Caso Chico Buarque expõe os riscos da “fulanização” da política

Chico_Buarque_Carnaval-910x649

Esquerda cai nas armadilhas da direita ao eleger Sicrano ou Beltrano como os expoentes de nossa barbárie cotidiana; o escracho é despolitizado e anti-civilizatório

Por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)

A política brasileira corre o risco de se transformar num desfile de crucificados. Da direita à esquerda. De Chico Buarque ao Alvarinho, um dos agressores do músico naquela noite infame no Leblon. Do segurança violento no Metrô de São Paulo, o “gato do Metrô“, ao ex-ministro Joaquim Barbosa. De Lula a FHC. É preciso escolher. Vamos fulanizar – e colocar a cabeça do próximo Sicrano em praça pública – ou fazer um debate político sério? Quem decidirá os nomes dos próximos alvos?

Há uma agressão a estudantes no Metrô. O que é mais razoável, discutir a violência de Estado contra manifestantes, questionando o governador ou o secretário de Segurança Pública, ou rumar para a suposta façanha de derrubar um segurança bonitão – um distribuidor de bordoadas – a soldo dessa lógica, e facilmente substituível por quem realmente manda descer as borrachadas? A nossa decisão é de dar um zoom no próximo Rambo ou questionar o diretor do filme?

Sim, são injustificáveis os escrachos a ministros e ex-ministros dos governos Lula e Dilma por uma elitezinha branca ignorante e sem modos. Guido Mantega e Patrus Ananias têm o direito de ir e vir. Isso parece que já entendemos. Mas também o ex-ministro Joaquim Barbosa, do STF, já foi hostilizado por petistas em um restaurante. O secretário e ex-senador Eduardo Suplicy (PT) não deveria ser impedido de falar em uma palestra. Mas a blogueira cubana anticastrista Yoani Sánchez também não, certo?

Ou apenas queremos blindar alguns protegidos?

Alvarinho e o ser balbuciante que chama Chico Buarque de “merda” representam as nossas elites violentas e excludentes, como mostram as pesquisas mais elementares sobre seus pais, tios e avós. Mas Alvarinho não pode ser ameaçado ou hostilizado na rua (ou por telefone, ou em rede social), em um mecanismo de espelhamento de suas práticas, por não ter a densidade cultural ou os belos olhos de Chico. A não ser que queiramos todos ser Alvarinhos, aderirmos todos a uma política diminutiva.

E AS FIGURAS PÚBLICAS?

Sim, em muitos casos não há como não dar nomes aos bois. Política se faz com políticos. Mas há limites éticos para essa abordagem. E critérios. A pessoa é pública? Uma coisa é questionar o histórico do pré-candidato do PMDB à prefeitura do Rio, acusado de já ter batido na mulher. Outra seria abordar o deputado Pedro Paulo em um restaurante para escrachá-lo. O escracho a Paulo significa também o escracho a Chico, ou ao segurança bonitão. Ou a nós – a José, a João, ao próximo escrachável. Ninguém estará ileso.

É como dizia o John Lennon: “Do jeito que as coisas estão indo, eles vão me crucificar”.

https://www.youtube.com/watch?v=10UCIWFe4DM

Já defendi o escracho específico aos torturadores da ditadura. Estava errado. Nomeá-los, sim. Tomar cada um desses psicopatas como alvo preferencial, porém, numa lógica movida apenas a vingança, e não a um projeto de reformulação de nossos códigos de investigação e punição (em um país que ainda tortura e que mata jovens nas periferias), será também um estímulo à lógica dos linchamentos. E não por bom mocismo. Mas porque as armas precisam ser outras. A linguagem precisa ser outra.

A fulanização é o fetiche pelos filhos do operário e a piada sobre o defeito físico de um corrupto. Mas é também a minimização da agressão a um candidato à Presidência, quando ele tenha uma careca lustrosa e atenda pelo nome de José Serra. (Essa espécie de orgulho da bolinha de papel.) É a troca neoliberal do Estado, no debate público, pelo indivíduo, a partir de recortes voluntariosos, conforme nossas preferências políticas. É Big Brother. É paredão. É o cidadão como Boninho, a atirar ovos nos passantes. A política como entrudo.

Sim, precisamos decidir: civilização ou escracho.

Gostou do texto? Contribua para manter e ampliar nosso jornalismo de profundidade: OutrosQuinhentos

Leia Também:

6 comentários para "Caso Chico Buarque expõe os riscos da “fulanização” da política"

  1. Lili Santos disse:

    Sou contrária e acessar perfis das figuras que não gosto para ofender ou abordar a pessoa na rua. Por incrível que pareça, todos nós estamos sujeitos a agressões nas redes sociais ao emitir, educadamente, uma opinião. Já passei por isso, mas aprendi, desde cedo, a lidar com isso de forma calma, quando vejo que a situação é fora de controle, saio fora. Se puder tomar alguma medida judicial, o faço.

    Só acho que não podemos confundir ofensas e ameaças aos agressores do Chico com direito a informação. Já ouvi amigo dizendo ser absurdo estarem expondo a os “feitos” das famílias desses rapazes, pois fariam parte das suas vidas pessoais. Ora, saber sobre empresas que crescem às custas de privilégios governamentais escusos, que mantêm mão de obra escrava, que matam índios por causa de terras é informação de interesse público.

  2. Excelente texto, preciso e de urgente leitura, inclusive porque é necessário, como bem aponta, reconhecer o erro de apostar na vanguarda do atraso, na violência como linguagem e vingança como justiça.
    A transparência e a comunicação direta horizontal que a internet permite é o grande diferencial de nosso tempo, podemos realizar esse potencial todo desse instrumento para que a civilização não entre em colapso só porque as lideranças políticas querem que o nível do debate permaneça infantilizado a ponto de gente ser linchada por ter opinião manifestada e mal compreendida em meio ao déficit de interpretação linguístico.
    É prioridade assumir que chegamos a idade adulta e podemos dialogar com precisão em vez de atirar pedras e bolinhas de papel por falta de argumentos, mesmo que isso tenha mais ibope na televisão aberta ou nos canais vip de entretenimento.
    Por isso, acredito que compartilhar seu texto e exercitar cada vez mais o debate aberto e franco vai comprovar a tese de que a evolução não é fruto da competição entre as espécies e sim da cooperação, ou melhor, da colaboração.
    :^)

  3. Excelente texto, preciso e de urgente leitura, inclusive porque é necessário, como bem aponta, reconhecer o erro de apostar na vanguarda do atraso, na violência como linguagem e vingança como justiça.
    A transparência e a comunicação direta horizontal que a internet permite é o grande diferencial de nosso tempo, podemos realizar esse potencial todo desse instrumento para que a civilização não entre em colapso só porque as lideranças políticas querem que o nível do debate permaneça infantilizado a ponto de gente ser linchada por ter opinião manifestada e mal compreendida em meio ao déficit de interpretação linguístico.
    É prioridade assumir que chegamos a idade adulta e podemos dialogar com precisão em vez de atirar pedras e bolinhas de papel por falta de argumentos, mesmo que isso tenha mais ibope na televisão aberta ou nos canais vip de entretenimento.
    Por isso, acredito que compartilhar seu texto e exercitar cada vez mais o debate aberto e franco vai comprovar a tese de que a evolução não é fruto da competição entre as espécies e sim da cooperação, ou melhor, da colaboração.
    :^)

  4. Denise Assis Fleury Curado disse:

    A civilização com certeza!!

  5. Denise Assis Fleury Curado disse:

    A civilização com certeza!!

  6. Hugo Freitas disse:

    Millôr Fernandes está coberto de razão.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *