A morte nos trilhos da CPTM

Assessoria de imprensa da empresa não teve dúvida: antes mesmo de qualquer apuração, correu para identificar os culpados. Quem? Os mortos, naturalmente…

Por Rogério Centofanti

A Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) deve estar tentando alcançar algum recorde. Dois acidentes em menos de uma semana, nos quais dois trens da empresa, em diferentes datas e locais, ceifam vidas de cinco pessoas nas linhas, além de deixarem uma ferida? Tem coisa errada.

No primeiro acidente, a assessoria de imprensa da CPTM não teve dúvida: antes mesmo de qualquer apuração, correu para identificar os culpados. Quem? Os mortos, naturalmente, pois estavam sem coletes e andavam pelos trilhos. Estivessem sem os tais coletes, e resta saber por que estavam sem eles. Estivessem com coletes, e resta saber se isso impediria o impacto. Certamente andavam pelos trilhos – pois apenas assim poderiam ser colhidas pelo trem –, mas resta saber por que faziam isso. Fossem os mortos apenas andarilhos, e as coisas caberiam dentro do entendimento até mesmo de um leigo. O problema é que eram todos profissionais de ferrovia, e alguns deles com boa janela de profissão. Seriam todos negligentes? Seriam todos suicidas? Difícil de aceitar essa possibilidade. Sendo assim, resta imaginar que tem coisa errada no reino da CPTM.

No segundo acidente, a assessoria de imprensa da CPTM mostrou-se mais cautelosa: lamentou o ocorrido e diz que vai apurar os fatos. Claro que vai apurar, pois obrigada, assim como a polícia e demais órgãos competentes dos poderes públicos. Disse o óbvio, portanto. Não lamentou, porém, o primeiro acidente. Desta vez morreram dois engenheiros ferroviários da CPTM, com muitos anos de casa. Ao que parece também estavam nos trilhos. Mais negligentes ou suicidas? O que “parece” não ter acontecido em nenhum dos dois acidentes? Os maquinistas (talvez com raiva de engenheiros) terem desviado os trens dos trilhos com a intenção de atropelar as vítimas. Poderiam ter esse desejo? Talvez – no campo das vicissitudes humanas -, mas não teriam condições materiais para tanto, pois trens não saem dos trilhos por mero desejo do maquinista.

Retirando a hipótese de um monte de negligentes ou suicidas fazerem parte do corpo da CPTM, da CAF ou de prestadoras de serviços, resta a hipótese de negligentes em outras áreas da CPTM, da CAF ou das prestadoras de serviços. Talvez sejam todos negligentes.

Sei que não é boa hora para brincar neste estilo irônico, mas é boa hora para registrar o evidente: tem algo de podre no reino da CPTM, e vai muito, mas muito além de alguns coletes…

Parece que passou da hora de o Governo do Estado de São Paulo, da Secretaria dos Transportes Metropolitanos, da Promotoria Pública, da Polícia e de quem mais possa responder direta e indiretamente pela segurança dos cidadãos, olharem mais de perto o que acontece dentro da CPTM. Tem algo de podre no reino da CPTM.

Atualização: 

Não dá mesmo para elogiar a CPTM. Mal publiquei um artigo (A morte nos trilhos da CPTM) dizendo que pelo menos no segundo acidente com vítimas fatais ela não atribuiu culpa aos mortos, e assisto agora, pela TV, que ela reviu posição. O que fez? Culpou – ao exemplo do primeiro acidente – justamente os mortos.

Afinal, o que faziam dois profissionais ferroviários, com longo tempo de serviços prestados a empresa, andando pelos trilhos? “Talvez” a CPTM pelo menos reconheça que estavam trabalhando, e não apenas dando um “rolê” ou fazendo cooper.

Com o segundo acidente surge uma variável que eu não havia aventado no primeiro. Neste, além de negligência ou ímpeto suicida, surge indisciplina. Insubordinação, talvez.

Ferroviários morrem nos trilhos da CPTM por negligência, ímpeto suicida ou indisciplina. Não usam coletes obrigatórios por mera negligência, e andam pela linha apenas para contrariar as normas de segurança da empresa.

Devem fazer parte de um grupo organizado, que visa desestabilizar o bom nome da empresa, ainda que para isso tenha que sacrificar a própria vida.

Francamente: será alguém vai acreditar nisso?

O que pode levar um grupo de homens experientes (estamos falando de cinco mortos em menos de sete dias) a contrariar normas de segurança de uma empresa, pondo em risco a própria vida para exercer suas obrigações profissionais?

Fossem “malandros”, e a primeira coisa que fariam seria justamente cuidar dos próprios interesses, em especial da própria vida.

Será que a CPTM não percebe o tapa que está dando na cara de todos os seus funcionários, dos usuários, da imprensa e das autoridades que irão investigar esses acidentes?

SE os ferroviários estão fazendo essas barbaridades todas que diz a CPTM, onde estão os gestores da empresa que só “descobrem” isso agora, quando cinco deles morrem em menos de uma semana?