Em busca de um novo horizonte utópico
Para deter a onda conservadora, é preciso derrotar Aécio. Mas limites da esquerda clássica ficaram claros nessa eleição. Saberemos ir além?
Publicado 22/10/2014 às 09:05
Por Antonio Martins | Colaborou Graziela Marcheti | Imagem: Henri Cartier-Bresson
Houve quem estranhasse quando Outras Palavras estampou em manchete, no domingo do primeiro turno, um texto sobre um partido-movimento espanhol – o Podemos. Não foi premonitório, mas refletiu um desconforto. No momento em que o país vive um impasse; em que o projeto de mudanças suaves realizado com êxito dos últimos doze anos parece esgotado; em que perduram, latentes, o “espírito de junho” e a consciência de que é necessária uma rodada de transformações mais profundas – foi nesse exato instante que o sistema político produziu uma eleição inteiramente vazia de propostas e dirigida pelo marketing.
Os resultados apareceram horas mais tarde, logo após a apuração. Tornou-se evidente o risco de um retrocesso em múltiplos terrenos – político, social, cultural. Inimaginável há algumas semanas, a hipótese de uma vitória de Aécio Neves, com restauração do governo das velhas elites, é agora uma ameaça real. Na Câmara dos Deputados, PT e PCdoB, os principais partidos da esquerda histórica, perderam, respectivamente, 20% e 40% de suas antigas bancadas – ao todo, 24 parlamentares (enquanto o PSDB ganhou 11). Personagens claramente identificados com o conservadorismo moral, a ditadura militar e a repressão aos movimentos sociais – como Celso Russomano (SP), Jair Bolsonaro (RJ) ou Luiz Carlos Heinze (RS) – receberam enxurradas de votos. Quase metade dos deputados eleitos agora (248, entre 513) declara ter patrimônio milionário – eram 116, em 2002. Cresceram as bancadas do fundamentalismo religioso, dos ruralistas e “da bala” – a ponto de um estudo do Diap considerar que este é “o Congresso mais conservador do pós-1964”. No Senado, o passo atrás foi simbolizado pelas vitórias de José Serra sobre Eduardo Suplicy (SP) e de Lasier Martins sobre Olívio Dutra (RS). Na disputa presidencial, a maré pró-Aécio engolfou, como destaca Guilherme Boulos, redutos populares que tradicionalmente votam à esquerda: em São Paulo, por exemplo, estendeu-se a Campo Limpo, Itaquera, Ermelino Matarazzo e Sapopemba…
Até agora, a maior parte das avaliações procura apontar, como causa principal do fenômeno, um recuo do próprio eleitorado, uma “onda conservadora”. Em São Paulo, epicentro da ressaca, abundam os lamentos e as intenções declaradas de mudar-se de estado ou de país… Às vezes, o argumento ganha ares de sofisticação sociológica. Ao engordar a “nova classe média”, argumenta-se, os governos petistas teriam engrossado as fileiras do setor social que, ao fim das contas, desejará liquidá-los.
Mas falta a estas análises algo essencial. Inúmeros exemplos históricos desmentem a hipótese segundo a qual eleitores recém-emersos da pobreza tendem a votar à direita. A “onda conservadora” não era inevitável. Ela formou-se nas três semanas anteriores às urnas, como resultado de um erro tático grosseiro – porém revelador. Ao estabelecer como seu objetivo central a desconstrução de Marina Silva e de seus acenos a uma “nova política”, a campanha de Dilma Rousseff primeiro resgatou Aécio Neves; depois, presenteou-o com o enorme volume de votos antigovernistas gerado pela fadiga e impasse do projeto lulista. Deu asas à cobra. Escolheu como adversário de segundo turno o candidato que unifica e consolida o arco conservador. Imaginou que, ao fazê-lo, pudesse repetir o cenário dos três pleitos presidenciais anteriores – desconsiderando o desgaste do lulismo e o surgimento de uma nova geração de esquerda, com cujo imaginário não quis dialogar.
Erros tão primários nunca são fortuitos. O que levou a campanha de Dilma a demonizar Marina não foram as diversas contradições da candidata do PSB, mas o que ela trazia – ao menos em discurso – de transformador. O atual sistema político aprisiona e paralisa o lulismo, mas também o alimenta e conforta. Diante da possibilidade de ruptura, enunciada em junho de 2013 e relembrada por Marina, ainda que como eco longínquo, a reação foi de assombro e recuo.
Por isso, não bastará derrotar Aécio, em 26 de outubro – por importante que isso seja. A maré conservadora só será enfrentada quando surgirem formas de expressar, articular e mobilizar a vasta galáxia de movimentos e sensibilidades que buscam uma nova onda de mudanças mais profundas. É provável que estas formas não caibam no quadro partidário atual e é instigante examinar alternativas que têm surgido, diante de impasses semelhantes, em outras partes do mundo. Talvez o cenário brasileiro esteja maduro para partidos-movimento como o Podemos, na Espanha, ou o Syriza, na Grécia. É o que veremos, nas quatro matérias que dão sequência a este texto.
> Anatomia de um erro grosseiro
A campanha Dilma queixa-se com razão das ações golpistas de Aécio. Mas quem colocou no segundo turno o candidato das elites?
> Terá chegado a hora de um Podemos?
Por que pode ser útil, ao Brasil, a experiência dos novos partidos-movimento – que querem mudar o sistema político e têm apoio popular crescente
> Por um programa de mudanças profundas
Nas importantes mobilizações dos últimos anos, há esboço de novo projeto para o país. Não será hora de desenvolvê-lo?
> Contra o retrocesso, o “voto Duvivier”
Dilma será incapaz de realizar transformações de que país necessita. Mas elegê-la, evitando grande passo atrás, interessa especialmente a quem percebe este limite
[ou clique aqui para ler a série toda, num único texto]
Edgar, a Nathalia tentou embarcar na sua carona mas de forma enviezada.
Foi oportuno sua replica. Tanto porque ela continua com o velho discurso da derrota, demonizando a Dilma e nao propondo, desculpe a expressao, porra nenhuma. É somente mais uma viuva da direita paulista. Mas que o PT ( eu votei na Dilma) tem que mudar a forma de fazer politica, isto é o obvio ululante.
Com todo respeito, Nathalia, se meu comentário a fez descer do muro pro lado tucano, receio que não foi tão bom assim. Peço que reafirme a manutenção da democracia dizendo não a todo tipo de manipulação política da notícia e dos fatos no sentido de desmoralizar as ações do Governo Federal e transferir as incompetências em nível estadual pros ombros da Dilma e do PT. Tenho críticas ao governo federal. E não poderia deixar de tê-las. Uma delas foi não ter enfrentado o fascismo do governo paulista e sua conivência com o crime organizado. Por favor, pense na periferia que vive um verdadeiro cangaço diante do PCC e da PM corrupta. Isto é responsabilidade direta do desprezo que o PSDB tem pelas classes menos favorecidas. desculpe-me se não me fiz entender no primeiro comentário.
Excelente cometário Edgar Rocha. Acrescento ainda que apesar de ser neutra nesta eleições, por achar que ambos são igualmente péssimos, decidi sair do muro e optar pelo chamado “conservadorismo”, por dois pontos fundamentais:
– Dilma apoiar governos que se dizem populistas e só f… com o povo, como os Chavistas que agora estão nas ruas lutando e protestando para tentar voltar a ter uma democracia em seu país.
– Dilma e o PT fazer uma campanha tão baixa fazendo terrorismo com a população, ameaçando o fim das bolsas se não forem eleitos.
Portanto, meu voto agora é pela manutenção da democracia.
A avaliação dos fatos que permeiam as eleições é obrigatória. Mas, com todo respeito, discordo da crítica feita pelo autor quanto a análise que considera a inclusão à classe média um problema. Ainda acho que isto tem si muito peso. Primeiro, porque é a primeira vez que se vê no país um projeto de inclusão social concretizado. Por isto mesmo, não se pode buscar um parâmetro direto na História do país que permita corroborar a tese que defende o fenômeno de ruptura ideológica / cultural. No entanto, não se pode negar que tal ruptura, ou melhor seria definir como traição de classe, surge como regra intrínseca ao modelo de mobilidade social de nossa cultura. A ligação entre o surgimento da ‘nova classe média’ e a onda conservadora não é direta, como pode parecer. Ao se definir aqueles que foram beneficiados pelo governo como “classe média”, pressupõe-se uma ruptura com o passado, seja em nível cultural, simbólico, ideológico. Em todos, talvez. E evidências deste fenômeno são claras; preto quando melhora de vida – historicamente falando – clareia; caipira vira “country’; favelado “ostenta” e, pobre são os outros. Enfim, há que se romper com o passado, com as simbologias, com costumes, com ideias… Tudo para que aqueles que já estão no alto, demonstrem boa vontade e corroborem suas conquistas como legítimas. Sem isto, não há inclusão! Um rico, com cara de pobre, entra pelo elevador de serviço, passa vexame. No caso do Lula e do Governo, ressaltar os contornos deste conflito, reduzindo as conquistas mais importantes ao direito de consumir, de ter o mesmo que a velha classe média tem, de desfrutar e atender às mesmas necessidades sociais, de ser classe média, é empurrar pro lado de lá uma legião de pessoas que, mesmo beneficiadas pelas políticas públicas, são inconscientemente persuadidas a fazer parte do grupo seleto que sempre as excluiu.
Em segundo lugar, outra falha importante que respeitosamente sugiro considerar é a capacidade que os setores conservadores deste país tem de anular quase que por completo qualquer sensação de bem-estar causado pela melhoria da qualidade vida da maioria, minando setores onde detêm uma forte influência. São Paulo é a maior expressão disto. De que adianta ganhar mais, poder possuir mais, se não há segurança, saúde e educação dignas? Soma-se a isto o trabalho da imprensa e dos próprios agentes de Estado no sentido de transferir a responsabilidade destes problemas para a esfera federal e, infelizmente, tudo passa a ser culpa da Dilma. Nesse sentido, o Governo pecou pela omissão e pelo não enfrentamento desta prática, evitando sofrer acusações injustas de bolivarianismo, autoritarismo ou qualquer outra bobagem. Aqui em São Paulo, o impacto das ações federais diante do caos e do medo cotidianos foi sufocado.
Considerando estas coisas, juntamente com as falhas táticas de campanha, as quais o autor enumera com tanta clareza e chegamos às mesmas conclusões finais: a esquerda precisa rever as formas de articulação entre os movimentos sociais e almejar algo mais além do que já foi conquistado.
Desculpem-me por ser prolixo.
Olá, Antonio
Onde está o último texto: “Contra o retrocesso, o “voto-Duvivier”?
um abraço,
Flora