Em pé de guerra

Governo mobiliza Força Nacional para “receber” Terra Livre indígena e MST. Leia também: em reunião oficial, defesa ambiental é chamada de “câncer” e “porcaria”; o novo código de ética médica; a louca proliferação de farmácias

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EM LUTA PELA TERRA

Começa hoje o Acampamento Terra Livre, mobilização dos povos indígenas que ocorre em Brasília, sempre no mês de abril. O El Paísdestaca que o evento acontece em um clima de animosidade nunca antes visto, citando a autorização do Ministério da Justiça para uso da Força Nacional na Praça dos Três Poderes e na Esplanada dos Ministérios, além da transmissão ao vivo no Facebook em que Jair Bolsonaro mentiu, dizendo que quem paga a conta dos “dez mil índios” na capital é o contribuinte. 

O tema do ATL em 2019 é “Sangue indígena. Nas veias a luta pela terra”. Está programada para hoje uma coletiva de imprensa e uma vigília no Supremo Tribunal Federal. Amanhã, audiências públicas na Câmara dos Deputados e no próprio STF. O evento termina sexta-feira, com plenária e aprovação de uma agenda de lutas. O debate sobre a saúde vai ser um dos destaques do evento.

E vejam só que coisa estranha: ontem, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos anunciou em um vídeo publicado no Twitter o nome da nova titular da Secretaria Especial de Saúde Indígena, a Sesai. Detalhe: a secretaria não integra a sua pasta, mas o Ministério da Saúde. A escolhida é a fisioterapeuta e militar Sílvia Nobre Waiãpi. (Há uma matéria da época da transição sobre ela aqui.)

Também ontem, o secretário nacional de Segurança Pública Guilher Theopilo defendeu transformar a Força Nacional em uma estrutura permanente. Hoje, militares são cedidos temporariamente pelos governos estaduais para compor o efetivo em situações específicas. Ele confirmou que a convocação da Força Nacional por 33 dias, a partir de 17 de abril, se deve ao Acampamento Terra Livre e ao Abril Vermelho, jornada de lutas organizada pelo MST para cobrar reforma agrária.

No meio de toda essa movimentação do governo, a Agência Públicapresenciou um encontro fechado no Ministério da Agricultura muito ilustrativo da sanha ruralista. Aconteceu no dia 10 de abril e reuniu fazendeiros do Pará que chamaram os órgãos ambientais de “câncer”, os territórios protegidos, como unidades de conservação, de “porcarias” e defenderam também a extinção do Incra e da Funai que foi acusada pelo ex vice-governador de Roraima, Paulo César Quartiero, de obedecer “às monarquias europeias”. Detalhe: ele foi denunciado pelo Ministério Público Federal por coordenar ataques a indígenas quando era prefeito de Paracaima em 2008.

Na reunião, o atual secretário especial de Assuntos Fundiários, Nabhan Garcia, foi tratado como “vice-ministro” da Agricultura. Ele é ex-presidente da União Democrática Ruralista, a UDR, conhecida como a vanguarda do atraso do agronegócio. Mas o encontro foi tão maluco, que coube à Nabhan ponderação: “Não se acaba com a Funai como você tá dizendo. Aqui não tem espaço para a pirotecnia, me desculpe. Se tem alguém aqui formado em direito, sabe o que eu tô dizendo. Não é assim que se acaba com Funai, com Ibama, com Incra. Não é assim. Não se acaba, aí é pirotecnia”, disse.

ISOLADOS 

E um relatório inédito, elaborado pelo indigenista Antenor Vaz, revela que em 14 anos, dobrou o número de povos indígenas em situação de isolamento na América do Sul. Em 2005, eram 84 os grupos isolados. Hoje, são 185. Mas a situação de 119 deles é considerada extremamente preocupante. “Estão encurralados, principalmente, por madeireiros, garimpeiros ou por grupos rivais. De um modo geral, o Estado não consegue ter um sistema eficiente de localização nem de proteção”, afirmou o indigenista à BBC Brasil. Ainda de acordo com ele, nos países em que os grupos se encontram – Brasil, Bolívia, Venezuela, Peru, Equador e Paraguai – houve redução de recursos para políticas específicas para indígenas isolados.

SINAL DOS TEMPOS

Segundo a coluna de Leandro Mazzini, no jornal O Dia, o teólogo Leonardo Boff teve uma palestra no Instituto Nacional do Câncer (Inca) cancelada por ter “posições de esquerda, não alinhadas ao governo Jair Bolsonaro”. O evento estava programado para o dia 30 de abril e era coordenado por Ana Cristina Pinho. Ontem, Boff recebeu um telefonema da direção do Inca lhe dizendo que a palestra estava adiada. À coluna, o Instituto afirmou que manterá o evento. No site, as inscrições foram suspensas.

COMEÇA PRA VALER

A Comissão de Constituição e Justiça aprovou na noite de ontem a admissibilidade da PEC 6/19, da reforma da Previdência. O relatório do deputado “Delegado” Marcelo Freitas (PSL-MG) recebeu 48 votos a favor e 18 contrários. Não houve abstenção. Para conseguir andar com a tramitação da proposta, o governo negociou mudanças no texto. Saiu todo o trecho que negaria a quem é aposentado, mas continua trabalhando de carteira assinada, o direito de recolhimento mensal e da multa de 40% do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). E a possibilidade de redução na idade de aposentadoria compulsória de servidor, hoje em 75 anos (o que poderia afetar a composição do Supremo Tribunal Federal) por meio de lei complementar (hoje é preciso mudar a Constituição). Também caiu a prerrogativa exclusiva do Executivo para propor mudanças nas aposentadorias e a obrigatoriedade de qualquer pessoa iniciar ação contra a União somente na Justiça Federal em Brasília (hoje é possível recorrer a tribunais nos estados).

Segundo o jornalista Josias de Souza, apesar de ter celebrado a desidratação do texto como se fosse uma vitória, o Planalto fez dois movimentos que abominava: “Num, sob holofotes, cedeu ajustes de mérito numa fase em que estava em jogo apenas a análise sobre o enquadramento da proposta na moldura da Constituição. Noutro, longe dos refletores, reabriu o balcão, acenando com a perspectiva de oferecer cargos graúdos”.

Agora, começa a discussão do conteúdo da reforma. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), prometeu instalar amanhã a comissão especial que vai analisar a Proposta. O presidente da comissão pode ser o deputado Marcelo Ramos (PR-AM), que participou das negociações com a equipe econômica do governo para cortar os quatro trechos da reforma. Já o relator, segundo a Folha, vai depender das intenções do governo. Se quiser manter o máximo possível, a relatoria pode ficar com um aliado de Maia, o deputado Pedro Paulo (DEM-RJ). Se optar por ceder mais, a relatoria deve ficar com alguém do próprio PSL que terá que arcar com o desgaste das negociações.

Enquanto isso, o presidente da Câmara quer limitar a participação na comissão especial: o colegiado pode ter até 66 participantes, mas ele quer apenas 40 integrantes. Também são 40 o número de sessões que precisam acontecer antes de a PEC ir para a votação em plenário.

NOVO CÓDIGO

O novo Código de Ética Médico começa a vale no dia 30 de abril. Ontem, o Conselho Federal de Medicina apresentou a atualização da última versão do texto, que vigorava desde 2010, em uma coletiva de imprensa. O processo de discussão do novo Código durou três anos.

No EstadãoLígia Formenti destaca que uma das novas orientações é que o médico entregue à Justiça o histórico de atendimento do paciente, mesmo que este não dê consentimento. Antes, o profissional era proibido de ir contra a vontade do paciente. “Até agora, nossa recomendação era argumentar que o prontuário é propriedade do paciente e, ainda, citar a obrigação do sigilo profissional. Mas houve o entendimento de que, quando o pedido é feito pela Justiça, a entrega é necessária”, contou à reportagem o corregedor do CFM, José Vinagre.

O destaque na Folha foi a brecha para consultas a distância. A repórter Natália Cancian nota que o Código abriu espaço para ampliação da telemedicina ao retirar um artigo que vedava ao médico “consultar, diagnosticar ou prescrever por qualquer meio de comunicação de massa” como a internet. Segundo confirmou Vinagre ao jornal, a supressão do trecho aconteceu para que o Código não bata de frente com a resolução do CFM, sob consulta pública, que regulamenta a telemedicina. Lembremos: o Conselho editou uma resolução liberando a prática, mas depois do protesto de muitos conselhos regionais, voltou atrás e apresentou o texto para consulta pública. Os críticos apontavam justamente a incongruência entre o Código de Ética e a prática. Agora, ao que parece, não há mais empecilhos.

Outra mudança tem a ver com pesquisa. O novo Código permite que voluntários sejam submetidos a terapias com “placebos de mascaramento”, quando além do placebo se aplicam outros medicamentos, já aprovados. Antes, se proibia qualquer uso de placebo, o que se chocava com os protocolos de pesquisa que exigem que um grupo de pessoas use o que está sendo testado e outro não. O Código também prevê que vulneráveis, como crianças, adolescentes e pessoas com transtornos mentais, precisam dar seu consentimento para participar de pesquisas. Não basta que seu responsável legal concorde. 

MAIS FARMÁCIAS

Nas grandes e médias cidades, coisa que não falta é farmácia. Pois a Anvisa liberou, de uma só tacada, o registro de 1.350 novas lojas na última segunda-feira.  Isso foi possível graças a uma mudança no regulamento, feita em 10 de abril. É que se a Anvisa não analisar os novos pedidos de abertura em 30 dias, eles são concedidos automaticamente. De acordo com o órgão, 30 novos pedidos chegam por dia. A autorização pode até ser revogada, mas pela vigilância sanitária municipal ou estadual.

CONTRA

O governo federal quer estender o prazo de validade da Carteira Nacional de Habilitação de cinco para dez anos. Ontem, o Conselho Federal de Psicologia e a Associação Brasileira de Psicologia do Tráfego se manifestaram contra a proposta. As entidades defendem a importância da avaliação psicológica e lembram que 90% dos acidentes de trânsito, segundo a OMS, são decorrentes de fatores humanos.

REFORMA NO CHILE

O presidente do Chile, Sebastián Piñera, apresentou na última segunda-feira uma proposta de reforma no sistema de saúde do país, que atende mais de 14 milhões de pessoas. No braço público do sistema, que funciona como seguro social, o governo pretende “modernizar” a Fundação Nacional de Saúde (Fonasa na sigla em espanhol), aumentando a cobertura para novas doenças e incorporando novos tratamentos e tecnologias. Também será corrigida uma norma sexista, que proibia mulheres de declararem companheiros como dependentes. Só permitia o contrário.

No braço privado do sistema, a proposta que será analisada pela Câmara dos Deputados defende a criação de um único plano de saúde (Plan de Salud Universal – PSU), que será oferecido com a mesma cobertura pelas diferentes instituições de saúde preventiva (Isapres). Atualmente, segundo a Agência Brasil, aquele país conta com mais de quatro mil empresas de planos de saúde. Com isso, o governo pretende aumentar a cobertura e diminuir gastos das famílias, com o aumento nos benefícios para compra de medicamentos, por exemplo. O governo também quer estabelecer novas regras de cobrança. Hoje, uma mulher em idade fértil chega a pagar até quatro vezes mais o plano de saúde do que um homem da mesma idade. O projeto estabelece preços iguais entre os sexos.

INÉDITO

Pela primeira vez, uma empresa distribuidora de medicamentos está sendo processada pelo governo dos EUA. O caso chegou aos tribunais ontem e acontece na esteira da epidemia de opioides sob acusação de que a diretoria da companhia sabia dos riscos desses medicamentos e, mesmo assim, colocou os lucros acima da saúde dos clientes. Os executivos da Rochester Drug Cooperative, uma das dez maiores empresas do ramo naquele país, já tentam negociar um acordo. Concordaram em pagar US$ 20 milhões em multas e submeter a empresa à supervisão de um monitor independente durante cinco anos. Reconhecem que “erraram”.

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