Decisões instantâneas e sem aviso do STF representam a “morte súbita” do debate político

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O Supremo, essa caixinha de surpresas, em sessão histórica, (Foto: Nelson Jr./SCO/STF)

Supremo não somente dá condições para a hipertrofia dos presídios; estimula cultura do desprezo às decisões estruturais que tenham sido pautadas e amadurecidas

Por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)

Pode-se e deve-se discutir os ritos do Congresso. Lamentar ou deplorar esta ou aquela lei aprovada. Mas não dizer que ninguém sabia, que a lei não tenha sido discutida – com todos os lobbies e motivações que a gente conhece – em diversas comissões da Câmara e do Senado. Abertas à opinião pública. Em outras palavras, não se pode dizer que determinada pauta não tenha sido agendada. Inclusive pautas retrógradas, institucionalmente nocivas. Muitas delas com impactos de curto a longo prazo nefastos para a sociedade brasileira.

O que está acontecendo no Brasil, neste momento, é algo ainda pior: a tomada de decisões estruturais, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sem que a sociedade tenha debatido com calma seus efeitos. Um grupo de supostos iluminados – e que nem foram eleitos pela população – toma decisões que têm o poder de alterar diretamente o andamento do país. Mas da noite para o dia, como se fosse uma morte súbita no futebol. Sem ao menos uma decisão por pênaltis. Nada de estratégias, esquemas ou treino pesado – apenas a reviravolta inapelável.

Ou seja, não se trata apenas de criticar ou defender, neste momento, a decisão do STF que permite a prisão de condenados em segunda instância, não mais somente daquelas pessoas cujos processos já transitaram em julgado. E sim de questionar essa prerrogativa crescente do Supremo, transformado em um agente súbito da política brasileira, uma espécie de parlamento instantâneo e sem voto. Em três minutos se tem um novo país, por exemplo com uma lei que pode impactar todo um sistema carcerário que já é insustentável. Caberia à sociedade apenas servir rapidamente esses pratos. Algemada.

Como se não bastasse, algumas dessas decisões – como a própria eliminação da presunção de inocência – apelam para o populismo disfarçado ou explícito. Para o clamor popular que o STF deveria ser o primeiro a rechaçar. E, com isso, reforçam ainda mais a cultura rediviva dos linchamentos, que ganham neste século 21 seus equivalentes virtuais e a chancela indireta do Judiciário. Este passa a esconder em suas togas e em seus rituais arcaicos o açodamento, um espírito justiceiro que ele justamente deveria combater. Como se o Brasil precisasse prender mais, e não menos.

Tratando especificamente do caso da segunda instância, Salah Khaled Jr. disse ao site Justificando que a decisão de ontem torna a Justiça brasileira ainda mais autoritária. Professor de Processo Penal da Universidade do Rio Grande, ele considera que o STF foi chamado a defender a democracia e, como no lema fascista, optou por um me ne frego. “O Brasil é um país ainda mais autoritário com essa surpreendente reviravolta”, afirmou. “Não é dizer pouco. Lamento pelo Estado Democrático de Direito. O fascismo avança a cada dia. Perdemos a noção de limite”.

E não seria o caso de estender o raciocínio dele para outras decisões do Supremo, muitas delas comemoradas por uma imprensa igualmente afobada, para não dizer casuísta? Mais do que dar condições para a consolidação de um país dos presídios, com uma sanha pelo encarceramento, não estaríamos formando um país da emergência institucionalizada, uma cultura das urgências, das decisões que não precisam de amadurecimento? Estamos regredindo alguns séculos com a assinatura implacável de cinco entre nove portadores sorridentes de togas?

Que país esses senhores e senhoras julgam estar construindo? Com que direito, com qual voto? Éramos felizes com o Congresso e não sabíamos?

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