O Brasil acelera a marcha ao abismo

Recorde de mortes. Em mais estados, os hospitais estão à beira do colapso — ou já afundaram. Ainda assim, cada vez mais autoridades tramam aberturas. E mais: a Suécia (enfim!) começa a compreender como errou contra a covid-19

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Por Maíra Mathias e Raquel Torres | Imagem: Sandro Boticelli,O Abismo do Inferno (1460)

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A SUÉCIA JÁ NÃO TEM TANTA CERTEZA

Aconteceu ontem, bem cedinho. Anders Tegnell, o epidemiologista-chefe da Agência de Saúde Pública da Suécia, admitiu, pela primeira vez, que a resposta do país ao coronavírus “tem potencial para melhorar”. A Suécia, como sabemos, não fechou quase nada e contou com a “colaboração” dos cidadãos para botar em marcha sua própria versão de isolamento social. Assim, as escolas infantis permaneceram abertas, viagens domésticas continuaram normais, restaurantes, bares e até cinemas seguiram funcionando (embora em uma configuração mais espaçada)… Encontros de até 50 pessoas eram permitidos. 

Não foram poucos os especialistas de todo o mundo que olharam essas diretrizes e concluíram que se tratava de uma estratégia que visava atingir a imunidade de rebanho. Ou seja, que os suecos adquirissem anticorpos através do contato direto com um vírus ainda largamente desconhecido. Oficialmente, o objetivo principal das diretrizes suecas era evitar o colapso do sistema de saúde. Quando questionado, Tegnell – um homem de 64 anos que adquiriu status de celebridade entre a população pela maneira tranquila de se expressar – dizia coisas como: “Estamos em uma maratona, não em uma corrida rápida”. 

Em entrevista à rádio públicao mentor da resposta sueca afirmou: “Se encontrássemos a mesma doença, sabendo o que sabemos hoje, acho que acabaríamos fazendo algo no meio entre o que a Suécia fez e o que o resto do mundo fez. Há potencial para melhorar o que fizemos na Suécia, é claro. E seria bom saber exatamente o que deveria ser fechado para impedir melhor a propagação”. Horas mais tarde, dada a repercussão internacional das declarações, Tegnell voltou atrás e disse na coletiva de imprensa diária da Agência que seus comentários foram exagerados e que a Suécia tem, no geral, uma boa estratégia. 

A Suécia enfrentou seus piores dias em abril, quando o número de mortes por milhão de habitantes patinou em 11 (aqui há um gráfico que mostra isso). O país, que tem dez milhões de habitantes, teve na semana que vai de 26 de maio a 2 de junho a maior taxa de mortalidade per capita do mundo, com 5,29 por milhão. Não foram poucas vezes que Tegnell afirmou que acreditava que boa parte da população sueca já estava imune – em uma entrevista ao Estadãochegou a falar em 25%. O balde de água fria veio quando uma pesquisa do próprio país mostrou que na capital, Estocolmo, apenas 7% tinham tido contato com o vírus. Até leigos conseguem concluir que o percentual está bastante aquém do que poderia ser necessário para a população adquirir uma imunidade que atrapalhasse a problemática circulação do coronavírus.   

Agora, a estratégia dirigida por Anders Tegnell na Agência de Saúde Pública está sendo questionada por quem antes a apoiou. Pressionado pelo Parlamento, o primeiro-ministro Stefan Löfven anunciou na última segunda-feira a abertura de uma investigação sobre a gestão da emergência sanitária. “Precisamos adotar uma abordagem geral para ver como funcionou a gestão em nível nacional, regional e local”, disse ele ao jornal sueco Aftonbladet. “Temos que admitir que a parte encarregada do atendimento aos idosos, em termos de disseminação da infecção, não funcionou. É óbvio. Há muitos idosos que faleceram”, reconheceu. Cerca de metade das quase 4,5 mil mortes pela covid-19 no país aconteceram em casas de repouso – que não foram isoladas. O público foi apenas aconselhado a não visitar parentes lá internados.

Essa história é especialmente interessante para o Brasil, já que o presidente Jair Bolsonaro usou a Suécia seguidamente como exemplo a ser seguido por aqui. 

BALANÇO CRÍTICO DO CDC

Nos Estados Unidos, o Centro de Controle de Doenças, conhecido pela sigla em inglês CDC, é a estrutura de saúde pública responsável por fazer vigilância e traçar a resposta a epidemias. Uma longuíssima reportagem no New York Times ouviu mais de cem fontes e, como resultado, questiona o que deu errado – levando em consideração que combater ameaças como o novo coronavírus é o cerne da missão do órgão, e talvez a maior delas em seus 74 anos de existência. 

Os erros, apurou o jornal, começaram nos aeroportos: o sistema de notificação de viajantes do CDC se mostrou velho e falho, com registros duplicados, endereços incompletos e números de telefone errados. Dessa forma, muitas pessoas chegaram infectadas de outras partes do mundo e não puderam ser acompanhadas. Quando questionado, o CDC admitiu para quem estava na linha de frente nos aeroportos que alguns doentes poderiam ‘passar batido’ por esses controles. 

No momento seguinte, a abordagem em relação aos testes também se mostrou problemática. Em janeiro, a agência baseada em Atlanta desenvolveu um teste bastante acurado, mas tão complicado de usar que muitos departamentos de saúde locais não sabiam o que fazer com ele. Além disso, alguns dos lotes enviados foram contaminados graças a más práticas laboratoriais do próprio CDC. 

A Agência também ignorou o alerta do governo chinês sobre o papel que as pessoas assintomáticas exerciam no espalhamento do vírus – e só testou gente com sintomas, apesar de autoridades locais terem, num primeiro momento, conseguido reunir listas com nomes de todos os habitantes que haviam chegado de Wuhan e seus contatos. Só em 11 de março, os EUA restringiram voos de outros países – o que também foi considerado um erro. A cepa do vírus que chegou em Nova Iorque veio da Europa, por exemplo. 

Embora dê mais exemplos das falhas do CDC do que os resumidos aqui, a reportagem não deixa de levar em conta a pressão que a administração Donald Trump exerceu sobre o órgão, muito bem caracterizada pelo sequestro das coletivas diárias de atualização (que sempre foram coordenadas pelo CDC e passaram a acontecer na Casa Branca, com Trump dando opiniões pouquíssimo científicas como no episódio em que o presidente pergunta se não é o caso de as pessoas beberem desinfetantes). Para se ter uma ideia das prioridades de Trump, no meio da epidemia, o presidente queria que o CDC produzisse máscaras com a frase “Make America healthy again” – obviamente uma adaptação do slogan da campanha presidencial do republicano: “Make America great again”. 

UMA MORTE POR MINUTO

Enquanto isso, no Brasil não há mea culpa, nem investigação sobre as falhas da resposta à epidemia, só recordes consecutivos. Ontem, o Ministério da Saúde anunciou o registro de 1.349 mortes – o equivalente a uma vida perdida por minuto. No dia anterior, o recorde tinha sido de 1.262. No total, temos 32.528 óbitos registrados, e se continuarmos assim vamos ultrapassar o Reino Unido em número de mortes já na semana que vem, passando a ocupar o segundo lugar nesse ranking trágico. 

Em número de casos confirmados, já estamos em 584.016, com mais de 28 mil registros nas últimas 24 horas. Olhando para os últimos dias, é provável que cheguemos à marca dos 600 mil amanhã mesmo.

Se Jair Bolsonaro já estava com seu cavalo parado nessa chuva de mortes há muitíssimo tempo com sua necropolítica baseada em “e daí?” e “é assim mesmo”, agora vemos chegar estados e municípios que cederam e reabriram atividades econômicas. Só de shoppings centers, já temos mais de 200 que voltaram a funcionar.  

Uma reportagem do El País Brasil mostra que a epidemia está se espalhando a galope para além dos primeiros epicentros da doença: entre 27 de maio e 2 de junho, o país contabilizou 143.562 novos casos, um total 35% maior do que as 411.821 infecções de uma semana atrás. E nada menos do que 20 estados viram seus casos crescerem em uma velocidade maior que a média do país. Goiás e Alagoas são os piores nessa aceleração: o primeiro passou de 2.843 para 4.377 casos em uma semana, alta de 54%, enquanto o segundo foi de 7.580 para 11.559, um número total 52% maior.

Enquanto isso, o Amapá está com 99% de ocupação de UTIs. Pernambuco, com 98%. Acre, com 96%. E Rio Grande do Norte, com 91%. O secretário estadual de Saúde potiguar admitiu ontem: “Estamos à beira do colapso”. 

No Maranhão, que está em plena reabertura, o índice de ocupação de unidades de tratamento intensivo é de preocupantes 90%. O Ceará – idem – está quase lá, com 88%. E o Rio de Janeiro, estado cuja capital teve o isolamento flexibilizado e onde já é possível se espantar com imagens de praias lotadas, está nos 86%. Depois de 20 dias veremos o resultado?

É o que sugere o exemplo de Feira de Santana, cidade importantíssima da Bahia por fazer ligação com praticamente o estado inteiro. Em maio, o prefeito Colbert Martins (MDB), que é médico de formação, olhou para o número de novos casos e para os índices de ocupação de UTIs e resolveu reabrir. “Fui liberando aos pouquinhos e quando chegou no dia das mães (10 de maio) estava quase tudo aberto, menos bares, restaurantes e academias”, disse ao EstadãoTrês semanas depois, os números eram bem diferentes, com crescimento de 105% nos casos

O fato é que o potencial de propagação da covid-19 nas capitais é semelhante à algumas cidades importantes do interior, como Feira, Caruaru (PE) ou Ribeirão Preto (SP) – onde o povo saiu correndo às ruas quando as lojas foram reabertas na segunda-feira. E são essas cidades que ajudam a acelerar e amplificar a interiorização da epidemia, portanto, as decisões de reabrir não deveriam ser baseadas somente nos seus números de casos ou UTIs disponíveis… 

Outra reportagem do El País explora a possibilidade de que os gestores públicos sejam processados na Justiça por suas respostas à epidemia de covid-19. Porque não adiante ter agido bem durante um tempo e depois jogar tudo pro alto sem base científica para a tomada de decisões, não é mesmo? Como indicativo desse movimento, o repórter Felipe Betim cita alguns processos que já estão sendo movidos nas esferas penal, civil e administrativa. 

O Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) estuda mover ações por danos morais e coletivos usando como base (e provavelmente adaptando para a realidade nacional) o estudo da Universidade de Columbia que mostrou que o atraso de duas semanas em determinar medidas de distanciamento social custou 36 mil vidas nos Estados Unidos

O principal alvo desses esforços é Jair Bolsonaro, como não poderia deixar de ser. Há duas denúncias movidas contra ele no Tribunal Penal Internacional; ambas citam suas atitudes durante a crise. 

Mas o presidente brasileiro não para de fornecer material para essas ações. O mais recente exemplo é de ontem: Bolsonaro vetou um dispositivo aprovado no Congresso Nacional que destinava R$ 8,6 bilhões de um fundo do Banco Central para governos estaduais e municipais usarem no combate à pandemia. Esse movimento veio originalmente do Executivo, numa medida provisória que pedia a extinção do fundo, mas queria usar o dinheiro no pagamento da dívida pública federal. Os parlamentares olharam o caos sanitário e resolveram que, não, os recursos teriam mais serventia salvando vidas do que rolando dívida. O veto seguiu o conselho de Paulo Guedes, cuja sensibilidade social e teimosia ideológica já são lendárias – e também poderia ser responsabilizado judicialmente por um punhado de omissões nessa pandemia.

OS DESCAMINHOS DO AUXÍLIO

Enquanto 2,3 milhões de pessoas que deveriam receber o auxílio emergencial de R$ 600 foram erroneamente excluídas, outras 8,1 milhões estão recebendo indevidamente, segundo um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) divulgado ontem. São filhos de ricos que, não tendo renda própria, não encontraram barreiras ao fazer a solicitação.

Por um erro grave: de acordo com o ministro do TCU Bruno Dantas, ao fazer a verificação dos pedidos, o governo não levou em conta os dependentes das pessoas que declaram IRPF. Rodrigo Maia responsabilizou o Executivo pelos erros e fraudes: “Todo cadastro único sempre foi construído através dos municípios. Eles organizavam os cadastros e, junto com o governo federal, organizavam os programas sociais, principalmente o Bolsa Família. Dessa vez, o governo não quis utilizar da estrutura dos municípios. Está dando problema e espero que problemas sejam corrigidos pelos órgãos de controle do governo federal”.

Ainda não se sabe quanto tempo vai durar o auxílio. O TCU estima que, no formato atual, a prorrogação vai elevar a despesa com proteção social a R$ 379,5 bilhões este ano.

NÃO ACABOU

O socorro a estados e municípios demorou muito a ser aprovado, mas a história ainda não acabou. Antes de acessar a verba, prefeitos e governadores precisam entregar, até amanhã, um documento se comprometendo a não reclamar na Justiça contra o pacote do auxílio. Mais de mil municípios e dez estados ainda não o fizeram Talvez não o façam: as grandes cidades não estão satisfeitas com a oferta e querem uma nova rodada de negociações. Deve haver hoje uma reunião ampla de secretários municipais de Fazenda para avaliar suas situações financeiras. Como vimos, Jair Bolsonaro já afirmou que não pretende aumentar o socorro e, contra essa demanda, diz que os entes federados precisam voltar à normalidade.

“O GRANDE REINÍCIO”

Esse vai ser o tema do próximo Fórum Econômico Mundial, que acontece em janeiro do ano que vem. Ontem, o presidente da organização, Klaus Schwab, disse que a covid-19 é uma “janela única” para “ressetar” a economia e gerar um sistema econômico e social “mais justo, mais sustentável e mais resistente”. “Também não podemos dar as costas para os males do racismo e da discriminação”, disse ele, nesse momento em que os protestos iniciados nos Estados Unidos vão se alastrando por outros países. O grande reinício tem limites, é claro. O CEO do Fórum anunciou a ideia junto com o príncipe Charles e a diretora do FMI Kristalina Georgieva. A BBC lembra que, embora a desigualdade seja sempre discutida em Davos, nem no próprio Fórum os participantes (todos da elite econômica) têm tratamento igual. Até entre os eles, há castas.

NOVAS EVIDÊNCIAS

Depois de várias pesquisas publicadas sobre a hidroxicloroquina, ontem saiu o primeiro estudo controlado – com participantes escolhidos aleatoriamente e divididos em dois grupos, um recebendo o remédio e, o outro, tomando placebo. O objetivo era mostrar se a droga poderia prevenir o desenvolvimento da doença em quem já teve contato com o vírus. E a resposta é: não.

Feito pela Universidade de Minnesota, o estudo envolveu 821 pessoas dos EUA e do Canadá, entre profissionais de saúde e pessoas que moravam com infectados. O percentual de quem desenvolveu a doença não teve diferença significativa entre o grupo de quem tomou o remédio e o de quem tomou placebo. No primeiro, foram 12%; no segundo, 14%. A maior diferença foi nos efeitos colaterais percebidos pelas pessoas, como náusea, dor de estômago ou diarreia: 40,1% no grupo da hidroxicloroquina, contra 16,8% no outro. Mas não houve efeitos adversos graves em nenhum dos dois.

Esse mesmo grupode pesquisadores deve publicar em breve os resultados de ensaios que testam a droga como prevenção antes de qualquer exposição ao SARS-CoV-2.

Aliás, como ainda não há nenhuma evidência nesse sentido, o TCU estabeleceu ontem que o Ministério da Saúde brasileiro e a Anvisa têm dez dias para explicar como embasaram sua nova orientação de prescrição de hidroxicloroquina (e também cloroquina) aos pacientes com sintomas leves de covid-19.

Muitos outros estudos com a hidroxicloroquina estão em andamento. Ontem a OMS anunciou a que vai voltar a testar o medicamento em seu ensaio clínico global, o Solidariedade. Depois que a revista Lancet publicou um estudo atestando que havia maior risco de morte para quem tomava o remédio, a Organização suspendeu temporariamente esse ensaio, por razões de segurança. Agora, a publicação do Lancet está sendo questionada, como mostramos ontem. E a OMS afirmou que os dados recolhidos pelo Solidariedade, em pacientes que tomaram a hidroxicloroquina, não mostram até agora riscos evidentes no uso do medicamento.

No ensaio da OMS, o objetivo é descobrir alguma droga que funcione para o tratamento (e não a prevenção) da covid-19; além da hidroxicloroquina, são analisados o remdesivir, o lopinavir/ritonavir e o interferon beta-1a.

CORRIDA JÁ COMEÇOU

A potencial vacina desenvolvida pela universidade de Oxford, que já está na fase 3 de testes e vai ser aplicada em dez mil pessoas, também será testada no Brasil. Por aqui, vai haver dois mil participantes no Rio e em São Paulo. Ontem mesmo comentamos que os grupos de pesquisa estão correndo atrás de lugares onde a covid-19 ainda está em franco crescimento para avaliar suas vacinas… É esse o caso.

Isso não quer dizer, de forma alguma, que essa vacina vá ser distribuída logo no Brasil no caso de se mostrar eficaz. Na verdade, a luta internacional pelo acesso já está em curso, e a matéria da Bloomberg mostra como a União Europeia tenta se mover rápido, temendo ficar para trás em relação aos EUA e à China. Em memorando, a Comissão Europeia pede aos 27 governos do grupo um mandato para negociar contratos antecipados e reserva de doses das principais candidatas à vacina. O documento adverte que os EUA já fecharam acordos semelhantes, financiando empresas farmacêuticas que pretendem fabricar os imunizantes.

Por aqui, o governo anunciou a decisão de entrar no projeto Acelerador de Vacina (ACT Accelerator), iniciativa internacional que tem mais de 44 países, empresas privadas e entidades, mas não deu detalhes.

RÁPIDOS E MELHORES

Diagnosticar o novo coronavírus em larga escala não é das missões mais simples. Não é preciso apenas ter os kits, mas também um laboratório com máquinas caras (no caso dos testes PCR, que oferecem resultados mais confiáveis do que os sorológicos)  e profissionais dedicados a coletar as amostras, usando equipamentos de proteção individual para isso. A matéria da Vox conta que, para tornar o processo mais rápido e melhor, cientistas estão tentando criar testes que possam ser feitos pelas próprias pessoas, em casa. Hoje os testes sorológicos são razoavelmente acessíveis, mas imprecisos. E os Estados Unidos já aprovaram alguns testes PCR que podem ser colhidos em domicílio, mas ainda dependem de análise laboratorial.

Segundo a reportagem, já existem duas tecnologias que poderiam ser usadas para identificar rapidamente, e em casa, a presença do vírus. A primeira seria o teste baseado em antígeno, que procura proteínas específicas do vírus no muco do nariz. Como um teste rápido de gravidez, o resultado apareceria como uma linha na tira do kit. O problema é a imprecisão, mais alta do que nos testes laboratoriais. Outra abordagem usaria o CRISPR, uma técnica de edição genética. Com ela, seriam encontradas sequências genéticas do vírus e, com isso, um sinal seria ativado – nesse caso, também uma linha na tira do kit.

Isso só resolve parte do problema. Seria preciso bolar uma forma de garantir que esses resultados chegassem às mãos das autoridades, para vigilância epidemiológica (aqui no Brasil, o Ministério da Saúde já reconheceu que não sabe direito nem os resultados feitos nos laboratórios privados). E, como sabemos, para impedir a transmissão é preciso que os casos identificados sejam isolados e que os contatos sejam rastreados.

O rastreamento pode ser feito de modo ‘analógico’, com telefonemas e profissionais dedicados a isso (como tem sido feito no Japão, com sucesso)… ou com tecnologia digital. O que torna tudo mais veloz e barato, mas também mais arriscado, quando se pensa em privacidade e proteção de dados pessoais. China, Coreia do Sul e Cingapura são alguns dos países que adotam esse tipo de rastreamento desde cedo. A matéria do New York Times explica algumas das tecnologias usadas: cruzamento de dados de geolocalização, bluetooth e códigos QR que identifiquem cada pessoa (com seu histórico médico). Grandes empresas, como Apple, Google e Amazon, estão envolvidas no desenvolvimento desses apps.

MAIS UMA PEÇA

Um estudo feito por geneticistas europeus (e que ainda não passou por revisão de pares) indica que pode haver uma forte ligação entre o DNA das pessoas e a forma como respondem à covid-19. A partir de amostras de sangue de pacientes da Itália e da Espanha, eles observaram que variações em dois pontos do genoma estavam associadas a um risco aumentado de insuficiência respiratória. Um desses pontos inclui o gene que determina o tipo sanguíneo, e ter sangue tipo A significou uma probabilidade 50% maior de o paciente precisar de oxigênio ou de um ventilador. Nesse sentido, o trabalho se soma a um artigo anterior, publicado meses atrás por pesquisadores chineses, que também mostrava mais chances de pacientes com sangue do tipo A desenvolverem formas graves da doença.

DE VOLTA AO BRASIL

O Ministério da Saúde virou uma sombra melancólica do que já foi uma das pastas mais importantes da Esplanada. O descaso no meio da pandemia pode ser medido inclusive no filigrana administrativo. Pois foi só ontem, 20 dias depois que passou a responder pelo Ministério, que Eduardo Pazuello foi nomeado “ministro interino”. 

O general e seu mais novo fiel escudeiro, o empresário Carlos Wizard, aparentemente vão ditar as diretrizes assistenciais da Pasta. “Decidimos, o ministro e eu, defendermos o tratamento precoce. Quem está contaminado passa a ter tratamento imediato e os membros [da família] passam a receber o tratamento profilático, porque invariavelmente vão ser contaminados por viverem no mesmo ambiente”, disse Wizard em entrevista à Reuters. Notem que aqui o problema não são as medidas, em si, que devem ser debatidas, mas o nível de personalismo na tomada de decisão em um Ministério que dispõe de vasto corpo técnico, em um país que tem um conjunto de centros de pesquisa de ponta nas mais variadas áreas de conhecimento relacionadas à pandemia. 

A propósito: o chefe dessa dupla, Jair Bolsonaro, deu um novo conjunto de declarações absurdas ontem. Ele disse, por exemplo, que talvez tenha pegado o coronavírus umas “20 vezes” – o que é completamente irresponsável porque leva desinformação científica à população, e tem tudo para suscitar nova batalha para que ele faça e entregue testes… Enquanto o presidente nos distrai, as nomeações do Centrão continuam

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