“Comunismo ou extinção”, alerta Franco Berardi

Publicado pela Ubu, parceira de Outras Palavras, livro do filósofo italiano provoca: é preciso resgatar a ousadia de imaginar horizontes utópicos no pós-pandemia. Quem apoia nosso jornalismo concorre a dois exemplares e tem 30% de desconto

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Pouco depois da pandemia de covid-19 se espalhar pela China, a Itália foi o primeiro país do Ocidente a ser atingida pelo vírus que, naquele momento, era desconhecido. Os casos iniciais foram registrados na região da Lombardia, ao norte do país, e em pouco tempo se espalharam por todo o território. O resto do mundo observava com espanto enquanto a Itália decretava a quarentena de sua população, anunciava a superlotação de seus hospitais e alertava as outras nações para o perigo da nova doença. 

Histórico militante e pensador do Autonomismo italiano, Franco Berardi – o “Bifo” – é um dos filósofos mais prolíficos de nosso tempo. É um autor de casa: por diversas vezes, já publicamos suas reflexões em Outras Palavras. Bifo se ocupa do erótico, do tecnológico, do crítico e do psicológico no Ocidente hoje, atento aos rumos da sociedade capitalista e às brechas para imaginar (e desejar) outros futuros. 

O diário reúne sensações, reflexões, comentários políticos, conversas com amigos e projeções futuras sobre o período pandêmico escritas entre o final de fevereiro e o final de maio de 2020, período em que o autor esteve em quarentena na cidade de Bolonha, na Itália. Além disso, o livro traz também seis pequenos ensaios sobre o vírus e suas implicações na sociabilidade, na política e no inconsciente. 

Outras Palavras sorteará entre os apoiadores do nosso jornalismo 2 exemplares de Extremo: crônicas da psicodeflação, último livro de Bifo publicado por nossos parceiros da Ubu Editora. Este texto é a introdução do livro — quem apoia nosso jornalismo tem direito a descontos de 20% a 30% no site da editora. Leia também este trecho, publicado em 2020


Fenomenologia do fim: um título ambíguo

Sim, mas o fim de quê?

Isso depende de nós, depende de você.

Se soubermos criar condições de solidariedade social, se soubermos nos equipar com ferramentas adequadas de defesa e ataque, se pudermos desenvolver um modelo adequado de aplicação completa das tecnologias de produção, então será o fim da propriedade privada, do domínio abstrato do capital, da exploração e da miséria.

Um fim esperado e prometido há dois séculos, que nenhuma política foi capaz de implementar; paradoxalmente, foi um vírus que pôs ao alcance de uma humanidade à beira do precipício a possibilidade de emancipar-se da superstição do dinheiro e do trabalho assalariado.

Se não soubermos como criar essas condições, então o fim sobre o qual teremos que falar é exatamente o fim da humanidade. Da humanidade como um valor compartilhado, como sensibilidade, inteligência e compreensão, mas também como espécie: o fim do animal humano na Terra.

Desta vez, não estamos brincando. Incêndios florestais em todo o mundo, derretimento de geleiras, invasão catastrófica de gafanhotos na África, corrida armamentista, a fome que retorna a muitas áreas do mundo, a pandemia viral

que inaugura uma era de terror sanitário.

Tudo isso significa uma coisa: que a extinção está em pauta e que não há outra maneira de evitar essa perspectiva senão pela igualdade econômica radical, pela liberdade cultural, pela lentidão de movimentos e pela velocidade de pensamentos.

Comunismo ou extinção.

Há cinquenta anos, uma revista chamada Socialisme ou Barbarie circulava nas livrarias de Paris. Sabemos como acabou. Não conseguimos criar as condições culturais e técnicas para o socialismo, e o resultado foi visto nos primeiros vinte anos do novo século: exploração brutal, precariedade e miséria crescentes, racismo, nacionalismo, submissão da inteligência coletiva à ignorância da minoria armada.

Barbárie.

E, no final, colapso, naturalmente. Colapso sanitário, é claro, mas, mesmo antes, colapso psíquico, alastramento da depressão, crise de pânico, epidemia de suicídios.

No primeiro semestre de 2020, o colapso entreabriu as portas do nosso amanhã.

Pode ser (é muito provável que seja) um amanhã de guerra civil generalizada, opressão tecnototalitária de contornos chineses, violência fascista de contornos turcos ou húngaros, demência armada em massa de contornos norte-americanos.

Nesse caso, vamos perceber em breve que seria melhor termos sido eliminados pela Covid-19, em vez de testemunharmos, impotentes, a violência dos patrões e a arrogância dos servos ignorantes.

Com o petróleo custando zero dólar, o mundo será sufocado pelas névoas venenosas de Delhi, pelos incêndios devastadores da Austrália, pelas águas dos oceanos tempestuosos. Em algumas gerações, oraremos ao deus do inevitável para acelerar o momento da extinção iminente.

Mas outro fim é possível, um fim que é um começo.

A potência da inteligência técnica governada por 100 milhões de jovens trabalhadores do conhecimento, o florescimento de milhões de coletivos autônomos, laboratórios e escolas produzindo o que é necessário a todos, sem que ninguém nunca mais lucre com isso.

O dinheiro tornou-se inútil, a acumulação é uma ilusão perigosa.

Precisamos de pesquisa científica, satisfação preguiçosa das necessidades essenciais e prazer de sentidos e mentes.

Que o erótico expulse a lembrança triste do econômico. Que a poesia cosmopolita dissolva o mau cheiro do pertencimento nacional. Que todas as bandeiras sejam queimadas, que as portas de todas as prisões se abram.

É possível, se conseguirmos resistir ao provável e se formos capazes de zombar do inevitável.

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