Carta aberta ao Fundo Monetário Internacional
Sociedade civil reivindica: novo diretor do FMI deve ser eleito de forma transparente, com participação decisiva dos países do Sul
Publicado 25/05/2011 às 18:00
Tradução: Daniela Fabrasile
Mais uma fortaleza dos mercados financeiros internacionais acaba de ser questionada e exposta à crítica pública. Um conjunto de 103 organizações da sociedade civil, de todos os continentes, lançou segunda-feira (23/11) uma carta aberta reivindicando democracia e transparência, no processo de escolha do novo Diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI).
A vaga foi criada pela renúncia de Dominique Strauss-Kahn, diretor até seu envolvimento em possível crime de estupro. A substituição está em aberto, em um novo sinal de quebra das velhas relações entre o centro e a periferia da economia mundial. Confiante numa tradição mantida desde a criação do Fundo, a União Europeia lançou hoje a candidatura da ministra das Finanças da França, Cristine Lagarde. Horas depois, num movimento que surpreendeu a muitos, Brasil, Rússia, Índia e África do Sul (os BRICs) reagiram. Em nota conjunta, declararam “obsoleto” o acorde de cavalheiros que reserva o posto a um representante europeu, e pediram “um processo de disputa de fato transparente, e baseado em mérito”.
Publicada dois dias antes, a carta das 103 organizações faz reivindicação semelhante e vai além: lembra as antigas promessas de reforma na estrutura do FMI. Sugere que, para começar a concretizá-las, faça-se uma mudança pequena – mas substancial – no processo de escolha do diretor. Ele deveria alcançar dupla maioria: além de escolhido por países que componham a maioria das ações do Fundo (como é de praxe) deveria ter, também, o apoio individual de ao menos metade dos países-membros.
Este passo adiante, que não requer sequer alteração nos estatutos do Fundo, teria enorme sentido político simbólico. Embora os empréstimos e as políticas “de ajuste” do FMI dirijam-se, em sua esmagadora maioria, para os países de renda baixa ou média, um punhado de nações muito ricas sempre controlou a instituição. Quebrar esta assimetria grave significaria o fim de um tabu e simbolizaria o reconhecimento de que é preciso estabelecer novas relações econômicas entre as nações. Dirigida ao board de 187 governadores do Fundo (um por país-membro), a carta é a seguinte (A.M.):
Prezados governadores
Após a demissão de Dominique Strauss-Kahn como Diretor-do FMI, escrevemos para reivindicar que o novo dirigente seja escolhido através de um processo aberto, transparente e baseado no mérito, além de ter apoio público da maioria dos membros do FMI, incluindo os países em desenvolvimento.
Como se sabe, o Comitê do FMI concordou, em 2009, em “adotar um processo aberto, transparente e baseado no mérito para a seleção da diretoria do Fundo”. Esta postura ratificou compromissos anteriores do G20, e, se implantada, será uma ruptura vital com as práticas passadas. Para garantir a seleção do melhor candidato, com legitimidade adquirida pelo apoio mais amplo dos membros do FMI — não apenas de uma minoria poderosa de países –, acreditamos que três coisas sejam fundamentais.
Primeiro, o candidato deve conquistar apoio aberto pelo menos da maioria dos países-membros do FMI, sem que um único bloco tenha poder excessivo. A melhor maneira de assegurar isso é exigir que o ganhador tenha maioria tanto das partes com direito a voto quanto do conjunto dos países-membros. Essa exigência não requer nenhuma mudança formal nos artigos do acordo do FMI: pode simplesmente ser anunciada pelo Comitê do Fundo. Para que isso ocorra, os países teriam que votar independentemente, não através de seus respectivos blocos1, e deveriam declarar seu apoio publicamente. Não podemos permitir que acordos de cavalheiros empossem um candidato apoiado apenas pelos países mais ricos. Os países europeus deveriam declarar abertamente que não pretendem entrar em acordo sobre um único candidato, com cada país esperando até que as candidaturas sejam apresentadas, antes de declarar apoio.
Segundo, o processo de seleção precisa ser significativamente reforçado. Isso deve incluir um processo de candidatura, aberto a qualquer um que queira se candidatar, e tempo suficiente para permitir uma deliberação apropriada, entrevistas públicas, e um processo aberto de votação.
Em terceiro lugar, uma descrição clara do cargo e das qualificações deve ser definida, com base na versão mais curta esboçada em 2007. O candidato adequado deve ser – e ser visto como – independente, e capaz de trabalhar com uma diversidade de interesses, incluindo os grupos da sociedade civil. Dado que os países em desenvolvimento representam a maioria entre os membros do FMI, e em um cenário em que a maioria esmagadora dos empréstimos e conselhos do FMI têm sido direcionados a eles, nas últimas décadas, o novo diretor terá que conhecer os problemas particulares de países de média e baixa renda. Será essencial ter um foco nos problemas econômicos globais da pobreza, níveis de desigualdade em crescimento e desemprego.
O FMI precisa de uma reforma séria e genuína. A seleção do novo diretor é um começo essencial. Acreditamos que vocês assumirão um papel de liderança para assegurar que as promessas de reformas sejam honradas.
Atensiosamente,
11.11.11
Action Aid International
Advocacy International
Africa Jubilee South
African Forum on Alternatives
African Network for Environment and Economic Justice(ANEEJ)
Afrodad
Alliance Sud
Americans for Informed Democracy
ARCADE
Associação Moçambicana para o Desenvolvimento e Democracia (AMODE)
Association for Women’s Rights in Development (AWID)
Balance
Bangladesh Development Research Center (BDRC)
CEE Bankwatch
Berne Declaration
Bond
Bretton Woods Project
CAFOD
Canadian Catholic Organization for Development and Peace
Center for Public Integrity Mozambique
Centre for Health Policy and Innovation
Centre for Social Concern
Changemaker Norway
China Center for International Development
Christian Aid
Church of Sweden
CIDSE
Citizens for Global Solutions
CIVICUS
CNCD
Compass
Congregation of St. Basil
CRBM
Daughters of Mumbi Global Resource Center
Debt and Development Coalition Ireland
Diakonia
Donald Sherk
Equity and Justice Working Group Bangladesh
Ethical Markets Media, LLC
Eurodad
Feminist Task Force
Foreign Policy In Focus
Forum Syd
Foundation for Human Rights and Democracy (FOHRD)
Franciscan Action Network
Friends of the Earth US
Fundar, Centro de Análisis e Investigación
Gender Action
Global Network-Latin America
Halifax Initiative
Health Poverty Action
HOPE-Pk
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase)
IBIS
IBON International
ILSA – Instituto Latinoamericano por una sociedad y un derecho alternativo
INHURED International
INKOTA-netzwerk
Integrated Social Development Centre (ISODEC)
International Institute for Monetary Transformation
International NGO Forum on Indonesian Development (INFID)
IteM
James H. Mittelman
Japan Center for a Sustainable Environment and Society (JACSES)
José Antonio Ocampo
Jubilee Australia
Jubilee Debt Campaign
Jubilee USA Network
Just Foreign Policy
KEPA
Maryknoll Fathers and Brothers
Maryknoll Office for Global Concerns
Missionary Oblates
Nabodhara
National Insurance Academy
New Economics Foundation
New Rules for Global Finance
Norwegian Church Aid
ONE
One World Trust
Oxfam International
Public Interest Research Centre
Results UK
Save the Children UK
Sisters of Charity of Saint Elizabeth
Sisters of St Francis of Assisi
Sisters of St Francis of Philadelphia
Sisters of St. Joseph of Springfield
SLUG
Social Justice Committee of Montreal
Social Watch
Tax Research LLP
The Norwegian Forum for Environment and Development
Third World Network
Tiri
Transparency and Accountability Initiative (TAI) Ghana
Tri-State Coalition for Responsible Investment
TWN Africa
Unnayan Onneshan
VOICE Bangladesh
WEED
World Development Movement
World Federalist Movement – Institute for Global Policy
1Blocos (constituencies) são agrupamentos de países que, juntos, indicam membros para o Comitê Executivo do FMI. São formados segundo as quotas de cada nação no Fundo. Grandes quotistas, como EUA e China, compõem sozinhos um bloco. Os blocos reúnem, em média, 4 países, mas num caso extremo 24 das nações com quotas menores estão apinhados em apenas um bloco (Nota da Tradutora).
´Talvez haja pertinência a reivindicação no momento, mas na minha opinião melhor mesmo seria acabar com a política de agiotagem que impera e ainda continua invadindo as regiões de nosso planeta promovendo as mais absurdas desumanidades: a guerra e a fome e espoliando povos pelas riquezas naturais: E tudo em nome do desenvolvimento, e ainda têm a ousadia de afirmarem ser sustentável.
Muito pertinente a reinvindicação, além de muito simbólica; não só discursos individuais de associações, mas uma ação para a prática. Nesses últimos meses, movimentos contra as formas ditadoras do capital na África, no Oriente Médio, na Europa e até nos EUA; a condenação dos ditadores na América Latina; não deixando despercebido a ligação do campo de lutas às praças, ouço acordes da Valsinha: um convite para rodar, a começar a se abraçar, a despertar a vizinhança… para que o mundo amanheça em paz…