Poema para uma criança palestina

A “profecia” define o alvo: é preciso extirpar as crianças, todas elas, eliminar o futuro deste povo execrável, afinal, todos seus filhos são e serão inimigos. Em pungente poema, a Palestina vive no mito semita – em seu sacrifício, ressurreição e resistência

Foto: Muhhamad Abed/AFP
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I

O soberano deita sua cabeça. O sono não vem.
Sabe que, naquele momento, pode estar sendo gestado,
Num útero de qualquer mulher do povo,
O ser que irá ameaçar seu poder.

O decreto é implacável. Mate todas as crianças.
A mãe prepara a cama do filho, em um cesto,
Coloca-o para flutuar.
Oxum a salva.

O soberano, da sacada do seu palácio, sente o cheiro de sangue.
Naquela noite, ele dormiu.
Trabalho feito.
Sente-se seguro no seu poder.
Todas as crianças foram mortas.
Não terá mais inimigos.

II

O destino do filho que a jovem mãe carrega,
Foi escrito no decreto imperial.
Ave, César!
Todos deviam ser registrados nos seus locais de nascimento.
O futuro pai, temendo pelos efeitos do descumprimento da ordem,
Se põe em marcha com a mulher grávida.

Durante a viagem, a criança nasce. 

Anos depois, a criança, que sobrevivera ao censo do Imperador,
Voltou a atormentar os sonhos dos soberanos.
Como ele ousou evocar para si o poder real que só a Roma cabia? 

III

Matem todos! Matem todas as pequenas cobras!
Outra vez, o soberano elege como inimigo as crianças.
E assim, Seti, o faraó egípcio, renasce.
Os corpos das crianças são espedaçados por bombas.

Será que o Seti moderno também escuta os gritos,
sente o cheiro de sangue?

Os bebês recém-nascidos lutam para sobreviver nas incubadoras.
São gentilmente transferidos para outro lugar,
Por homens de olhos fixos, passos firmes e cabeças baixas.
Nós testemunhamos.
Seti agora pode ver sua obra ser exibida ao mundo.
Não teria um Nilo para colocá-las?
Não teria uma manjedoura quente?
O herdeiro de Seti, Israel, repete a política do pai. 

Mate todos estes animais!
Determina o decreto do Seti moderno.

IV

Parem. Vocês escutam?
Afinem os ouvidos. Vocês escutam?
Choro de criança?
Um palestino acabou de nascer.
Como isto é possível?
Foi esta mulher ungida pela mensagem de algum anjo?
Seu marido, parente do menino de Belém, tornou-se prisioneiro de Seti.
Ele segue uma boa linhagem, tem sangue nobre:
Como David, foi preso por atirar pedras nos soldados de Seti. 

Como a vida surgiu no ventre daquela mulher?
Dizem que foi contrabando de sêmen.
Dizem que foi milagre.

Parem. Escutem.
Não é uma criança.
São duas. O choro que limpa seus pulmões,
Lava nossas almas.
A vida palestina seguirá.

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Um comentario para "Poema para uma criança palestina"

  1. Roberto E. Zwetsch disse:

    Belíssimo e forte este poema em defesa das crianças palestinas. Antonio.
    Enviei semanas atrás um poema meu com o mesmo tema, no qual expresso os GRITO que vem das crianças mortas sob os escombros de GAZA. Vou enviar novamente se houve interesse em divulgar. Enviarei por email !
    Abraço.

    Roberto Zwetsch, assinante de OP

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