MS: Paramilitares contra os Guarani Kaiowá

A formação de exércitos privados, que matam e espancam índios a pauladas. A participação de deputados e do sindicato rural. O envolvimento da mídia e Judiciário

Por Luciana Gaffrée, no Rel-Uita.org

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A formação de exércitos privados, que matam e espancam índios a pauladas. A participação de deputados federais e do sindicato rural. O envolvimento da mídia e do Judiciário

Por Luciana Gaffrée, no Rel-Uita.org

A comunidade da Terra Indígena Ñande Ru Marangatu, homologada pela Presidência da República há mais de dez anos, foi atacada em 29 de agosto por um grupo de proprietários rurais, o que levou ao assassinato da liderança Semião Vilhalva Guarani e Kaiowá, de 24 anos.

Cleber Buzatto, secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) alerta que os Guarani Kaiowá estão vivendo uma situação insustentável. Ele denuncia também uma preparação midiática a partir de mentiras para justificar os ataques.

O Cimi denuncia uma orquestração midiática preparando o clima para os ataques que culminaram no assassinato de Semião. Como foi isso?

Já no início da semana, e mesmo no próprio sábado antes do assassinato de Semião Vilhalva Guarani e Kaiowá, havia ações organizadas por lideranças de sindicato ruralistas e seus familiares, fazendeiros no Mato Grosso do Sul.

Uma das fazendeiras divulgou um vídeo incitando a população local contra os índios, e uma série de boatos foram espalhados naquela região. Entre os boatos, diziam que os indígenas iam invadir a cidade, para colocar fogo nela.

No dia 27, Pedro Pedrossian Filho, [ex-deputado e filho de ex-governador], postou, no seu perfil do Facebook, uma mentira que se espalhou virtualmente. Ele pegou fotografias de um maquinário queimado em uma fazenda do Paraguai e escreveu que aquele maquinário tinha sido queimado pelos indígenas.

Espalhou isso, com mais de mil e quinhentos compartilhamentos, com uma série de comentários mais do que racistas, ameaçando fazer ataques e assassinatos contra os indígenas Guarani Kaiowá.

Criou-se ambiente para que houvesse uma espécie de justificativa para esse ataque planejado e posto em prática pelos latifundiários. O ataque aconteceu após uma reunião no sindicato rural da cidade de Antônio João (MS). A presidente da entidade, Roseli Maria Ruiz, incentivou-o.

Havia dois deputados e um senador envolvidos?

Havia. Além da presidente do sindicato rural, os deputados federais Luiz Henrique Mandetta (DEM) e Tereza Cristina (PSB), e o senador Waldemir Moka (PMDB) estiveram presentes na reunião que incentivou produtores rurais a organizar o ataque à comunidade indígena. O deputado Mandetta inclusive acompanhou os fazendeiros na ocasião do ataque.

No sábado de manhã, dia 29, Roseli Maria Ruiz convocou uma reunião de fazendeiros e teria feito um discurso exaltado, chamando os ruralistas para que a acompanhassem no ataque aos Guarani Kaiowá, que haviam retomado as fazendas desde o dia 22. Durante o ataque, Semião levou o tiro que o matou. Além da sua morte, vários indígenas, entre eles crianças, ficaram feridos a pauladas. Uma criança de um ano e poucos meses levou um tiro de borracha nas costas e outro na cabeça.

Tiros de borracha não são armas da polícia?

Durante o conflito, agentes do Departamento de Operações de Fronteira (DOF), que é um órgão oficial, um destacamento de operações de fronteira, estava no local. Portanto, ou os tiros partiram dos próprios policiais ou dos fazendeiros. Se partiram dos fazendeiros significa que estão tendo acesso a armamento restrito, e se partiram dos policiais, significa que participaram junto com os fazendeiros. Ou seja, essa é uma questão que também precisa ser resolvida.

Neste caso o governo federal enviou a força de segurança na região da Terra Indígena Nanderú Marangatu contra essas ações paramilitares, visando inibir essas atitudes que atentam contra o estado democrático e de direito

O que se espera do governo e das autoridades pertinentes?

Esperamos que o Poder Executivo tome medidas concretas e profícuas, no sentido de dar sequência aos procedimentos administrativos de demarcação das terras dos povos indígenas dessa região. E que o Judiciário reveja alguns posicionamentos que tem adotado — de suspender ou anular os efeitos de atos administrativos de demarcação de terras indígenas locais. Está mais do que evidente que só poderemos encontrar uma solução definitiva para essa situação de tensões no Mato Grosso do Sul com a retirada dos não-índios das terras indígenas.

Duas investigações estão em curso, uma pela Polícia Federal e outra pelo Ministério Público Federal (MPF) do Mato Grosso do Sul. Apuram os ataques de fazendeiros contra as comunidades das terras indígenas que culminaram no assassinato da liderança Semião Vilhalva Guarani e Kaiowá, de Guyra Kamby’i, no Distrito de Bacajá — que fica a cerca de 30 quilômetros do município de Dourados, no Mato Grosso do Sul.

A deputada estadual Mara Caseiro (PTdoB), apresentou petição para abertura de uma CPI. Ela afirma ter documentos que comprovariam que o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) incita invasões de terras em Mato Grosso do Sul.

Essa deputada não possui nenhum elemento concreto, que justifique esse pedido de CPI. Seu pedido contra o CIMI tenta criar uma cortina de fumaça para encobrir as ações paramilitares postas em prática pelos fazendeiros no Mato Grosso do Sul, bem como o assassinato da liderança cometido pelos fazendeiros. As ações de retomadas de terras feitas pelos povos indígenas são autônomas, pois eles são senhores e sujeitos de suas posições, análises e decisões. E, portanto, são plenamente conscientes das consequências potenciais advindas dessas ações políticas.

É exatamente por isso que muitas comunidades têm aguardado décadas para realizar algumas dessas ações. E eles só as realizam realmente quando se sentem em uma situação limite. Essa retomada só foi feita depois de mais de dez anos acampados em um espaço extremamente reduzido. Nosso papel nessas situações, quando somos acionados pelas lideranças, é o de dar visibilidade e acionar os órgãos, buscando evitar consequências graves contra os povos. Portanto, o que temos feito é divulgar e visibilizar a luta dos povos e principalmente denunciar as violências cometidas contra eles.

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