Brasil sem vacina

Governo só entrega metade das doses de BCG aos municípios. Leia também: ministro propõe ensino privado para solucionar Revalida; cientistas pedem que Europa reveja importação de produtos brasileiros; e muito mais.

Foto: Sumaia Villela/Agência Brasil
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Por Maíra Mathias e Raquel Torres

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BRASIL SEM VACINA

O Ministério da Saúde só vai entregar aos municípios 48% das doses da BCG, que protege contra tuberculose e é a primeira do calendário vacinal. Com isso, prefeituras já estão restringindo os dias das aplicações: frascos com múltiplas doses só são abertos em dias específicos, para não ter risco de alguma dose sobrar e ir para o lixo. Uma preocupação imediata é que uma das razões apontadas para a diminuição na cobertura é o número de vezes que os pais precisam se deslocar para completar o calendário. Ter que ir mais de um dia para conseguir dar a mesma vacina deve piorar a situação. 

Segundo a pasta, a redução na distribuição é pontual e se deve a uma mudança na localização do armazém da vacina. Mas secretários de saúde reclamam de outra coisa: faltam também soros para picadas de animais venenosos. O ministério disse que a produção vai normalizar no próximo semestre mas, ao menos na matéria do Estadão, não ofereceu nenhuma justificativa para a indisponibilidade.  

SOLUÇÃO ENVIESADA

Enquanto o Mais Médicos segue em crise, há cerca de 120 mil formados no exterior, sem Revalida, querendo trabalhar aqui e reclamando da longa espera para fazer a prova. Segundo o Estadão, a solução proposta pelo ministro Mandetta é mudar sua “lógica”. O que passa por incluir universidades privadas no processo. Encarecendo-o. 

Haveria algumas mudanças. A primeira é na ordem do exame: hoje, primeiro são avaliados os comprovantes da formação e depois há a prova, organizada pelo Inep. Mandetta sugere inverter a ordem, analisando os documentos só de quem passar no exame, para agilizar as coisas.

A educação privada entraria numa fase posterior, após a aprovação dos profissionais. É que, no modelo proposto pelo ministro, pode haver a necessidade de fazer um curso de adaptação com disciplinas que são parte do currículo aqui e não tenham sido feitas no exterior. Mas, de acordo com ele, a dificuldade é “achar uma vaga na faculdade pública” para isso. Então, sua ideia é oferecer essas aulas no setor privado, o que sairia mais caro.

Para os dois mil cubanos que ficaram aqui e não podem trabalhar como médicos, Mandetta parece estar enrolado. Diz que é “uma questão de direitos humanos” legalizar essa situação, mas ao mesmo tempo teme que abrir uma excepcionalidade para os cubanos leve a uma enxurrada de processos na Justiça por parte de outros médicos formados no exterior. Uma das alternativas do Ministério, segundo a reportagem, é realizar o Revalida também para esses médicos e incorporá-los de volta ao programa até regularizar sua situação.

Sobre o novo Mais Médicos: o ministro ainda quer terminar uma proposta este mês. Gosta do nome ‘Médicos pelo Brasil’. Sem “Mais”. 

SOB CONDIÇÕES

Uma carta assinada por 602 cientistas da União Europeia pede que o bloco condicione a importação de produtos brasileiros a três fatores: que sejam respeitados os direitos dos povos indígenas, que o rastreamento da origem dos produtos (no que diz respeito ao desmatamento e conflitos indígenas) seja aperfeiçoado e que tanto indígenas como comunidades locais definam os critérios para os produtos negociados. 

O texto diz que em 2017 a União Europeia comprou mais de três bilhões de euros em ferro do Brasil, “apesar dos perigosos padrões de segurança e do extenso desmatamento impulsionado pela mineração”, e que em 2011 a carne importada estava associada ao desmatamento de mais de mil quilômetros quadrados, ou “mais de 300 campos de futebol por dia”. A BBC lembra que a carta dá apenas recomendações, e acatá-las depende da Comissão Europeia. A reportagem conversou com alguns dos autores. “Criamos o texto acompanhando a evolução do novo governo brasileiro. Estávamos preocupados com as promessas de campanha, mas quando essas promessas passaram a ser concretizadas, com edição de decretos, decidimos que precisávamos fazer algo”, disse um deles. Já o Ministério do Meio Ambiente não respondeu.

FUNCIONANDO NORMALMENTE?

Mais um lance envolvendo o estudo feito pela Fiocruz sobre o consumo de drogas no Brasil, sob encomenda do Ministério da Justiça, e jamais publicado por determinação da pasta. Entra em cena a Advocacia Geral da União, que por meio de sua “câmara de conciliação” intermedia conflitos entre órgãos públicos. A câmara vai decidir se o edital elaborado pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas foi cumprido. O governo alega que a Fundação o descumpriu. E, agora, diz que os pesquisadores até podem publicar o estudo, desde que não haja nenhuma menção à Senad. Já a Fiocruz garante que seguiu o documento e acrescenta que, segundo o próprio edital, não pode publicar os resultados sem a anuência do órgão. 

Mas o fato é que, caso a tal “câmara de conciliação” assim o julgue, a Fundação pode ser obrigada a refazer o estudo (de acordo sabe-se lá com que critérios) ou devolver os recursos liberados para sua realização, R$ 7 milhões. A AGU também poderia, ao contrário, obrigar a Senad a publicar o estudo, caso chegue à conclusão de que a Fiocruz seguiu o edital. Contudo, é preciso acreditar que as instituições estão funcionando normalmente neste governo para contar com tal desfecho…

BOLSONARO, PÊNIS AMPUTADOS  E SEM TERRINHA

Em um momento meio nada a ver – no meio de uma entrevista conjunta com  Abraham Weintraub  no Ministério da Educação –, Bolsonaro falou à imprensa que está preocupado com os casos de câncer e amputação de pênis no Brasil. Estima-se que sejam mil amputações por ano; o problema é maior em estados pobres e o principal fator é a falta de higiene. “Dia a dia, né, a gente vai ficando velho e vai aprendendo as coisas”, comentou. É uma preocupação legítima sobre um problema sério, mas não sabemos onde o Bolsonaro esteve nos últimos anos, durante as tantas campanhas de conscientização sobre isso já realizadas. 

Queremos chamar atenção aqui para outra coisa, mesmo que não tão diretamente ligada à saúde. É que o tema foi levantado por Bolsonaro de forma aleatória no meio de perguntas e respostas sobre escolas em assentamentos rurais. Bolsonaro criticava as escolas dos “ditos SemTerrinhas”, onde “se canta, de manhã, em vez do Hino Nacional, hasteando a bandeira, se canta o ‘Internacional Socialista’ ou o hino do MST”; o ministro da Educação, por sua vez, dizia que essas crianças estão sendo “sendo assistidas, muitas vezes, com dinheiro público”. Depois da intervenção de Bolsonaro sobre pênis, Weintraub prosseguiu, sendo mais objetivo (e um tanto desonesto): “Muitas ‘escolas Sem Terrinha’ são sustentadas com o dinheiro do povo, do contribuinte, do pagador de imposto. Você aí está pagando mais caro o leite do seu filho, uma parte desse imposto, o ICMS, acaba indo para a escolinha dos ‘sem-terrinha’. Isso tem que acabar“. A ideia “não é fechar a escolinha, é cortar a gasolina. Quer fazer, faz com o dinheiro deles, não com o nosso”. A entrevista completa está no site do Planalto. 

ENTRA

A nova diretoria do Conselho Nacional de Secretários de Saúde tomou posse na terça. Assume a presidência do órgão o secretário do Pará, Alberto Beltrame. Sai Leonardo Vilela, ex-secretário estadual de Goiás, que continua na diretoria do órgão como representante do Conass na Hemobrás.

A VERDADEIRA CONTA

E, ontem, aconteceu reunião da Comissão Intergestores Tripartite, que reúne o Conass, o Conasems (secretários municipais) e o Ministério da Saúde. Foram debatidas duas portarias da Secretaria do Tesouro Nacional, emitidas em 2018 e 2019, que definem que os gestores públicos devem considerar a contratação de Organizações Sociais (OSs) como despesas com pessoal. A questão é que os gestores começaram a contratar OSs justamente para fugir dos limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal criada no governo FHC. E como a saúde precisa de muita força de trabalho, é uma das áreas em que o perfil de contratação mais mudou, do direto feito via concurso público, para o indireto, via terceirização ou OSs. Os gestores querem que o ministro Mandetta e até Paulo Guedes intercedam.

GREVE

Os profissionais da saúde que atendem a população no surto de ebola na República Democrática do Congo ameaçam entrar de greve. Depois de uma onda de violência contra centros de saúde que culminou no assassinato de um médico vinculado à OMS na semana passada, eles deram um ultimato ao governo: ou se melhora a segurança ou eles vão parar de trabalhar. O problema é que as ameaças não se limitam às unidades de saúde. Alguns profissionais foram alvos de tiros nas ruas, em suas casas… 

Uma porta-voz do Ministério da Saúde disse que o governo vai respeitar a decisão dos trabalhadores e que não vai forçar as equipes que não se sentirem seguras a trabalhar. Com isso, abril foi o mês em que mais surgiram novos casos da doença: 110 por semana. O total de pessoas infectadas desde agosto, quando o surto começou, já chega a 1,3 mil. 

GUERRA DE GIGANTES

Há alguns meses, a Amil começou a descredenciar hospitais da Rede D´Or localizados em lugares onde a empresa possui unidades próprias. A retaliação não demorou, e a Rede D´Or resolveu que não vai aceitar todas as categorias de convênio médico da operadora no filé mignon do mercado: São Paulo e Rio de Janeiro. Segundo o Valor, a maior operadora de planos de saúde e o maior grupo hospitalar do país estão em pé de guerra e, embora tentem negociar um acordo, por enquanto “as conversas estão bastante complexas”. 

BOA NOTÍCIA

Ontem o Ministério da Saúde anunciou que o Brasil reduziu em 38% os casos de malária em relação ao ano passado. Entre janeiro e março, foram 31.872 novos casos, contra 51.076 no mesmo período de 2018. A pasta lançou a campanha “Brasil sem malária”, com foco na região amazônica. 

FAZ SENTIDO

Em 2018, tristeza, raiva e medo foram as emoções que predominaram no mundo, segundo uma pesquisa da Gallup feita anualmente. Foram ouvidas 151 mil pessoas em 140 países.  

RECORDE

E o ressarcimento dos planos e seguros de saúde ao SUS bateu recorde em 2018. Segundo a ANS, responsável por fazer o repasse aos cofres públicos, foram restituídos R$ 738,38 milhões ao fundo nacional de saúde.

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