Crônica do garoto que falava treze idiomas

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Enquanto zomba do esforço dos garotos que se preparam para a Copa e as Olimpíadas, velha mídia esquece dramas sociais da infância 

Por Joseh Silva

Nesta quinta-feira, 12,  a versão online da Folha de S. Paulo publicou uma matéria sobre garotos de improvisam no inglês para pedir dinheiro a estrangeiros que chegam ao aeroporto internacional de Guarulhos. Segundo a matéria, “Money”, “miss”, “mister” e “chocolite” são algumas das palavras pronunciadas pelos meninos, e o que mais escutam como resposta é  “No, bye”.

Para sobreviver, cada um se arranja da forma que achar mais conveniente. Certo dia eu estava em um boteco, com uns amigos, onde alguns meninos vendiam panos de prato. Um deles se aproximou e disse que, se eu comprasse um pano, falaria “bom dia” em treze idiomas diferentes. Uma amiga pagou pra ver; o garoto começou: Good morning, Buenos dias… e foi até o último sem gaguejar. Ao final, aplausos, expressão de surpresa. O menino saiu ovacionado, ficamos perplexos com sua desenvoltura e agilidade. Meta atingida.

Vinte minutos depois, chegou outro garoto, prometendo falar bom dia em doze idiomas diferentes se comprássemos um pano de prato.

— Ué, meu querido, acabou de passar outro, que falou em treze línguas. Você quer levar com 12? — perguntamos.

— Filho da puta! Eu ensinei os doze a ele, que ele aprendeu mais um – respondeu o garoto. Saiu a procura do poliglota que o traíra.

Em outra ocasião, eu jantava na praça de alimentação de um hipermercado e um garoto pediu cinquenta centavos.

— Cinquenta? Olhei espantado: — Pô, irmão, normalmente se pede dez centavos. Por que você quer cinquenta?

— É pra acessar a internet na lan-house.

— Hã? Espantei!

— É… quero jogar.

Dei dois reais e fiquei observando menino saindo. Ele encostou em um computador, olhou para mim e ficou por ali. Voltei a comer e  depois de 30 minutos, quando saía, vi que estava na fila do caixa, com um pacote de bolacha recheada nas mãos.

As crianças estão se adaptando ao mundo enquanto o mundo não se adapta a elas. Existe um número exorbitante de projetos do governo, uma quantidade monumental de organizações e associações e as crianças continuam nas mesmas ruas, nas mesmas favelas, na mesma condição econômica, cultura, educacional. Está difícil ver um trabalho sério como a das organizações Casa do ZezinhoAfro Reggae.

Algumas pessoas teimam em dizer que esses meninos estão assim por escolha. Será?  Será que querem roubar uma bolacha em um mercado para correr o risco de serem surrados? Chegar no farol pela manhã e sair a noite? Ou será que gostariam de estar em parques, praças, clubes, shopping, praias? Trocariam o conforto pelas ruas?

Vende-se a imagem de crianças socialmente vulneráveis, que dependem de um amparo social inexistente. Lucra-se com caos que o poder público gera para se gerar mais lucro para acabar com o caos. Até quando continuaremos a acreditar em mentiras transformadas em verdades? Nossas cidades vivem a ausência completa da rede assistencial – CCA, CJ, CRAS, CREAS, Conselho Tutelar. As que existem são cabides, convênios ou estão funcionando precariamente.  

As pessoas mobilizam-se da forma que bem entendem, para atender suas necessidades imediatas. Se para isso tiverem que enrolar no inglês ou em qualquer outra língua, isso será feito. Infelizmente, as crianças que estão no aeroporto, pedindo, são vítimas de uma condição social criada para massacrar os menos favorecidos. Estão tentando sobreviver em um sistema que foi criado para privilegiar alguns e para que eles morram ou vivam pensando que estão vivendo.

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3 comentários para "Crônica do garoto que falava treze idiomas"

  1. Curioso é q se gasta em média , três mil reais c cada criança .

  2. Tto no Brasil, como no Haiti, há uma quantidade imensa de organizações, e associações voltadas p o problema. E tto lá qto cá, as crianças continuam desassistidas, e nas ruas.

  3. Ana Maria dos Santos disse:

    O que o autor diz é certo. Trabalhei voluntariamente uns 7 anos em uma organização de abrigos de crianças. Saí de lá por discordar dos métodos utilizados. Há alguns anos faço isso em outro e lamento o despreparo dos funcionários e a precariedade do atendimento. Mas fico lá porque parece que todos são assim.

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