Reflexões sobre fascismo (II) – Thomas Mann

thomasmann

“Que se passava, afinal? Que havia no ar? Um espírito rixento. Uma irritação aguda”. Descrição feita pelo escritor alemão em sua obra-prima, em 1924, segue atual

Por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)

A obra-prima de Thomas Mann data de 1924: “A Montanha Mágica”. Ali ele já conseguia descrever – em uma cena relativa a um sanatório para tuberculosos na Suíça – o que poderíamos descrever como clima do nazifascismo:

“Que se passava, afinal? Que havia no ar? Um espírito rixento. Uma irritação aguda. Uma impaciência indizível. Uma tendência geral para discussões venenosas, para acessos de raiva e mesmo para lutas corporais. Querelas ferozes, gritarias desenfreadas de parte a parte surgiam todos os dias entre indivíduos ou grupos inteiros, e o característico era que aqueles que não tomavam parte nos conflitos, ao invés de se sentirem desgostosos diante da conduta dos respectivos adversários ou de servirem de pacificadores, simpatizavam com a explosão de sentimentos e intimamente se abandonavam à mesma vertigem. Ficavam pálidos ou estremeciam ao ver uma cena dessas. Os olhos brilhavam agressivamente. As bocas crispavam-se de tanta paixão. Invejava-se aos protagonistas do momento o direito, a oportunidade para berrar. O premente desejo de imitá-los atormentava as almas e os corpos, e quem não tinha a força necessária para refugiar-se na solidão era irresistivelmente arrastado pelo torvelinho. As brigas por motivos fúteis, as recriminações mútuas em presença das autoridades empenhadas em reconciliar os digladiadores, mas que elas próprias caíam, com espantosa facilidade, vítimas da tendência geral para a gritaria grosseira – tudo isso se tornava frequente no Sanatório Berghof”.

Dez anos depois ele seria expatriado, após tomar uma posição clara contra o regime nazista. Confiram a reação de Mann:

“Um escritor alemão, acostumado à responsabilidade através da língua, deve agora silenciar? Silenciar absolutamente perante o mal irreparável, que no meu país foi e é praticado em corpos, almas e espíritos, no direito e na verdade, na humanidade e na pessoa? Não foi possível. E assim vieram as manifestações de minha parte contra o programa nazista. Minhas posições contrárias a ele ficaram inevitavelmente claras, tendo levado ao absurdo e ridículo ato de meu expatriamento”.

No ano seguinte, 1937, o Ministério de Esclarecimento Popular e Propaganda do regime dizia que o escritor devia ser “apagado da memória de todos os alemães”.

LEIA MAIS:

Reflexões sobre fascismo (I) – Umberto Eco

Reflexões sobre fascismo (III) – Camus, Graciliano, Adorno, Fellini…

Reflexões sobre fascismo (IV) – Sartre, Brecht, Sabato, Monsalve

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8 comentários para "Reflexões sobre fascismo (II) – Thomas Mann"

  1. Luana disse:

    Olá.
    Estou gostando das referências para, futuramente, ler a obra.
    Até mais! 0/

  2. Luana disse:

    Olá.
    Estou gostando das referências para, futuramente, ler a obra.
    Até mais! 0/

  3. maria mercedes merry brito disse:

    Muito á proposito lembrar Thomas Mann.

    Se bem que o ódio destilado por grupos em nosso país, tem apenas um lado por enquanto. Mas um lado voraz, determinado a enxovalhar as ´práticas de esquerda de pessoas comuns e denegrir e xingar personalidades como Chico Buarque e outros nas ruas, restaurantes etc. Esse ódio tem sua disseminação instigada pela mídia nacional inteira. Vergonhosa por exemplo a analise precária que a Sra Miriam Leitão tem feito no Jornal da CBN , sobre a questão do índice atual. de desemprego no pais, que nem é maior do que em outros países mais “potentes”
    Por conta dessa análise rasteira que inclusive denigre o sindicalismo brasileiro. Atenção para o que essa Sra.diz: “São grupos que por serem organizados, levam um pedaço do bolo nas negociações com os patroes e governo, deixando uma parcela significativa e não sindicalizada equivalente a 40% da população a Deus dará. ” E dentre outros argumentos não menos simplistas, aposta nas propostas de flexibilização/terceirização do trabalho entre nós. E pôr aí vai a disseminação de ódio ao trabalhador engajado, aos sindicatos,ao funcionalismo público e tantos mais. É por isso que Thomas Mann nos fala e Chico reafirma a condição de SANATÓRIO GERAL em que vivemos. Muita conversa é necessário para fazer frente à essa doença – o ódio cego e surdo que tem como vetor potente de transmissão, o parlamento, partidos e mídia, . AVE PALAVRA.!

    Cabe ao jornalismo inteligente aprofundar esses temas com a população com a profundidade que exigem. Parabéns.

    • Alceu Castilho disse:

      Grato, Mercedes, o propósito foi exatamente o de oferecer alguns instrumentos para o debate.

    • Pepino, O Grande! disse:

      Interessante que Mann foi atacado por um partido cujo discurso dizia defender exatamente os trabalhadores… Aqui se alguém fala contra o partido ou contra quem defende o partido que discursa ser a voz dos trabalhadores, essa ação logo é rotulada como “ódio”, como se o partido daqui fosse imune aos vícios do partido de lá, e tanto não é que se posta como a solução para tudo, para todos os problemas (como o de lá), o que uma plataforma de governo realista jamais se permitiria afirmar.

  4. maria mercedes merry brito disse:

    Muito á proposito lembrar Thomas Mann.

    Se bem que o ódio destilado por grupos em nosso país, tem apenas um lado por enquanto. Mas um lado voraz, determinado a enxovalhar as ´práticas de esquerda de pessoas comuns e denegrir e xingar personalidades como Chico Buarque e outros nas ruas, restaurantes etc. Esse ódio tem sua disseminação instigada pela mídia nacional inteira. Vergonhosa por exemplo a analise precária que a Sra Miriam Leitão tem feito no Jornal da CBN , sobre a questão do índice atual. de desemprego no pais, que nem é maior do que em outros países mais “potentes”
    Por conta dessa análise rasteira que inclusive denigre o sindicalismo brasileiro. Atenção para o que essa Sra.diz: “São grupos que por serem organizados, levam um pedaço do bolo nas negociações com os patroes e governo, deixando uma parcela significativa e não sindicalizada equivalente a 40% da população a Deus dará. ” E dentre outros argumentos não menos simplistas, aposta nas propostas de flexibilização/terceirização do trabalho entre nós. E pôr aí vai a disseminação de ódio ao trabalhador engajado, aos sindicatos,ao funcionalismo público e tantos mais. É por isso que Thomas Mann nos fala e Chico reafirma a condição de SANATÓRIO GERAL em que vivemos. Muita conversa é necessário para fazer frente à essa doença – o ódio cego e surdo que tem como vetor potente de transmissão, o parlamento, partidos e mídia, . AVE PALAVRA.!

    Cabe ao jornalismo inteligente aprofundar esses temas com a população com a profundidade que exigem. Parabéns.

    • Alceu Castilho disse:

      Grato, Mercedes, o propósito foi exatamente o de oferecer alguns instrumentos para o debate.

    • Pepino, O Grande! disse:

      Interessante que Mann foi atacado por um partido cujo discurso dizia defender exatamente os trabalhadores… Aqui se alguém fala contra o partido ou contra quem defende o partido que discursa ser a voz dos trabalhadores, essa ação logo é rotulada como “ódio”, como se o partido daqui fosse imune aos vícios do partido de lá, e tanto não é que se posta como a solução para tudo, para todos os problemas (como o de lá), o que uma plataforma de governo realista jamais se permitiria afirmar.

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