva pós-capitalista. O sorteio estará aberto para inscrições até a segunda-feira do dia 29/1, às 14h. Os membros da rede Outros Quinhentos receberão o formulário de participação via e-mail no boletim enviado para quem contribui. Cadastre-se em nosso Apoia.se para ter acesso!

Na brochura, o filósofo francês relata o “aprendizado da decifração de sinais” do texto de Proust, desembocando na “revelação final da Arte como a mais alta espécie de signos”. Em Proust e os signos é possível acompanhar o trajeto trilhado pela leitura desveladora de Deleuze, além de experimentar o encontro genioso de duas grandes mentes.

Ensejando aclarar as ideias acerca desse encontro e desenvolver algumas reflexões sobre o impacto da obra de Marcel Proust e o que o novo lançamento da Editora 34 traz de bom para os estudos literários nacionais, conversamos com Larissa Drigo, escritora, tradutora, pesquisadora da obra deleuziana e professora assistente doutora do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (IBILCE-UNESP). Leia a entrevista na íntegra logo abaixo.


1 – O livro de Marcel Proust analisado por Gilles Deleuze em Proust e os signos é um dos mais lidos e estudados da história. Em busca do tempo perdido é um marco da literatura. O que o faz ser tão prestigiado?

Vou tentar nomear algumas razões. Em busca do tempo perdido se insere em uma tradição, a do romance de formação. Proust o escreve em primeira pessoa, não como os mestres realistas, portanto, mas como nosso bruxo Machado de Assis, seu precursor, se me permitem. Proust estava muito bem inserido na sociedade francesa, digo economicamente. Seu prestígio também vem daí, do seu lugar social, abastado e conservador. Ele foi agraciado com o prêmio Goncourt, um dos mais prestigiados do país. Porém, depois de ter ganho o prêmio com o primeiro tomo, escreveu muitos outros, e seu romance não tem nada de conservador, muito pelo contrário.

Proust tem uma escrita absolutamente singular, poética, eu diria, porque seu romance é antes de mais nada construído pelo ritmo dessas frases que parecem não ter fim. Do ponto de vista da frase, ou sintaticamente, Proust continua o que Mallarmé começou na poesia.

Além disso, Proust era um teórico, um crítico literário e de arte. Em Em busca do tempo perdido podemos encontrar além de discussões sobre teatro, música, literatura, um debate sobre estética no sentido mais amplo do termo, um debate filosófico, entre Proust e Henri Bergson, em torno do tempo; além do retrato de uma sociedade em plena transformação na virada do século. Estão representadas todas as classes sociais. Embora Proust tenha morrido antes da Segunda Guerra, ele viveu e retratou o affaire Dreyfus que dividiu a sociedade francesa em torno ou a partir do antissemitismo, e em seguida, ele vai analisar a Primeira Guerra mundial, sob o mesmo ângulo, dizendo que agora os franceses faziam com os alemães o que outrora fizeram com os judeus. Ele está interessado em discutir e criticar as teorias da raça e do Estado nação que surgiram em seu tempo e além disso, tratar de sexualidade.

Proust também era contemporâneo de Freud e além do tempo, da vida de um artista e de sua formação, da sociedade francesa entre o século XIX e o XX, ele também quer pensar um inconsciente literário e o faz com uma teoria da sexualidade que visa revisar o que se entendia por homossexualidade. E é nesse ponto que a originalidade e a ousadia de Proust encontram Deleuze e, também, Guattari.

2 – A repercussão da obra de Proust no âmbito da literatura é inegável. Porém, esta publicação da Editora 34 poderia ser melhor classificada como um trabalho de filosofia, de semiótica. Que elementos de Em busca do tempo perdido tornam o romance terreno fértil para investigações desse ramo?

É importante lembrar que no pós-guerra, do existencialismo e também no estruturalismo, literatura e filosofia não são caminhos separados como duas faculdades.

Principalmente, nos anos 60 com Roland Barthes e o grupo Tel Quel, que inclui de Julia Kristeva à Michel Foucault, a linguagem está no centro do debate da antropologia à filosofia, passando pela crítica literária, evidentemente. Nesses anos, como em outras décadas onde reinavam as vanguardas, essas distinções estão no centro do problema.

A questão mais evidente, nomeada no título é o tempo, a teoria da memória involuntária que Proust coloca em cena no romance, a saber, a questão de saber o que a possibilidade de que possamos nos deparar com um cristal puro de tempo, por acaso, ao cruzar uma esquina ou chegar em algum lugar, – um instante de felicidade reencontrado num passado onde acreditávamos que só havia existido sofrimento-, nos diz sobre a natureza da nossa experiência.

Deleuze quer pensar de que forma o narrador proustiano navega por tantos mundos distintos e seus signos particulares, os signos da vida mundana, da arte e do amor. De que forma uma vida se tece entre esses mundos e suas diferenças. Qual a natureza dessa vida de artista, o que é isso a literatura, a verdadeira vida vivida?

Esse livro, Proust e os signos, testemunha o encontro entre Deleuze e Guattari, Deleuze reescreveu o livro depois de 1969. Esse encontro transformou a maneira como Deleuze lia Proust e a questão mesma da sua filosofia por trinta anos. O conceito guattariano de transversalidade está por trás dessa transformação e desse movimento de décadas que uniu os dois autores. 

Deleuze vai pensar a questão do inconsciente literário proustiano, a saber, o que significa o desejo “invertido” supostamente homossexual a partir da maneira como Proust estabelece um paralelo entre a sexualidade de um casal de “homens” e uma abelha e uma flor. A comunicação entre os dois sexos que nos habitam não existe, somos como vasos fechados, caminhos que se bifurcam, não sem inventar acasos surpreendentes. Proust quer pensar o caráter singular dessa relação.

Além disso, transversalidade é um conceito que Guattari extrai da clínica e que funciona como um norte metodológico dentro dos trabalhos que serão posteriormente desenvolvidos por ele e Deleuze. A princípio, na clínica, a transferência funciona de forma transversal, transversal poderia ser uma forma de organização política, portanto, conclui Guattari, em Psicanálise e transversalidade ela não é nem vertical nem horizontal. É transversalmente que Deleuze e Guattari vão procurar pensar a vida social e a história, daí a importância da semiótica, pois é através dos signos, sejam eles significantes ou a-significantes que atravessamos mundos distintos. 

3 – A última publicação de Proust e os signos no Brasil data de 1987 e está esgotada há bastante tempo. Além do escrito original de 1965, a publicação da Editora 34 conta com novas traduções de Roberto Machado dos textos A máquina literária, de 1970, e Presença e função da loucura, a Aranha, de 1973, também sobre a obra do escritor francês. Como o relançamento desse conjunto de escritos de Deleuze pode impactar os estudos proustianos no Brasil?

Espero que impactem os estudos em crítica literária e filosofia e literatura. 

Deleuze, como Foucault e Derrida, Badiou ou Rancière faz parte de uma geração de filósofos, estruturalismo oblige, que pensam a partir da literatura porque para essa geração a linguagem é um problema filosófico fundamental. Pensar a linguagem ou a partir dela, significa pensar as relações entre nós e nossa relação com o mundo. Pensar relações e formas de. Ela é política, portanto, uma questão política central. Extrapola, portanto, o campo da literatura e da filosofia, diz respeito à clínica, à nossa saúde, nossa forma de ser no mundo. São textos fundamentais para pensarmos a máquina, o maquinismo e o que concerne o inconsciente e o pensamento contemporâneo.

4 – O que você diria para alguém que tem o desejo de ler Proust mas ainda não deu o passo de sentar e abrir o livro?

Não faltam razões para justificar a singularidade desse livro. Poucos outros são capazes de reunir tantos mundos, da reflexão filosófica e estética até a social e política. E de o fazer de uma forma igualmente singular, na primeira pessoa, mantendo uma distância insondável entre o “eu” que narra e os mundos que observa e atravessa, distância e questão que ele nos coloca e na qual nos convida a entrar, o fim da leitura é que possamos ler a nossa própria vida. Eu demorei vinte anos, porque não queria terminar. Há quem escreva sobre, para continuar lendo Proust.


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