A opressão oculta das empresas alemãs

Em livro, jornalista expõe as entranhas dos negócios alemães no país — protegidos pela mídia, mas marcados por violações aos direitos humanos, superexploração do trabalho e destruição ambiental

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Por Tadeu Breda

LANÇAMENTO E DEBATE

Empresas alemãs no Brasil: o 7×1 na economia

De Christian Russau, que debaterá com Lúcio Bellentani, ex-metalúrgico da Volks

Quinta, 14 setembro, às 19h

Rua Conselheiro Ramalho, 945, Bixiga, São Paulo

Se o placar de 7×1 na Copa de 2014 foi inesperado para uma partida entre Brasil e Alemanha, nas relações econômicas bilaterais essa disparidade é a regra. Historicamente, a balança comercial entre os dois países é uma goleada em favor dos alemães. E o esquema de jogo é conhecido: enquanto compramos máquinas e produtos industrializados, vendemos matérias-primas, perpetuando um sistema que se arrasta desde os tempos da colonização.

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Os negócios teuto-brasileiros começaram com Dom Pedro II, que ainda no século XIX importou as primeiras armas alemãs para o Brasil — os canhões da Kupp usados na Guerra do Paraguai —, e se intensificaram durante o “milagre econômico”, promovido pelo regime militar à base de repressão, arrocho salarial e endividamento público. Hoje, a Grande São Paulo é a região que mais concentra empresas alemãs fora da Europa.

Contudo, esse investimento internacional — que muita gente ainda vê como sinônimo de progresso — guarda uma face pouco conhecida, permeada por superexploração do trabalho, violações aos direitos humanos, destruição ambiental, influência política e lucros estratosféricos. É o que demonstra Christian Russau em Empresas alemãs no Brasil: o 7×1 na economia, publicado pela Fundação Rosa Luxemburgo e pela ONG Medico Internacional em parceria com a Editora Elefante e a Autonomia Literária.

Num primeiro momento, a obra investiga as parcerias amorais entre Brasil e Alemanha, expressas no comércio de armas e no treinamento militar (capítulo 1) e na tecnologia nuclear (capítulo 2), nas quais as violações de direitos humanos têm sido consideradas uma espécie de dano colateral inevitável de importantes negócios.

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Russau explica, por exemplo, por que uma técnica policial conhecida como “caldeirão de Hamburgo”, proibida pelos tribunais alemães, foi usada pela PM paulista na repressão aos movimentos que protestavam contra a Copa do Mundo, em 2014. E rastreia como, ainda durante o governo Getulio Vargas, ex-cientistas nazistas proveram o país de reatores.

O livro também aborda as razões que levaram os políticos alemães a não se dar o “luxo de sentimentalismos” quando os negócios com o Brasil começaram a decolar, no final dos anos 1960, no auge da ditadura. Àquela altura, a Volkswagen do Brasil já era a maior multinacional da América Latina. Crítico à blindagem histórica dos meandros do regime, e juntando as fontes de informação conhecidas — sobretudo o depoimento das vítimas da tortura e da repressão —, o capítulo 3 explora a participação da montadora nos conclaves empresariais que colaboraram com a polícia política dos generais. Aliás, o trabalho de Russau a é um dos grandes responsáveis pela repercussão da imprensa alemã à “confissão” da Volkswagen, que recentemente admitiu haver contribuído com a repressão política no Brasil.

Em seguida, o livro examina as atuais relações econômicas dos dois países e tenta apurar a falta de responsabilidade empresarial nas cadeias de abastecimento de matérias-primas. Terceiro maior fabricante de veículos do mundo, ao lado do Japão, e depois da China e dos Estados Unidos, a Alemanha importa quantidades monstruosas de minério de ferro do Brasil. As reportagens no Maranhão (capítulo 4) e no Rio de Janeiro (capítulo 5) tratam das pessoas atingidas pela extração e pelo processamento desse circuito primário-exportador, marcado pela violação de direitos humanos e pela destruição ambiental.

O capítulo 6 aborda o caso de empresas que participam do jogo aparentemente de maneira indireta, vendendo seguros para projetos de barragens na Amazônia, e que, no passado, jamais consideraram os efeitos danosos dos projetos que auxiliam. A partir do exemplo brasileiro, o capítulo 7 analisa as consequências ambientais e sociais da agroindústria: a concentração fundiária no campo, a expulsão de camponeses de suas terras, a falta de acesso à propriedade rural e a contaminação da água e do solo por agrotóxicos. O livro também questiona o chamado double standard, o famoso “dois pesos e duas medidas”, evidenciado pela baixa qualidade dos produtos que as indústrias químicas alemãs, como Basf e Bayer, oferece aos consumidores brasileiros quando comparados à mercadoria que comercializam na Alemanha.

Russau relata, ainda, as reações dos executivos das multinacionais ao prestar contas às assembleias de acionistas, reagindo às acusações concretas de abuso aos direitos humanos e destruição ambiental em que as suas empresas tiveram responsabilidade direta ou indireta. No capítulo 8, por fim, o jornalista analisa o comportamento das empresas diante da insuficiência da responsabilidade social corporativa, e aborda as recentes tendências que, futuramente, pretendem responsabilizar as grandes companhias que falhem nesse intento.

A investigação de Christian Russau demonstra que, se as mazelas da “relação especial” entre Brasil e Alemanha se limitassem a um jogo humilhante no estádio do Mineirão, o cenário não seria tão trágico. O verdadeiro problema são todas as demais partidas que os brasileiros — não os atletas, mas a população mais vulnerável e desassistida — enfrentam todos dias contra gigantes transnacionais que, com o apoio das elites locais, entram em campo sem respeitar as regras, e muitas vezes com o juiz comprado.

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Um comentario para "A opressão oculta das empresas alemãs"

  1. arlei macedo disse:

    Não entendi o “ocultas”. Quem tinha um mínimo de informação na época sabia da colaboração das grandes empresas, não só alemãs, com o regime e com as polícias, usando-as para se livrar dos não adaptados.

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