Força Nacional de Segurança: da origem à desfiguração

Luiz Eduardo Soares, que idealizou o grupo, revela: ele foi concebido para investigar e melhorar as polícias — nunca para funcionar como tropa auxiliar a elas

Por Dário de Negreiros, no Viomundo

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Luiz Eduardo Soares, que idealizou o grupo, revela: ele foi concebido para investigar e melhorar as polícias — nunca para funcionar como tropa auxiliar a elas

Por Dário de Negreiros, no Viomundo

Esta é a quinta e última parte da entrevista com Luiz Eduardo Soares. Leia também:

Polícia: da brutalidade às alternativas [parte 1]

Principal crítico das políticas de Segurança Pública descreve em detalhes sua proposta de desmilitarização das PMs. E debate UPPs, criminalização dos pobres e desaparecimentos

Polícia: “saída não é desmontar as UPPs” [parte 2]

Luiz Eduardo Soares afirma: nova visão de segurança pública só tem sentido se for parte de política de direitos nas periferias; mas rechaçá-la por completo é retrocesso

Polícia: a sinistra máquina da morte [parte 3]

Na terceira parte da entrevista sobre Segurança Pública, Luiz Eduardo Soares debate “desaparecimentos” e execuções extrajudiciais. Para ele, também trabalhadores policiais são vítimas da militarização

Desmilitarizar a segurança: por quê e como [parte 4]

Autor da Emenda Constitucional que transforma as PMs, Luiz Eduardo Soares explica seu projeto de polícia voltada para direitos e igualdade

O senhor criou a Força Nacional de Segurança, que posteriormente se transfigurou e se afastou bastante de sua concepção original. Para muitos, a Força Nacional de Segurança Pública, hoje, além de inconstitucional, representa uma contribuição substantiva para a militarização do trato com a segurança pública no Brasil. Como avalia a Força Nacional de Segurança e os convênios que ela realiza com governos estaduais?

Eu tive a ideia da Força de Segurança Nacional como a constituição de um grupo policial civil de investigadores das polícias. Eu sentia que nós precisávamos constituir um grupo para investigar as polícias. Os nossos problemas estão nas polícias, sobretudo, e era indispensável que esse grupo tivesse autoridade, autonomia, independência e mecanismos de investigação sofisticados. É muito grave o que acontece nas polícias brasileiras e, particularmente, no Rio de Janeiro.

A Força Nacional seria, então, composta por uma seleção de policiais civis de diversas partes do Brasil. Porque essa era uma matéria urgente e nós não tínhamos tempo para formar uma polícia nova. Pra formar uma polícia nova, você precisa de 15 anos, até os primeiros formados alcançarem um nível de competência e de experiência para enfrentar um desafio dessa magnitude. Nós precisávamos utilizar o que de melhor o Brasil dispunha.

O diretor seria o diretor da PF, pra evitar competição com a PF. E por que não a própria PF? Porque ela não tinha mais gente suficiente. Nós precisávamos de um grupo bastante numeroso e com esse tipo de foco. E esse grupo se desconstituiria depois da sua missão cumprida, deixando ensinamentos. Porque a partir daí nós teríamos mais razões ainda para transformar as polícias e nós compreenderíamos a necessidade de acompanhar as polícias de outra maneira. Seria muito educativo, também.

Era essa a ideia e houve um acolhimento positivo. Depois, quando eu fui ver nos jornais, virou o contrário disso.

A Força de Segurança Nacional virou uma força militar e de presença ostensiva nos Estados. Isso é completamente absurdo e ridículo, porque a sua presença no Rio de Janeiro, por exemplo, é patética. Nós temos no Rio 50 mil policiais, em São Paulo são 100 mil.

A Força Nacional tem um grupo muito limitado, e esse grupo não tem nem a experiência que uma cidade complexa como o Rio exige. Eles vêm ganhando diária, ganhando muito mais do que os que trabalham no Rio, e estes têm de ensinar a eles como se portar. Não faz nenhum sentido. E não agrega de nenhuma forma, nem mesmo numericamente. É mais uma presença política, simbólica.

Eu compreendi a visita dos secretários de segurança do Rio e de São Paulo ao ministro da Justiça como uma manobra política com o propósito de dividir com o PT os custos da repressão. Só isso. Eles não buscam, a meu juízo, nenhuma cooperação efetiva. Isso poderia estar na pauta desde sempre, mas nunca houve um movimento no sentido de se buscar uma cooperação efetiva e sincera.

Porque o que manda na dinâmica dessas escolhas é a política menor, a disputa partidária etc. Então esse movimento não é mais do que dar, no PT, o abraço do afogado: “Nós vamos nos afogar com a repressão, nos nossos Estados? Então vamos juntos, vocês não vão ficar fora dessa! Vamos pagar juntos a conta do desgaste político”.

E o ministro [José Eduardo Cardozo] tem aceitado esse compartilhamento de custos, porque ele nunca usou nenhuma modulação ao discurso repressivo em vigor nos Estados. Ele nunca sugeriu uma alteração nesse quadro.

E aí a situação nacional é patética. A ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário – que eu respeito, como pessoa, como militante – se esgoela denunciando a barbárie e o ministro abençoa o governo do Maranhão, vai dar mais verbas e recursos. Assim como as verbas continuam indo para as polícias, inclusive a do Rio, que perpetram um genocídio.

Os autos de resistência continuam se multiplicando. O governo federal é cúmplice de tudo isso, abençoa esses processos, e a ministra denuncia as barbaridades, como se ela fosse presidente de uma ONG, de uma entidade da sociedade civil. É uma forma do governo se proteger incorporando a própria crítica. Mas politicamente é absurdo, não tem coerência nenhuma.

O ministro da Justiça diz que preferia morrer a ter de cumprir pena em um presídio brasileiro, que os presídios brasileiros eram masmorras e que a LEP (Lei de Execução Penal) não era cumprida. Depois de dois anos no cargo.

Isso só me parece razoável se você, depois de dois anos no cargo, descobre isso tudo e então apresenta à nação um plano emergencial de intervenção a partir deste reconhecimento. Mas ele apenas reiterou o que já se sabia e não apresentou essa disposição urgente de intervenção.

O senhor acha que 2014 é um ano em que as manifestações ganharão força novamente?

Olha a minha ousadia: eu não acho, eu tenho certeza (risos).

Eu estou convencido de que acabou o sossego para as elites brancas brasileiras. A desigualdade está desnaturalizada. E as jornadas de junho quebraram a cristaleira. Isso vai se derramar pelas ruas, não tem retorno.

Não há mais como sustentar esse nível de hipocrisia, de brutalidade do Estado. E não vai haver apaziguamento possível. Essas iniciativas, como os “rolezinhos”, são muito diferente do “não”, do “fora não sei o que”. Vamos para o shopping, vamos fazer diferente, vamos inventar uma nova forma de lidar com isso.

Não que nós repitamos, em escala, o que houve em junho. Vai haver muita manifestação, com outra qualidade, outras características. Mas como eu não só estudo os movimentos, mas sou parte deles, eu dou o testemunho de que nós vamos pras ruas. Isso vai acontecer, a não ser que nos impeçam. Mas não há força suficiente para que nos impeçam.

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