Testes da vacina de Oxford suspensos: o que isso significa?
Publicado 09/09/2020 às 07:41 - Atualizado 09/09/2020 às 07:43
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Os ensaios com a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford e pela AstraZeneca foram suspensos por conta de uma suspeita de efeito adverso em um participante. Como se sabe, o candidato a imunizante está na fase 3 dos testes, sendo aplicado em milhares de voluntários em vários países, entre eles o Brasil.
Quem deu a notícia primeiro foi o site STAT, ontem à tarde. Na reportagem, um porta-voz da AstraZeneca declara que o “processo de revisão padrão da empresa acionou uma pausa na vacinação para permitir a revisão dos dados de segurança” e investigar o caso, mas sem dar detalhes sobre o que exatamente aconteceu. Mais tarde, o New York Times deu novas informações a partir de uma fonte anônima. De acordo com ela, trata-se de um participante do Reino Unido que foi diagnosticado com mielite transversa, uma síndrome inflamatória (tratável) que afeta a medula espinhal e frequentemente é disparada por infecções virais. Porém, até o fechamento desta edição da newsletter, isso não havia sido confirmado pela AstraZeneca.
Seria um efeito adverso compatível com a vacinação, podendo ter sido desencadeado pelo vetor adenovírus do imunizante. Segundo o Manual de Vigilância Epidemiológica de Eventos Adversos Pós-Vacinação do Ministério da Saúde, existem relatos raros dessa mesma síndrome (e outras síndromes neurológicas) após a administração da vacina contra a hepatite B, mas nunca foram encontradas evidências suficientes para dizer se existe de fato uma relação causal.
No caso dos testes paralisados, também não dá para saber se o problema foi realmente um efeito da vacina ou se a síndrome teria se desenvolvido de qualquer forma – daí a necessidade de parar tudo e investigar, procurando outros voluntários que possam ter tido o mesmo problema. Via de regra, a pausa em ensaios significa parar de recrutar novos voluntários e interromper a dosagem nos já inscritos, mas mantendo seu acompanhamento.
É preciso dizer que, embora a novidade seja perturbadora, suspensões em testes são comuns e o caso só confirma o quanto a fase 3 é importante, impossível de pular. A segurança é confirmada de forma preliminar nas fases 1 e 2, mas nessas etapas, com um número reduzido de participantes, efeitos menos comuns podem não aparecer. No caso dessa candidata, os resultados das primeiras fases mostraram efeitos colaterais considerados leves ou moderados em 60% dos participantes.
Infelizmente, o contratempo vem em péssima hora no Brasil, justo quando o presidente Jair Bolsonaro decidiu cair nas graças do movimento antivacina. Ontem ele voltou a dizer que ninguém pode ser obrigado a se imunizar. Não é difícil imaginar os efeitos que a paralisação deve ter em grupos que já vociferavam contra os imunizantes.
Os efeitos imediatos
Horas antes da suspensão, o ministro interino da Saúde Eduardo Pazuello afirmou que o governo pretendia imunizar as pessoas muito em breve. “Em janeiro do ano que vem, a gente começa a vacinar todo mundo“, disse ele a uma youtuber de dez anos que participou de reunião ministerial. A principal aposta do governo federai é justo a vacina de Oxford/AstraZeneca.
Os testes, obviamente, foram pausados aqui também. “Trata-se de uma prática comum em estudos clínicos envolvendo fármacos. O comitê de monitoramento de segurança do estudo analisa se o caso tem ou não relação com a vacina e, assim que a análise for concluída, a fase 3 deve ser retomada”, disse em nota a Unifesp, que coordena o estudo em São Paulo. Segundo a instituição, entre os cinco mil voluntários que já tomaram a vacina aqui, não houve intercorrências graves. A Fiocruz disse que vai acompanhar os resultados e a Anvisa informou que foi comunicada, mas não se pronunciou.
Mesmo que as investigações não demonstrem causalidade entre a vacina e a síndrome, o cronograma do estudo pode ser afetado.
Enquanto isso…
A Rússia liberou sua vacina Sputnik V – cuja fase 3 dos ensaios ainda está em andamento – para o público em geral, com a entrega do primeiro lote prevista para “um futuro próximo”. O vice-diretor do Instituto Gamaleya, Denis Logunov, já havia dito que a liberação poderia acontecer esta semana.
E o CEO da BioNTech, Ugur Sahin, confirmou na CNN que a vacina desenvolvida por essa empresa junto com a Pfizer deve estar pronta para aprovação em outubro – a tempo de impactar as eleições presidenciais nos EUA. A previsão é que sejam produzidas cem milhões de doses este ano (todas já encomendadas por Donald Trump) e mais 1,3 bilhão em 2021.
É uma promessa duvidosa, considerando que os testes são imprevisíveis. Apesar da afobação, a Pfizer e a BioNTech estão entre as nove empresas que assinaram um compromisso público de “desenvolver e testar vacinas potenciais para covid-19 de acordo com altos padrões éticos e princípios científicos sólidos“. Como comentamos na última edição, essa é uma tentativa de a indústria manter a credibilidade diante da evidente pressão política de Trump para uma aprovação rápida. O comunicado foi publicado ontem.