O poder econômico flerta com o fascismo

Jair Bolsonaro e Paulo Guedes — que já assessorou Augusto Pinochet…


Como uma parcela crescente do mercado financeiro está voltando as costas para Alckmin e bandeando para o candidato que defende a tortura e a ditaduras
Por Antonio Martins | Vídeo: Gabriela Leite
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Acabou a brincadeira: a campanha eleitoral começou para valer. Ontem à noite, o Jornal Nacional divulgou uma nova pesquisa do Ibope, de intenções de voto, mas os mercados financeiros sentiram o golpe hora antes. O dólar subiu mais 1,07% e atingiu R$ 3,96 – o valor mais alto em dois anos. Os investidores reagem aos sinais de que Lula mantém enorme popularidade e de que Geraldo Alckmin estacionou num patamar muito baixo – próximo aos 5%. Temem, em especial, uma outra pesquisa, da Confederação Nacional dos Transportes e do instituto MDA, segundo a qual Fernando Haddad já chega a 15%, quando se aponta aos eleitores que é o candidato de Lula.
Os sinais de que o programa de contrarreformas do golpe, muito favoráveis ao poder econômico, é antipopular e pode ser derrotado estão provocando um forte movimento entre os banqueiros e empresários. É algo que pode alterar profundamente o cenário eleitoral. Uma parte dos mais ricos começou a bandear claramente para o lado do ex-capitão Jair Bolsonaro, e a abandonar seu candidato natural, Geraldo Alckmin, do PSDB. A este movimento corresponde uma mudança de planos do deputado, que se aproxima das elites e adota posições cada vez mais distantes do nacionalismo, que ele fingia expressar.

Alguns fatos marcam a virada. Em 10 de agosto – um sábado, logo após o primeiro debate eleitoral – 62 mega-empresários paulistas reuniram-se com o candidato que defende a tortura e a ditadura. Quase nenhum deles quis identificar-se. Mas a Folha e o Estado de São Paulo revelaram que o encontro foi amistoso e cúmplice. Ao lado de Bolsonaro, sentou-se o dono da Riachuelo, ex-candidato Flávio Rocha, cujo partido (o PRB), em teoria, apoia Alckmin. Sebastião Bonfim, dono da rede de varejo Centauro, e um dos poucos que não optou pelo anonimato, afirmou, entusiasmado: “Vou de Bolsonaro”.
Agora, novo sintoma. A edição mais recente da revista Veja traz na capa longa entrevista com o economista e banqueiro Paulo Guedes, apontado como “a cabeça” do candidato de ultradireita. Guedes formou-se na PUC do Rio, a faculdade de Economia mais identificada com o pensamento elitista. Nos anos 1970, em plena ditadura do Chile, mudou-se para aquele país, para assessorar o general Pinochet. Pessoalmente, é considerado, segundo a revista, um homem truculento – inclusive no futebol.
Bolsonaro admite claramente que nada entende de Economia. Chegou a falar em unificar todos os ministérios econômicos, e entregá-los a alguém como Paulo Guedes. E o que defende este ex-assessor da ditadura chilena para hoje? A entrevista é clara. Ele fala em privatização total – inclusive da Petrobrás e do Banco do Brasil. Em abertura de todos os setores para o capital estrangeiro. Em fim de todas as leis que destinam recursos públicos, obrigatoriamente, para áreas sociais.
É na nave de Bolsonaro que embarcarão os grandes banqueiros e empresários? Ainda é cedo para dizer. Alckmin tem uma estrutura partidária muito mais ampla e ramificada, palanque em todos os Estados, 11 minutos diários de TV, contra apenas 18 segundos do ex-militar. Em condições normais toda esta estrutura pode exercer enorme peso, e mudar o cenário.
Mas Bolsonaro parece apostar mesmo numa eleição totalmente atípica. Há dias, seu filho Flávio anunciou que a campanha do pai terá o apoio de Steve Bannon, o grande estrategista da eleição de Donald Trump. Bannon é conhecido por ter sido o comunicador que bolou o esquema de manipulação eleitoral aplicado pela Cambridge Analítica. Consiste em dois pilares. Primeiro, o uso muito intenso de fake news. Segundo um marketing inteiramente movido pela internet e microdestinado a cada grupo de eleitores. Esta tática expressa o oposto da democracia. Leva o candidato a não expressar suas posições reais, preferindo dirigir a cada grupo de eleitor uma mensagem simpática. Evidentemente, elas não poderão ser cumpridas, como acontece nos Estados Unidos de Trump – mas disso, os eleitores só ficarão sabendo muito depois.
A estratégia Bolsonaro tem um enorme furo, uma brecha que pode ser aproveitada pelos candidatos de esquerda. Ela expõe a clara vinculação do ex-militar com o poder econômico, com os barões que estão ganhando fortunas na crise, e com o que há de mais tradicional na política brasileira. Ela permite que, em face do país em desmonte, Lula, Ciro, Boulos e Haddad apresentem-se como os verdadeiros candidatos antissistema, os que desafiam os milionários, os que querem revogar os retrocessos. A questão é: Lula, Ciro, Boulos ou Haddad toparão este papel?

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Um comentario para "O poder econômico flerta com o fascismo"

  1. Mauro de Albuquerque Madeira disse:

    ELEIÇÕES. Quando o povo vota delega poder a uns poucos que desejam substituí-lo na arte de governar ou decidir sobre prioridades e problemas complexos de cuja solução a população prefere se omitir, para cuidar dos afazeres de cada dia. O voto é uma escolha bem mais emocional que racional, pois os seres humanos são menos aristotélicos que freudianos, mais regidos pelo inconsciente que pela consciência, pelo sentimento que pela razão, pela empatia que pelo cálculo. Na hora de votar, se predomina rancor, ressentimento, ódio, vota-se em Bolsonaro. Se raciocínio frio, Alkmin. Se paciência, persistência, Marina Silva. Se entusiasmo, ambição, Ciro Gomes. Se cálculo, lucro, Henrique Meireles. Se enfado, apatia, Álvaro Dias. Se ousadia juvenil, imprudência, Guilherme Boulos. Se picaretagem mística, Cabo Dociolo. O voto na figura ausente de Lula seria fruto da simpatia, da saudosa lembrança de um governo de conciliação, que trouxe pequenas vantagens para os pobres, fracas reformas que não perturbaram a vida dos ricos, do sorriso matreiro de um líder bastante carismático, agora castigado pelo rigor de juízes, baseados em provas duvidosas, esquecidos do princípio jurídico do in dubio pro reo, e do clamor, justificado ou não, de vozes do exterior, talvez movidas pela simpatia da distância. A prisão de Lula parece que trouxe mais compaixão de grande parte da população do que rancor satisfeito dos seus inimigos. Ante a frieza da prova dos autos, os mistérios da delação premiada e a suposta imparcialidade — duvidosa — dos julgadores, boa parte dos eleitores prefere a empatia do condenado. Pascal dizia que há razões que a própria razão desconhece. De qualquer modo, eleitor, na hora de votar, não se deixe guiar pelo ódio, ou ressentimento. Balanceie motivos entre o coração e a razão, e pense no futuro do Brasil . E não se abstenha de votar, para não dar chance ao voto de possíveis minorias do rancor, do reacionarismo e da ditadura.

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