2015 – O ano em que fascistas definiram seus alvos e cores
Publicado 30/12/2015 às 09:35
Camisa do PT, bandeira de movimentos sociais ou a simples discordância motivaram agressões por todo o país; políticos e personalidades foram vítimas da intolerância
Por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)
Em agosto, uma mulher vestiu-se de vermelho e caminhou pela Avenida Paulista, em São Paulo. Foi chamada de “putinha”, “vagabunda”, “corrupta”, “velha doida”. Manteve a dignidade:
17/08 (São Paulo): “Dama Vermelha”: a história da mulher que enfrentou o ódio na Paulista
Outros que ousaram vestir vermelho – ou defender o governo, ou combater o golpismo – durante manifestações de direita foram xingados, agredidos, expulsos do local. Em muitos casos, com escolta policial absolutamente tolerante às agressões:
15/03 (BH): Em Belo Horizonte, faixas pediam intervenção militar e camisa do PT foi pisoteada por participantes
15/03 (Manaus): Manifestantes atearam fogo na bandeira do PT em Manaus
16/08 (Rio, São Paulo, Curitiba): Protestos anti-PT registram agressões a quem veste camiseta vermelha
15/03 (Rio): Comunista apanha e sai de camburão
O ódio mais recente ao Partido dos Trabalhadores (que recicla o velho ódio ao comunismo) foi um dos motores dessas expressões fascistas em 2015. Ao lado da covardia, do espírito de manada que acossa manifestantes pouco instruídos e pouco tolerantes. Mas não o único. Basta discordar:
31/03 (Rio): Jovem diz ter sido agredido por PMs após contestar ato pró-militares no Rio
16/08 (Londrina, PR): Estudantes da UEL são agredidos em protesto contra governo em Londrina
02/11 (Natal): Jovens são agredidos covardemente por líderes pró-impeachment na cara de policiais; manifesto pede punição
SEM LIMITES
Houve até quem se dispusesse a invadir residências, tamanho o descontrole:
15/03 (São Paulo): Em São Paulo, manifestantes ameaçam invadir um sobrado ocupado por sem-teto
28/02 (Chapecó, SC): Em Chapecó, invasão para retirar bandeira do MST
Bebê no colo? Fascista que é fascista não está nem aí:
19/05 (São Paulo): SP: com bebê no colo, ex-CQC é hostilizado por “paneleiros”
Note-se, aliás, que a intolerância política caminha de mãos dadas com outros obscurantismos:
15/04 (Belo Horizonte): Grávida que posou de lingerie é agredida verbalmente em BH
SAUDADES DA DITADURA
Em muitos momentos foi como se estivéssemos em 1964. Defensores da ditadura, da tortura, colocaram suas garras para fora, numa escala ainda maior que a dos protestos de 2013 – quando já se desenhava a intolerância obscurantista nas ruas:
15/03 (Recife): Ato em Recife tem hino das Forças Armadas e defensores da ditadura
15/03 (São Paulo): Ex-agente do Deops vira celebridade no 15 de Março paulistano
E, se é para ter saudades do último regime ditatorial, alguns se propuseram a fazer o pacote completo:
31/07 (São Paulo): Instituto Lula é alvo de ataque a bomba
Esta notícia de janeiro mostra que um coronel defensor do nazismo ajudou a incitar a pancadaria da polícia, no Rio:
03/01 (Rio): Oficiais da PM do Rio incitaram pancadaria contra black blocs
Vale assinalar que a pujança intelectual não se revela o forte de alguns desses manifestantes:
12/04 (São Paulo): Integralista xinga Montesquieu e pede fim da divisão dos Poderes
‘HOSTILIZADOS’
A intolerância não ocorre apenas nas manifestações contra o governo. Sair às ruas pode ser motivo para linchamentos morais. E a imprensa nem sempre mostra atenção especial a essas violências.
Observem a palavra utilizada nos títulos abaixo para os insultos sofridos por Chico Buarque, no Rio, e João Pedro Stédile, em Fortaleza:
23/09 (Fortaleza): Líder do MST é hostilizado no aeroporto de Fortaleza
22/12 (Rio): Chico Buarque é hostilizado por grupo antipetista no Rio
No caso de Chico Buarque, boa parte da imprensa falou que o músico se envolveu em um “bate-boca” – quando o vídeo mostra que, mesmo sendo chamado de “um merda”, ele se comportou de modo civilizado.
Outras personalidades foram ofendidas e intimidadas em lugares públicos. Entre eles, políticos. Como o ministro Patrus Ananias, o ex-senador (e secretário dos Direitos Humanos em São Paulo) Eduardo Suplicy e o ex-ministro Guido Mantega. Este último, mais de uma vez. Em um restaurante e em um hospital.
‘ISTO É UMA DEMOCRACIA’
A senhora que vestia vermelho na Paulista lembra, singelamente, que vivemos em uma democracia. As imagens dela sendo agredida pelos manifestantes e a fleuma com que reage às ofensas estão entre as mais significativas de 2015:
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