Governo prega “austeridade”, mas desperdiça dinheiro na Saúde
Ministério anuncia compra inexplicável de dezenas de milhões de canetas descartáveis de insulina para o SUS. Há alternativas muito mais baratas. Dinheiro poderia ser melhor investido, analisa Gonzalo Vecina
Publicado 03/03/2022 às 06:30 - Atualizado 02/03/2022 às 23:55
O mesmo governo que aprovou um Projeto de Lei Orçamentária que corta gastos da Saúde em 2022 acaba de tomar a decisão de despejar dinheiro na compra de medicamentos contra a diabetes sem justificativa racional. Quem chamou atenção ao fato foi o médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, em artigo para o Estadão. O ministério da Saúde anunciou o plano de comprar 66,2 milhões de canetas de insulina humana descartáveis para distribuir aos pacientes por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). “As questões que não querem calar são: por que canetas, em vez dos frascos, que são mais baratos? E por que descartáveis?”
Vecina mostra os cálculos: se a compra das canetas for concretizada, custará aos cofres públicos três vezes mais que a opção em frascos. Há, ainda, a opção da caneta reutilizável, que segundo a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), apresenta grandes vantagens em relação à descartável. Isso porque, a longo prazo, os custos de compra desse material caem – o que também facilita a adesão ao tratamento. “Justamente para atender cada vez mais – e melhor – esses pacientes, o custo do produto e a sustentabilidade do sistema precisam ser levados em consideração”, resume Vecina.
O dinheiro economizado na compra de insulina poderia ser muito bem utilizado tanto no tratamento de outras doenças pelo SUS quanto de campanhas de conscientização. Diagnósticos de diabetes, doença crônica não transmissível, tem crescido de maneira alarmante nos últimos anos. A Federação Internacional de Diabetes estima que, de 2019 a 2045, a diabetes dê um salto de 463 milhões para 700 milhões de pacientes. E o Brasil é o país latino-americano com mais cidadãos diabéticos. Crescem evidências científicas da relação de seu aparecimento com o consumo de alimentos ultraprocessados.
Vecina faz ainda mais uma crítica à compra irresponsável de canetas de insulina descartáveis. Já é hora de o Brasil se desvencilhar da dependência tecnológica de farmacêuticas internacionais, e fazer investimentos para fortalecer o Complexo Econômico-Industrial da Saúde. Para ele, “o Brasil precisa reforçar a agenda de desenvolvimento tecnológico na saúde, abrangendo um ecossistema que começa na pesquisa e se estende até a ponta dos serviços nas unidades de saúde, passando por produção e distribuição.” É o que defende também o economista Carlos Gadelha, que publicou há alguns meses um artigo em Outra Saúde. Ele argumenta que saúde, gasto social, ciência e tecnologia são os novos motores no século XXI.